Elias Isaac: “É necessário derrubar os alicerces que empobreceram os angolanos” (IIª)

Elias Isaac: “É necessário derrubar os alicerces que empobreceram os angolanos” (IIª)

 

      Elias Isaac: “É necessário derrubar os alicerces que empobreceram os angolanos” (IIª)

AG – Voltando a democracia, a juventude angolana sobretudo a geração de 80 é uma juventude na qual o reverendo acredita para mudança desse país? Já que têm falado que grande parte destes novos membros do governo é jovem, e alguns nasceram antes dos anos 80, claro está que não foram os que mais roubaram. Mas, acredita nessa geração dos anos 80 ou é uma geração soberba?

EI – Olha, eu acredito em toda a gente. E toda a gente deve ser motivo de esperança. Devemos depositar toda a esperança em todas as pessoas. Todas as pessoas têm oportunidade de mudar. Todos nós temos uma oportunidade de mudar. É óbvio que nem todos vão mudar. Mas tem que existir essa esperança. Se nós não depositarmos esperança nas pessoas, e se nós não acreditarmos nessa geração dos anos 80, se nós não acreditarmos na geração dos anos 90, se não acreditarmos na geração dos anos 70, estamos perdidos. Nós já perdemos até um certo ponto a esperança nas gerações dos anos 60 em que eu pertenço. Na geração dos anos 40 muito pior. Então, nós temos que acreditar que é possível, e tem que haver um esforço de cada um de nós.

AG – Será melhor, tem que ser melhor com a intervenção de activistas da geração da geração dos anos 80, acredita nisso?

EI – Olha, eu acredito Agostinho. Acredito porque você é um deles, o Domingos também é um deles. Existem muitas outras pessoas, mesmo no meio dessa confusão, mesmo no meio destas incertezas, mesmo no meio destas traições, mesmo no meio destas situações comprometedoras, existem sempre pessoas que não vão ceder e que irão avante. Eu não acredito que serão todos, mas acredito que haverá grupos dentro dessa geração.

AG – Olha, olhando para as questões ligadas à ética e também a própria sociedade civil há uma ética específica que se deve aplicar à sociedade civil tal como existem em alguns ramos profissionais? Ética médica, ética profissional, enfim, há uma ética específica a ser aplicada ao nível por exemplo da sociedade civil?

EI – A ética é a mesma que serve para todos. Os princípios da Ética, da moral e do nosso comportamento, do nosso carácter, estes princípios aplicam-se para todos.

E na verdade, a própria sociedade civil deve ser aquela que não só tem essa agenda social. Essa agenda política de transformação da sociedade mas, deve ser uma sociedade civil que também respeita e promove princípios éticos. Se nós tivermos uma sociedade civil que está completamente desprovida de princípios éticos que também entra na corrupção, entra na bajulação, entra na inveja, entra no ódio, entra no egoísmo, entra na perseguição de outros activistas, entra na calúnia, não haverá diferença porque ultimamente começamos a constatar que por causa da necessidade, muita gente ia para a sociedade civil como uma oportunidade de fazer dinheiro. Não estavam convictos nem tinham condições como activistas, mas estavam dentro da cidade civil. Esta gente foi e continua a ser um dos maiores empecilhos para o desenvolvimento da sociedade civil porque eles não têm espírito humanitário; eles não sentem o sofrimento das outras pessoas. Estão aí com interesses próprios, interesses de satisfação pessoal e não de promoção e satisfação da sociedade.

AG – Ou seja, ainda falta alguma ética a algumas pessoas ligadas à sociedade civil?

EI – Absolutamente. E esta ética está ligada a ideologia. Se você está na sociedade civil e se você não tem uma agenda ideológica você vai ser um empecilho; você pode ter as ideias mais brilhantes em termos académicos e em termos profissionais, mas em termos de activismo você não tem absolutamente nada. Isto tem sido um dos maiores problemas da sociedade civil.

