

Tomas Junior* | O objetivo deste artigo é apresentar o tema nietzschiano do eterno retorno do mesmo. Neste artigo, apresentaremos a problemática que escolhemos abordar, numa perspetiva analítica, acompanhada de uma bibliografia que julgamos ser facilitadora para o aprofundamento deste tema.
O eterno retorno do mesmo, esta doutrina tal como se apresenta na obra de Nietzsche, é manifestamente difícil de tratamento. Ao nos lançarmos nesta tarefa, estamos conscientes da dificuldade e suas implicações. In fine, não é a mais fácil das doctrinas na tradição da filosofia e muito menos no que concernce o estudo dos textos de Nietzsche.
A dificuldade reside no livro em que este pensamento está inscrito, em todo o caso de uma forma um pouco mais pormenorizada do que noutros livros. O livro em questão é o Assim falou Zaratustra, que o próprio Nietzsche descreve como uma “obra totalmente separada“, ou como diz Patrick Wotling (um dos mais reputados comentadores de Nietzsche), citando uma carta que Nietzsche escreveu a Schmeintzner em 13 de fevereiro de 1883, como “algo para o qual ainda não há nome”.
Estamos, portanto, conscientemente confrontados com esta dupla dificuldade: por um lado, a doutrina em causa e, por o texto de Assim falou Zaratustra. Para o especialista de Nietzsche Patrick Wotling, esta dificuldade é inevitável, no sentido em que “O texto é de facto extremamente complicado, e o que complica ainda mais a sua situação, parece-nos, são os comentários que o próprio Nietzsche fez sobre ele, em abundância!1 “.
Apesar desta dupla dificuldade, propusemo-nos também o desafio de trabalhar os textos de Nietzsche, um filósofo de pleno direito e através do seu pensamento, um autor que questiona sem economizar, e arriscamo-nos a afirmar que é o maior crítico da tradição filosófica e da sua história.
A escolha de eterno retorno do mesmo, é, antes de mais, uma escolha pessoal, mas é também feita a pensar no futuro da filosofia e do género humano. Por outras palavras, a filosofia, em nosso entender, não deve continuar a ser uma disciplina inscrita numa aversão à vida. O filósofo deve preocupar-se consigo próprio, amar a vida, em vez de se resignar à extinção passiva da espécie. Em breve, a filosofia sempre foi e deve continuar sendo este exercicio voltada para a vida e não o famoso treinamento para a morte.
Como tencionamos proceder? Parece-nos importante, em primeiro lugar, retomar a história da doutrina do eterno retorno do mesmo em primeira instância, ou seja, logo que tenhamos os textos de Nietzsche, o seu desenvolvimento e o projeto que prevê esta doutrina.
Em segundo lugar, parece importante esclarecer melhor este pensamento “abissal”, que nunca deve ser tratado isoladamente, que implica, portanto, pôr em evidência a questão do super-homem. Como é que este movimento se justifica? Em primeiro lugar, porque se trata de dois temas que se completam, na medida em que, como afirma Patrick WOTLING, tratar o tema do eterno retorno: “É, de facto, oportuno voltar à relação entre a ideia do tipo super homem e a doutrina do eterno retorno – e isto para sublinhar a ideia de que, contrariamente ao que Ecce Homo parece sugerir, ao dizer que o pensamento do eterno retorno constitui o coração deste livro, é o pensamento do super homem que determina e condiciona (e, portanto, torna compreensível) a elaboração da doutrina do eterno retorno, e não o contrário2.”
Podemos, até aqui, afirmar que qualquer investigação sobre a questão eterno retorno é estéril sem uma compreensão da relação entre este tema e a ideia do tipo super homem. Para além disso, a questão do niilismo terá de ser abordada de uma forma ou de outra. Na medida em que a humanidade sofre do mal niilismo, a doutrina do eterno retorno deve, por sua vez, permitir-nos ultrapassar este momento de crise3. Como? Transformando o niilismo passivo em niilismo ativo4.
A nossa terceira parte será consagrada à questão da aplicação eterno retorno, ou seja, qual é a tarefa do filósofo para que a humanidade possa dizer o Grande Sim à vida. No fundo, esta terceira parte procurará dar uma resposta concreta, a partir dos textos do próprio Nietzsche, para tentar perceber até que ponto é possível dizer Sim à vida. Como defende Diego Sánchez MECA:
“Es por ello por lo que Nietzsche attribuye ahora a su pensamiento une intentionalidad prática, una pretensión de servir como impulsor de una transformatión de la época moderna en el sentido de una superación de su nihilismo5 “.
