A Amnistia Internacional classificou hoje (23/4) o julgamento do jornalista e activista angolano Rafael Marques, remarcado para 14 de Maio, como “uma farsa em torno da liberdade de expressão” e exigiu a retirada “imediata e incondicional” das acusações.
Em comunicado de imprensa, o vice-director da Amnistia Internacional para a região da África Austral, Noel Kututwa, afirmou que “o processo contra Rafael Marques de Morais é um ataque sustentado contra um indivíduo e contra o direito à liberdade de expressão em Angola”.
Para o responsável da organização internacional de defesa dos direitos humanos, Rafael Marques “está a ser alvo apenas por expressar as suas opiniões e pensamentos sobre o que há de errado na sociedade e no país”. “E isto tem de parar”, instou Noel Kututwa.
O tribunal de Luanda suspendeu hoje, a pedido dos advogados de acusação, o julgamento sobre a acusação de violação de direitos humanos, opondo generais angolanos ao jornalista Rafael Marques, mas a defesa admite um entendimento extra-judicial.
Em declarações à Lusa, em Luanda, o advogado David Mendes, que defende o jornalista e activista angolano, disse que o julgamento, que hoje deveria decorrer à porta fechada, conta já com nova sessão agendada para 14 de Maio, após a acusação, que representa sete generais e empresários angolanos, ter pedido a suspensão para estudar nova documentação.
Os advogados da acusação pretendem analisar, nomeadamente, a documentação que confirma que, antes de publicar o livro expondo a violação de direitos humanos na província diamantífera angolana da Lunda Norte, Rafael Marques, enquanto autor, contactou um administrador das empresas envolvidas, para fazer o contraditório.
“O que está a acontecer não é senão uma represália contra um homem que lutou para expor os piores excessos que ocorrem no país”, afirmou Noel Kututwa, citado no comunicado da Amnistia Internacional.
Este julgamento teve início no final do mês de Março, no Tribunal Provincial de Luanda, sob forte vigilância policial e mobilização de apoiantes do jornalista angolano, cenário que não se repetiu no início desta segunda sessão, agora adiada para dentro de três semanas.
Livro de Rafael Marques minimizou abusos
Os activistas sociais da Lunda Norte e as testemunhas de Rafael Marques garantem que a publicação do livro “Diamantes de Sangue – Corrupção e Tortura em Angola“, no qual o jornalista denuncia os casos de abusos dos direitos humanos nas zonas de exploração de diamantes, minimizou os actos de violência que se registavam no nordeste do país.
Segundo o activista Salvador Fragoso, actualmente o Comando Provincial da Polícia Nacional tem feito o seu trabalho, que é de garantir a ordem pública, o que não acontecia nos anos anteriores.
“Com a publicação do livro, os casos de violações baixaram muito. Hoje as violações não estão como eram antigamente”, acrescentando que agora acredita que a situação “já está um pouco controlada, porque também a própria policia já cumpre com o seu dever”.
De acordo com as testemunhas de Rafael Marques, a população da Lunda Norte foi auxiliada pelo proprietário do portal Makangola. “Rafael é a única pessoa que foi solidária connosco”, disse a testemunha Gelson Smith, que ainda trabalha no garimpo.
A chegada dos declarantes a Luanda, foi concretizada graças as contribuições de algumas pessoas de boa fé. Os depoentes alegam que há muita gente disposta a testemunhar os casos de crime contra a humanidade, revelados no livro editado pela Tinta da China.
Segundo Gelson Smith, devido à falta de valores para custear o transporte, alguns parentes das vítimas desses abusos não conseguiram vir testemunhar. Por isso, os mesmos acham que seria melhor que o julgamento fosse realizado na Lunda Norte.
“Houve pessoas de boa fé que nos ajudaram. Se não tivéssemos estas ajudas, teriam dito que o Rafael está a mentir”, disse.
“Diamantes de Sangue”
“Diamantes de Sangue – Corrupção e Tortura em Angola” relata mais de quinhentos casos de tortura e cem casos de homicídios perpetrados em dezoito meses nos municípios do Cuango e Xá-Muteba. Segundo depoimentos de vítimas e testemunhas, tais actos foram cometidos por guardas da empresa privada de segurança Teleservice, ao serviço da Sociedade Mineira do Cuango, e por militares das Forças Armadas Angolanas (FAA).
Julgamento de Rafael Marques tem “motivações políticas”
O presidente da UNITA, Isaías Samakuva, considerou que o julgamento do jornalista e activista Rafael Marques “tem motivações políticas” e faz parte de um esforço do regime para “intimidar psicologicamente” os cidadãos.
Falando à Lusa, em Lisboa, no final de uma palestra sobre os processos eleitorais em Angola, Isaías Samakuva apelou às autoridades judiciais do país para “serem imparciais” e ao tribunal “a pronunciar-se nos marcos da lei” no julgamento do jornalista e activista dos Direitos Humanos angolano.
“Temos acompanhado este processo e aquilo que nos parece é que este caso tem motivações políticas, mas esperamos que seja o tribunal a pronunciar-se nos marcos da lei. Que seja um julgamento imparcial, porque ao ser imparcial nós acreditamos que não há razões para se incriminar Rafael Marques”, disse o líder do principal partido da oposição angolana.
O líder da UNITA descreveu o processo como uma acção do regime angolano que visa suprimir as liberdades, assinalando que o caso de Rafael Marque “faz parte de um contexto de intimidação psicológica” dos cidadãos de Angola, onde “a democracia está em perigo”.
“Apelamos não só às autoridades portuguesas como também a todas as forças democráticas do mundo para defenderem com vigor e firmeza a democracia lá onde ela esteja em perigo, e no nosso país a democracia está em perigo”, disse.
Isaías Samakuva lembrou que diariamente vários angolanos são levados à barra dos tribunais por “combaterem as injustiças e a denunciar aquilo que representa a violação dos direitos humanos”, por isso, apelou a todos os angolanos para “que se ponham de pé e protestem contra as injustiças e violações das leis do país”.
Fonte: AI, RA & OI.