Muita gente condena o facto de que alguns se aproveitam da sociedade civil como um trampolim para posições políticas. Eu não tenho problema com isso. Eu não tenho problemas. Eu acredito que até um certo ponto, existe gente na sociedade civil que faria melhor trabalho no governo do que aquele que muitos governantes ou políticos estão a fazer. Eu acredito nisso. Se eles forem para lá e conseguirem transportar estes princípios éticos e morais, muito bem.

“Se a sociedade civil é corrupta, não pode combater a corrupção”

Se a sociedade civil não agir com ética, não há como combater a corrupção. Aliás, se ela pratica a corrupção, se pratica a bajulação, se pratica o nepotismo, se manter práticas nocivas, então, não é possível, nós não podemos, combater aquilo que nós promovemos.

AG – Vamos entrar agora noutra temática que tem que ver com o poder simbólico. Gostava que apresentasse um conceito do poder simbólico. Para si o que é o poder simbólico?

EI – Olha, eu quando li esta (pergunta), eu sabia que o Domingos estava a levar-me a uns pensamentos que ele estudou. Para mim, o poder simbólico representa uma consciência. Representa princípios, representa ideias que na sua maior parte não são visíveis, mas são muito poderosas. Esses poderes se manifestam nas Igrejas, na sociedade civil. Ele se pode manifestar em várias instituições que não estão fora do poder real; o poder simbólico é aquele que a gente não vê, mas ele existe. Ele é presente o poder de influenciar; o poder de consciencializar. É um poder de consciência. É um poder de transformação, e ele existe.

AG – Ou seja, o poder não está apenas associado a uma posição social de topo ou ao dinheiro?

EI – Absolutamente não. E isso tem sido o conceito errado da definição de poder que muita gente pensa. Muita pensa que o poder é você ter a tua volta militares para reprimir, ter polícia para reprimir, ter muito dinheiro para comprar esse, para comprar aquele, para comprar carros e para viver bem. Não! O poder simbólico não está revestido com estes aspectos.

AG – Há outro poder ligado a ética, a transcendência, a espiritualidade e que pode representar o poder simbólico?

EI: Absolutamente. Deixa-me falar da Igreja. Tem um poder que é maior do que o poder político. Tem porque a Igreja recebe este poder de Deus. E é um Deus que está acima de tudo e de todos. Só que a Igreja em Angola não entende isto. E não sabe como exercer este poder. Qual é a instituição que congrega mais pessoas nesse país? Não são os partidos políticos. São as Igrejas, porque todos aqueles que vão aos comícios dos partidos políticos em maior parte membros das Igrejas.

Eu aposto contigo Agostinho: se um dia as igrejas convocarem um boicote, uma campanha, uma marcha contra a corrupção, contra a impunidade, contra a violação dos direitos sociais e económicos neste país; se os pastores e os sacerdotes tiveram na linha de frente, forem os primeiros, você vai ver milhões e milhões de pessoas a saírem.

O problema de hoje é que os pastores e os sacerdotes esconderam-se por detrás dos altares e daí não saem.

AG – Isso é uma realidade quase de todo o continente africano. Um pouco também do Ocidente?

EI – Infelizmente. Especialmente os países africanos no pós-independência. Assistimos tanto na África do Sul como no Zimbabwe, na Zâmbia que eu conheço, no Congo. Para o alcance das independências, nós sabíamos como é que as Igrejas se posicionavam. Depois da independência, as Igrejas começaram a entender que o mal e a injustiça eram somente de branco contra o negro. Não! A injustiça e a maldade é uma coisa humana. É do ser humano. Não importa se é negro.

Ora, politicamente querem parecer correto. Infelizmente, existe uma conivência política das Igrejas, de aparecerem correctamente perante as autoridades e perderam completamente esta autoridade espiritual. Perderam não só no interior da Igreja, mas sobre todo o país.

O presidente da república está sob o poder, o domínio e controlo de Deus. E o único que tem esse poder é a igreja para chamar atenção àquilo que não está bem no país, mas as Igrejas não fazem.