É neste sentido que gostaríamos de abordar o tema do eterno retorno. Escolhemos a terminologia “O Grande Sim”, porque se de entender o pensamento como um estímulo para dizer Sim, mas um Sim à realidade tal como ela é, na sua totalidade, esse é o significado do Grande Sim. No concerne o nosso texto, a liberdade de ler “ o eterno retorno ” ao invés de “ o grande sim à vida ” é total. O inverso também é verdade.
É uma fórmula suprema, como testemunham os escritos de Nietzsche: “ A conceção fundamental da obra, o pensamento do eterno retorno, esta fórmula suprema da mais alta afirmação que se pode alcançar, remonta a agosto de 1881: este pensamento foi lançado numa folha de papel com esta inscrição: ‘6.000 pés para além do homem e do tempo6 ”. Desde o início, a doutrina é qualificada de suprema, o que implica a sua dimensão e influência na vida.
Só as indicações do próprio Nietzsche, à luz dos seus comentadores, nos permitirão compreender o eterno retorno como um instrumento eficaz para dizer SIM à vida, à realidade, mesmo nas suas facetas mais terríveis. Este peso que todo o ser humano deve suportar, para afirmar finalmente a sua existência da forma mais elevada, suprema.
Em suma, o eterno retorno, implica amar o destino. O que não significa de modo algum submeter-se a ele, daí a grande dificuldade, porque o pensamento do eterno do mesmo, como o nome indica, não pretende excluir nada! Trata-se de amar as coisas mais alegres, as coisas mais simples e os horrores que as acompanham. Numa palavra, trata-se de amar incondicionalmente, de se afirmar absolutamente face a tudo o que acontece.
A questão que se coloca nesta fase é se o homem, no seu estado atual, é capaz de amar a vida, de se afirmar plenamente? Não estará o homem num estado de emergência, num estado doentio que o leva a odiar a vida (esta vida) em detrimento de outra vida? O platonismo e o cristianismo não implantaram a ideia de aversão à vida aos humanos ?
Tentaremos, pois, responder a esta questão ao longo deste trabalho. Trata-se, obviamente, do trabalho de alguém que, por curiosidade, se lança neste empreendimento nietzschiano, que, como sabemos, está longe de ser o filósofo mais fácil de compreender.
Perante o declínio e o desprezo pela vida, parece-nos que chegou o momento de recordar as tarefas do filósofo e da filosofia. Daí a emergência de temas que abordam a questão dos valores, a emergência de um novo tipo de homem, que se supera a si próprio e supera o homem moderno no seu estado doentio.
Se a filósofa e os seus artesãos não devem limitar-se à crítica, cabe-lhes descer à terra e responder às questões da vida, da sobrevivência da espécie, da escolha de um tipo de vida mais realizado e afirmado. Uma vida digna não só de ser vivida, mas também de ser infinitamente desejada. Um tipo de ser humano capaz de enfrentar as facetas assustadoras e alegres da vida.
Neste sentido, o eterno retorno (do mesmo) deve ser entendido como a capacidade de viver sem desesperar perante o demónio que anuncia o fardo mais pesado, de aceitar a vida sem abrir excepções, como um caminho para transformar a nossa maneira de viver até dizermos sim à vida. De que tipo de vida trata-se? Daquela que Nietzsche anunciou com estas palavras:
« E se, um dia ou uma noite, um demónio entrasse sorrateiramente na tua solidão mais solitária e te : “ Esta vida, tal como a vives e a viveste, terás de a viver mais uma vez e inúmeras vezes mais… e não haverá nada de novo nela; e não haverá nada de novo nela, pelo contrário, todas as dores e todos os prazeres e todos os pensamentos e suspiros e tudo o que é indizivelmente pequeno e grande na tua vida deve voltar para ti, e tudo na mesma sucessão e na mesma sequência – e também esta aranha e este luar entre as árvores, e também este momento e eu próprio. A eterna ampulheta da existência é incessantemente virada, e tu com ela, pó do pó!6”.»
O Eterno Retorno, O Grande Sim à Vida é, portanto, sobre a capacidade de dizer Sim a esta hipótese Nietzscheana. O homem moderno deve ser elevado ao ponto de uma transformação total, a fim de poder dizer este Grande Sim.
Referências
- BERTOT, J. CLERCQ, N. MONSEU e WOTLING, P. (dir), Nietzsche, Penseur de l’affirmation, Relecture d’Ainsi parlait Zarathoustra, Louvain, PUL, coll. ” Empreintes philosophiques “, 2019.
