João dos Santos│ Introdução. O presente artigo surge da necessidade de atender ao pedido do Observatório da Imprensa para que, na ocasião das celebrações do septuagésimo primeiro aniversário da Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH) a 10 de Dezembro do corrente ano de 2019, fizéssemos um comentário ao seu art. 19º, cujo conteúdo normativo contempla a «liberdade de opinião e de expressão», de modo a aderir às celebrações.
A Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH) foi aprovada a 10 de Dezembro de 1948, pela Assembleia Geral das Nações Unidas, como forma de “eleger os direitos fundamentais para a preservação da dignidade do ser humano” (Bittar e Almeida, 2015, p. 718). Trata-se de um documento solene, de caris internacional, composto por 30 artigos, cujo efeito é meramente declarativo. Porém, a nossa análise restringir-se-á, única e exclusivamente, no seu art. 19º, cujo teor normativo, reiteramos, torna sagrado a «liberdade de opinião e de expressão», pelo que, foi esta a nossa orientação. Todavia, não nos vamos descurar da possibilidade de recorrermos a outros preceitos, durante a nossa análise, tendo em conta o quadro sistemático em que uma norma é inserida.
Contextualizada a nossa temática é chegado o momento de nos indagarmos, de modo a restringir o nosso campo de análise. Assim sendo, ao longo da nossa análise, propusemo-nos a responder a seguinte questão: Que interpretação podemos extrair do art. 19º da Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH) e, qual é a sua dimensão formal no plano externo e interno?
De forma geral, é nossa pretensão fixar o sentido e o alcance do art. 19º. da Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH) e saber sua importância formal no plano externo e interno.
Especificamente, pretendemos: (i) compreender o conceito de liberdade e seus seguimentos, bem como os conceitos de opinião e de expressão; (ii) descrever os antecedentes histórico-normativos do art. 19º da Declaração Universal dos Direitos do Homem; e (iii) avaliar o nível de observância do art., 19º da Declaração Universal dos Direitos Humanos pelo Estado angolano.
Para a realização da nossa minuciosa análise, fizemos recurso a um conjunto de bibliografias de alguns autores que escreveram com maior atenção às matérias relactivas a nossa temática, pelo que contribuíram bastante na configuração e/ou formulação do pensamento que orientou a nossa análise, por um lado; recorremos também a um pequeno acervo documental, que nos permitiu extrair alguns dados, que deram sustentabilidade a nossa análise, por outro.
O nosso pequeno artigo encontra-se estruturado da seguinte forma: Capítulo I, fizemos uma breve introdução, onde apresentamos o problema e fixamos os objectivos gerais e específicos da nossa análise; no Capítulo II, demos a noção de liberdade, e aprofundamos um pouco mais as liberdades de opinião e de expressão; no Capítulo III, referente aos antecedentes histórico-normativos do art. 19º da Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH), fizemos menção a alguns documentos que precederam a Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH e que já contemplavam a liberdade de opinião e de expressão; Finalmente, no Capítulo IV, que tratou da aplicação do art. 19º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, no plano externo e interno, falamos de como ele é observado tanto no plano externo como no plano interno.
Noção de liberdade, o princípio da liberdade: liberdade de opinião e de expressão
A noção de liberdade foi introduzida pelos Romanos libertas: do latim, que significa o oposto da servidão.
Segundo Eduardo Bittar e Guilherme de Assis, a liberdade pode ser definida de muitas formas, aliás, a liberdade pode ser vista e sentida de muitas formas.
Hobbes (2013, p. 169), entende que “o significado da palavra liberdade, em seu sentido próprio, é a ausência de oposição (entendendo por oposição os impedimentos externos ao movimento)”.
Por sua vez, António José Fernandes, assevera que a liberdade é o “conjunto de condições que permitem a cada um fazer tudo que a sua consciência determina sem interferir com a liberdade dos outros” (2004, p. 10).
A complexidade da noção de liberdade pode ser apresentada da seguinte forma: “É um conceito plural [a liberdade], porque se refere a diversas liberdades concretas, as liberdades fundamentais inerentes ao ser humano. E é um conceito extremamente relactivizado, porque a liberdade de cada um termina onde começa a liberdade dos outros” (Idem, p. 10).
Com base nessas premissas, podemos dizer que a liberdade pressupõe: (i) a existência de um indivíduo que tenha vontade de fazer alguma coisa; (ii) a inexistência de impedimentos externos para a realização da coisa; (iii) e a obrigação de não interferir com a liberdade dos outros. Daí a célebre distinção entre a liberdade e a libertinagem.