AG – Não será por questões políticas, tal como disse no princípio? Numa altura em que se está a falar da lei sobre a liberdade religiosa e tudo mais, como é que olha para tudo isso?

EI – Tudo é por conveniência. É aquilo que eu disse: infelizmente, até as próprias igrejas entraram nos seus interesses próprios; naquilo que é conveniente apoiam, aquilo que é inconveniente reprovam, mas esquecem-se que têm uma agenda. Esta agenda é de Deus para humanidade. Esta agenda é a justiça, amor, fraternidade e a solidariedade. Esqueceram que a Igreja não pode pactuar com conveniência política. A igreja é um plano de Deus. Está acima de tudo. A Igreja não pode apoiar aquilo que lhe convém. A Igreja deve apoiar aquilo que é a justiça; aquilo que é o plano de Deus. É isso que a Igreja deve fazer.

Infelizmente, existem situações como essas leis, e lá está a Igreja toda a apoiar porque é conveniente. Eu não sei porque é que as Igrejas se preocupam com a questão da liberdade religiosa. É um direito natural. Curiosamente, sobre o direito natural tal como a alimentação, a água, não sei porque que a Igreja não contesta, não luta por eles. Deveria também contestar. Quando vem o direito à liberdade de culto a Igreja apoia. A Igreja faz-se presente porque se submeter ao poder político. Apoia aquilo que é injusto e ilegal.

O único que tem a responsabilidade de fazer juízo sobre as coisas espirituais é Deus. Nenhuma Igreja está certa. O único que está certo é Deus. As manifestações religiosas não terminarão com estas leis. Elas hão-de continuar…

AG – Quando refere que a Igreja enquanto poder simbólico podia muito bem lutar contra as injustiças, poderia também fazer com que os seus membros exerçam o direito à manifestação?

EI Absolutamente! São cidadãos. Hoje, temos Igrejas que passam a vida a pregar heresias e blasfémias. Fazendo com que as pessoas se esqueçam, anestesiam as pessoas. É o evangelho da anestesia. Os que estão a pregar para pessoas que sofrerem, ainda exigirem das pessoas doações, ofertas, etc.

A Igreja tem de exigir para que o governo use a riqueza em benefício as pessoas. Deus criou, o petróleo, mercúrio, ouro, etc. para benefício dos seus filhos cá na terra e não um grupo de pessoas.

E a Igreja tem que entender isso. Aliás, a Igreja sabe disso, mas não exerce o seu poder. Se Cala. Cala-se porque muitos dos sacerdotes, muitos pastores beneficiam desta cumplicidade, desta conivência pessoalmente, enquanto os seus membros sofrem. É inconcebível em termos mais simples, um pastor de rebanho esteja gordo enquanto as ovelhas estão magras. É inconcebível. Hoje o que estamos a ver é que pastores e sacerdotes estão gordos e as ovelhas estão magras.

“José Patrocino representa o poder simbólico” – Foto: Facebook .

AG – Ainda relativamente ao poder simbólico, gostava de perceber o poder e influência por exemplo das figuras que se destacaram no nível internacional como Julius Nherere, Thomas Sankara, Ngũgĩ wa Thiong’o, W. Mandela, Mohammed Mossadeg, Pedro Pires, enfim. Como é que podemos compreender o poder de influência de algumas destas figuras? Continuam a ter este poder mesmo depois de mortos (alguns). Estamos perante a força do poder simbólico?

EI – Olha, homens como estes e outros, mesmo no nosso contexto angolano e não só, nós sabemos dessas pessoas. Eles não tiveram somente o poder simbólico. Alguns também exerceram o poder real, com alguma diferença: eles exerceram o poder real, com ideias. Este é o segredo do poder simbólico.

O poder simbólico tem a vertente de influenciar; tem a vertente de transformação, (se posso usar essa palavra). É por isso que as suas memórias, os seus pensamentos, seus ideais permanecem até hoje e são motivos de estudos. Alguns morreram muito cedo, como foi o caso de Thomas Sankara, Nkwame Nkrumah. Alguns foram assassinados por causa dos seus pensamentos.

