Por Martinho Sampaio || Em Angola não se pode falar de formação do homem sem termos em conta como é que esta sociedade foi erguida. Pois que todas as sociedade a nível do mundo tiveram as suas géneses constitutivas. O caso angolano não foge da regra. A nossa sociedade passou pelas seguintes fases caracterizadoras: sociedade desconhecida de si mesma; sociedade revolucionária; sociedade da auto-firmação ou inter-imposição e sociedade da inter-relação ou diferenciação.
O homem angolano foi formado em torno de cinco perspectivas. Entre as quais destacam-se: a ideologia colonizadora, as ideologias políticas dos movimentos de libertação nacional: FNLA, MPLA, UNITA e a doutrina religiosa.
A sociedade desconhecida de si: é a primeira organização social, desta colectividade que hoje se chama Angola. Era uma sociedade composta de variadíssimos clãs e tribos, mas que cada um destes era estranho um do outro. Eram muito fechadas em si, pelo excessivo e estático valor que se dava à cultura e à tradição grupal. Nenhum indivíduo de uma região podia ter contacto muito estreito com alguém de uma outra cultura. Ainda hoje temos vários sinais destes factos, a pesar de as guerras e os meios de informação quebrarem este facto. Esta sociedade em termos de estratificação social era muito pobre, porque os seus membros agregavam-se de forma mecânica, como dizem os sociólogos. Viviam e trabalhavam em diversas colectividades. Do ponto de vista filosófico, estavam numa era cosmológica, tentando argumentar as dúvidas sobre o mundo de forma mitológica e uma preocupação mais virada para o exterior do que para o interior.
A sociedade revolucionária: a partir desta fase já se começa notar o despertar da consciência de um povo. Esta consciência só vem por um imperativo de sair do jugo colonial, e compromete-se a traçar objectivos em defesa de uma causa. Esta causa é a liberdade, a qual vem se transformar no desejo de vir ser um único povo, assim como os outros são.
Este ideal, este sonho era tão adverso ao do colonizador, que por seu turno tinha também o seu sonho de lado. Um sonho de escravizar, que na sua linguagem suavizava com a necessidade de humanização do homem africano e de torná-lo um só povo, esquecendo-se de que a mesma poderia se efectivar, mesmo de outra forma. Um provável contrário deste objectivo seria a inter-culturação, que já se tinha constituído na África egípcia, no contacto com os gregos, latinos, babilónios e Árabes.
Nesta fase da consciência social, o homem angolano tinha um sério compromisso consigo mesmo e sabia certamente que isto lhe custaria a vida, mesmo com isso por ela trocaria. Esta é a característica do espírito da revolução. A revolução é o estado avançado do auto-conhecimento, da consciência individual, ou de um povo. Portanto, desta forma ganha razão a lógica de Hegel sobre a luta dos contrários.
Nota-se que esta é a época da formação dos partidos políticos, que viriam a encabeçar e a conduzir a consciência e o espírito revolucionário.
Aqui o papel da religião era de libertar este homem na sua vertente física, mais do que espiritual. Só que neste ramo da religião havia classes divididas: os revolucionários e os colonizadores. Mesmo assim, a consciência religiosa é ainda una e fechada em si. Porque nem os revolucionários nem os colonizadores demonstravam sua posição, pois que faziam-no secretamente. E como a Igreja nunca ficou longe da política, os revolucionários internos da Igreja, apoiavam a classe política que viria reinar, enquanto que os outros aos que reinava. Estes tinham a missão de adormecer a consciência e o espírito revolucionário. Este espírito da Igreja, de estreitar-se à política já é antigo.
A sociedade da auto-afirmação ou da inter-imposição: esta sociedade surge da bravura e da fé de que a final é possível lutar e conquistar. A auto-firmação é demonstrada no poder de governar-se por si, só que esta consciência não mostrou completamente seu lado positivo, porque só tornou mais objectivado seu lado negativo, o qual traiu a consciência revolucionária, que já era colectiva, tinha um sacrifício patriótico, e de certo modo solidária por si mesma. A traição foi o desrespeito dos acordos de alvor. A partir daí começa-se a construir firmações individuais com os discursos da força. Isto é, começa-se a criar o espírito de quem é quem. Foi a partir daqui que os grupos fecharam-se ainda mais em si e em suas doutrinas. Criou-se diversidades de consciência colectiva pelas formações políticas e pela religião ou igrejas. Os que estavam do lado da UNITA, eram tidos como diabos por parte do MPLA, mas tinham uma revelação de uma elevada intelectualidade. Os da FNLA eram tidos como antroponívoros, os que comem pessoas, mas revelaram-se como bons matemáticos. Outros diabos. E o povo era mesmo ensinado assim e não de outra forma. De que Savimbi tinha cauda e chifre, ou seja, meio homem e meio animal. E que o que dizer de seus sequazes?
Os que eram formados nas escolas eclesiásticas tinham outro tipo de consciência. Fechada, transcendental, mas também hostil à política, e a tudo que estava fora de si. A sua concepção era de que fora de si não havia salvação. No fundo todos esses grupos eram intolerantes. E isto deu as seguintes consequências: formação de homens medrosos para com a própria sociedade e para com o Estado; desconfiança social, tribalismo, imoralidade descontrolada, racismo, desigualdade social, despatriotismo, educação medíocre, proliferação de seitas, enfim, tantos erros.
A sociedade da inter-relação ou diferenciação: esta sociedade é a sociedade que está a emergir. Ela não se identifica com as antigas fórmulas que sustentaram-nos como pilares da construção; ela tende a se caracterizar como uma sociedade intelectual, pois que a sua velocidade e a comunidade na diferença, está a proporcionar uma riqueza de diversidade de capacidades. Ao contrário da sociedade anterior que apresentava uma única consciência. A consciência colectiva, ignorando que mesmo que a pessoa faça parte de qualquer grupo, é inviolável a sua personalidade.
Ora, nesta nova arquitectura social, poucos se adaptam facilmente, por razões de cada um viver de suas qualidades, seu talento, numa só palavra de sua riqueza raciocinativa. Outros entes que temem esta sociedade emergente são as instituições, visto que agem sempre em colectividade e qualquer erro seu, mancha toda a coboiada. E isto causa a desvinculação de muitos membros, o que proporciona a discredibilidade das instituições e o aparecimento de novas instituições com o fim de dar nova credibilidade. É o exemplo do aparecimento das Seitas, pelo descrédito das matersEclesiae. O aparecimento de coligação política, como a CASA, a grande revelação política, contra o tradicionalismo da UNITA e do MPLA, que não está a fazer a leitura das mudanças sociais. O surgimento de analistas e pensadores da Sociedade Civil, como William Tonet, Makuta Nkondo, Rafael Marques, MCk, Domingos da Cruz, os Jovens Revolucionários e tantos outros como nós.
Esta sociedade é a esperança, que marcará a Angola verdadeira; que dará sorriso de convivência na diferença e de repartição dos recursos do país de forma equitativa e a mentira das instituições presentes não terá cabimento.