Ao afirmamos que a liberdade é um conceito plural, queremos dizer que dentro da noção de liberdade encontramos vários seguimentos: a liberdade de opinião e de expressão, a liberdade de pensamento, a liberdade de informação, a liberdade de consciência de crença e de religião, a liberdade de circulação, a liberdade de reunião e de manifestação, a liberdade de associação, a liberdade de casar e constituir família, a liberdade de aprendizagem e de escolha de profissão, a liberdade de participar na vida publica, entre outras.
O Princípio da Liberdade é, basicamente, apresentado nos seguintes termos: «todos os homens nascem livres e permanecem livres».
Este princípio foi teorizado pelos filósofos do período do Iluminismo, tais como, John Locke, Voltaire, Jean Jaques Rousseau e John Stuart Mill, paladinos e defensores dos direitos e das liberdades fundamentais do homem que, com base em ideias antropocêntristas forjaram um conjunto de teorias sobre as liberdades humanas que viriam a ser, posteriormente, consideradas verdadeiras doutrinas do Princípio da Liberdade e que contribuíram bastante na elaboração da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
John Locke, “pugnou sempre pela tolerância religiosa, pela liberdade de crença e de expressão e pela saudável convivência das pessoas e das ideias” (António, Op. Cit., p. 32).
Voltaire, “afirma que a liberdade de expressão não pode ser censurada” (In. Livro da Filosofia, 2011, p. 147). “Na sua óptica, todas as restrições à liberdade de expressão e de opinião são totalmente bárbaras” (António, Op. Cit., p. 33).
Rousseau, é autor da célebre frase: “o homem nasce livre e por toda a parte encontra-se acorrentado”. Afirma que no estado de natureza o homem era livre, no entanto, ao celebrar o pacto que dá origem à sociedade, o homem alienou parte dos seus direitos naturais como forma de garantir a sua própria segurança, porém, nesse processo, o homem conservou para si o seu direito de liberdade. “O Contrato aparece como forma de protecção e de garantia da liberdade, e não o contrário” (Bittar e Almeida, Op. Cit., p. 324). “Assim, aquele que pactua e conserva o seu direito a liberdade não tendo nunca alienado esse mesmo direito, nem seu, nem o de seus descendentes” (Idem, p. 330).
Mill, a sua grande contribuição na formulação do princípio da liberdade, pode ser transcrito pelo seguinte modo, nas palavras de António José Fernandes: “No seu Ensaio sobre a Liberdade (1859), desenvolveu a concepção política de liberdade, sobretudo da liberdade de consciência, de opinião e de expressão. Concebendo a liberdade como o direito de cada um conseguir a sua maneira, o seu próprio bem, desde que não se tente privar os outros do seu ou impedir os seus esforços para o obterem…” (Idem, p. 34).
A defesa das liberdades humanas por parte desses filósofos ganha relevância num contexto de extrema negação dessas mesmas liberdades, mormente, a liberdade de opinião e de expressão, que eram fortemente vigiadas pela Inquisição, também chamado de Santo Ofício ─ um tribunal instituído pela Igreja Católica no século XIII para julgar pessoas acusadas de heresia (opinião contrárias aos dogmas da igreja).
A institucionalização do Santo Ofício foi uma manifestação do Poder Eclesiástico que vigorou durante o período medieval na Europa Continental, e que estava a ver-se a sucumbir pelas ideias antropocentristas (do antropocentrismo: atitude ou doutrina que considera o ser humano o centro do universo) que começou a desenvolver-se durante a Idade da Razão, na Europa Continental.
O Princípio da Liberdade encontra-se na Declaração dos Direitos de 1776, no seu art. 1º, segundo o qual: “Todos os homens nascem igualmente livres e independentes e são dotados de direitos naturais, tais como a vida, a liberdade, a aquisição e posse de bens, a procura e obtenção de felicidade e de segurança”. A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão também declara o Princípio da Liberdade no seu art. 1º, nos seguintes termos: “Os homens nascem livres e permanecem livres e iguais em direitos. As distinções sociais não podem basear-se senão sobre a utilidade pública”. Finalmente, o art. 1º da Declaração Universal dos Direitos do Homem declara de forma expressa o Princípio da Liberdade nos seguintes termos: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade”.
Tal como no conceito de liberdade, também no Princípio da Liberdade vamos encontrar vários seguimentos, onde a liberdade de opinião e de expressão configuram dois deles.
Este artigo terá sequência aqui no OI.