DENAT, Céline, Friedrich Nietzsche, généalogie d’une pensée, ed. Belin, França, 2016. LÖWITH, Karl Nietzsche : philosophe de l’éternel retour du même, ed. Calmann-Lévy, 1991. WOTLING, Patrick, La conquête d’une pensée, PUF, Paris, 2022.
NIETZSCHE, Friedrich, Gai Savoir, trans. Pierre Klossowski, ed. Gallimard, col. Folio, Paris, 1982.
Ecce homo, “Assim falou Zaratustra”, trans. É. Blondel, Paris, Flammarion, 1992.
Notas
- Patrick Wotling, “L’idée même de Dionysos”, Sur quoi porte Ainsi parlait Zarathoustra? in CL. BERTOT, J. CLERCQ, N. MONSEU e P. WOTLING, (eds), Nietzsche, Penseur de l’affirmation, Relecture d’Ainsi parlait Zarathoustra, Louvain, PUL, coll. “Empreintes philosophiques”, 2019, p. 53.
- Patrick WOTLING, La conquête d’une pensée, PUF, Paris, 2022, 170.
- Sobre esta questão, Céline DENAT escreve: “Como Nietzsche observou em 1887, a “doutrina do eterno retorno” pode ser vista “como um niilismo realizado, como uma crise” (FP XIII, 9 [1]). Para a medicina hipocrática, a krisis é o momento em que a doença entra na sua fase decisiva, o momento que anuncia o fim da doença e, eventualmente, a recuperação definitiva do doente”. (Céline DENAT, Friedrich Nietzsche, généalogie d’une pensée, ed. Belin, França, 2016, p. 192.
- Ver Karl LÖWITH, Nietzsche: philosophe de l’éternel retour du même, ed. Calmann-Lévy, 1991, 66-67.
- Diego Sánchez MECA, Zaratustra “profeta” del eterno retorno in CL. BERTOT, J. CLERCQ, N. MONSEU e P. WOTLING, (dir), Nietzsche, Penseur de l’affirmation, Relecture d’Ainsi parlait Zarathoustra, Louvain, PUL, coll. ” Empreintes philosophiques “, 2019, p. 244
- Nietzsche, Ecce homo, « Ainsi parlait Zarathoustra », trad. É. Blondel, Paris, Flammarion, 1992, § 1.
- Nietzsche, Ecce homo, “Assim falou Zaratustra”, trans. É. Blondel, Paris, Flammarion, 1992, § 1.
- Nietzsche, Gai Savoir, trans. Pierre Klossowski, ed. Gallimard, col. Folio, Paris, 1982, § 341. A tradução de Pierre Klossowski foi feita de alemã para francês. Quanto à tradução de francês para português, é de nossa inteira responsabilidade, importa salientar na mesma que tivemos recurso ao corrector gramatical para manter no maximo a origininalidade do texto. Para quem suspeitar o texto e com razão, aconselhamos confrontar-se com a obra original do autor da Gaia ciência.
*Mestrando em pesquisa em filosofia pela Université de Reims champagne-Ardenne.
Viktor Frankl, em sua obra “Em Busca de Sentido”, apresenta a ideia de que a principal motivação humana é a busca por um propósito que dê significado à vida. Frankl identificou três caminhos principais para se encontrar sentido: a realização de obras significativas, a experiência com o mundo (especialmente o amor) e a atitude diante do sofrimento inevitável. No entanto, na sociedade contemporânea, esses pilares foram distorcidos ou enfraquecidos:
1. Realização de Obras ou Tarefas Significativas: O valor das realizações humanas está atrelado ao sucesso público e à visibilidade. Obras silenciosas ou de menor impacto midiático são desvalorizadas, apesar de seu significado pessoal ou comunitário.
2. Experiência com o Mundo, Especialmente o Amor: A vida acelerada e a fragmentação social dificultam a criação de laços profundos. O imediatismo e o individualismo enfraquecem essas conexões, reduzindo o espaço para experiências contemplativas e culturais.
3. Atitude diante do Sofrimento Inevitável: A cultura atual busca evitar a dor a qualquer custo, enfraquecendo a resiliência. Como destacou Carl Jung, enfrentar e suportar a dor é fundamental para o crescimento interior.
Diante desse cenário, torna-se urgente refletir sobre como resgatar formas mais autêuticas de sentido. Isso pode envolver a valorização de realizações menos visíveis, mas significativas; a busca por relações humanas mais profundas; e o reconhecimento do sofrimento como parte inevitável e formadora da experiência humana. Assim, talvez possamos reencontrar um propósito que transcenda o efêmero e o superficial, conectando-nos com uma existência mais plena e significativa.
~ Kanienga L. Samuel (José)