O que está a acontecer no presente, especialmente no nosso país, são pessoas que exercem o poder sem um ideal.

AG – Ou seja, os políticos angolanos de todos os espectros não compreenderam o poder simbólico?

EI – Eu não diria todos. Alguns. E como eu disse, existe na nossa história, pessoas que exerceram o poder simbólico e também exerceram o poder ordinário. O que tivemos nos últimos tempos foi ausência desse poder simbólico; tivemos o exercício do poder ordinário que foi usado com a força, com a repressão, com a violência e por isso, hoje, estamos a ver uma situação que nós não acreditávamos que aconteceria: alguém que era chamado e intitulado o arquitecto da paz, não consegue viver no país que ele supostamente construiu. Nem ele, nem os seus filhos conseguem viver neste país.

AG – Está a falar do antigo presidente?

EI – Estou a falar de José Eduardo dos Santos. Para mim, isso é o absurdo desse poder ordinário. É um absurdo. Esta é a consequência de exercer o poder ordinário sem o poder simbólico.

Para mim, o poder simbólico é esse poder que transcendem o poder originário; o poder simbólico é que dá alma ao poder ordinário, e quando você perde esta parte, então o que acontece isto…

AG – Qual é a diferença entre autoridade moral e poder simbólico?

EI – Não existe muita diferença porque autoridade moral também é muito subjectivo. É invisível, mas ela existe. É fruto da forma como conduzimos as nossas acções; os nossos comportamentos; as nossas atitudes; nossos pensamentos.

O poder moral e o poder simbólico existem. É uma combinação porque o poder moral tem uma capacidade de influência muito grande. Quando existe o poder moral, também existe essa essa capacidade de influenciar.

E há o poder imoral que influência negativamente. É o que aconteceu em Angola. Foi o poder imoral que imoralizou a sociedade.

AG – Angola precisa de autoridade moral, de poder moral ou de figuras com autoridade moral e poder simbólico para servirem de modelos a seguir para as novas gerações?

EI – Olha, as duas coisas. Angola precisa de pessoas com poder simbólico. É necessário e urgente. Precisa de pessoas com poder moral e poder ético, porque nós não podemos exigir da sociedade a moralização; nós não podemos exigir dos cidadãos empobrecidos deste país a moralização da sociedade quando aqueles que têm o poder ordinário são os que imoralizaram a sociedade. Eles deveriam ser os primeiros a se moralizarem, a entenderem este poder simbólico, a encarnarem o poder simbólico em suas vidas e nas suas acções, para poderem ter coração e alma no exercício do poder ordinário.

Ora, nós precisamos. Angola, desesperadamente precisa do poder moral, do poder simbólico e de muita ética.

AG – Neste sentido, os chefes religiosos, os líderes religiosos têm sido um poder simbólico moralmente digno? Se olhar para os comentários que teceu a pouco, sobre aquilo que tem sido o papel das Igrejas têm agido em sentido contrário àquilo que é a sua missão?

“José Patrocino representava este poder simbólico…”

EI – Os líderes religiosos, tal como eu disse, por causa daquilo que são, eles têm este poder simbólicos; têm esse poder moral mas não exercem. Existe um vazio no entendimento da sua responsabilidade e da sua missão. Os líderes religiosos, pastores e sacerdotes estão mais preocupados com a segurança das suas próprias vidas do que da vida do povo. O povo é morto, o povo é baleado, o povo é sequestrado, o povo é violentado.

Você realmente vê uma Igreja a se pronunciar? No passado nós tínhamos o Frei João Domingos. Fazia ouvir a sua voz. Hoje não temos.

AG – Ao nível da sociedade civil?

EI – De vez enquanto aparece o Reverendo Ntony Nzinga. Uma vez ou outra porque também já não lhe dão espaço, mas aqueles que têm a possibilidade de o fazer. Já não digo a responsabilidade porque não sei se eles entendem a responsabilidade. Têm o espaço de fazer. Não fazem por causa dessa convivência; Dessa cumplicidade do seu bem social. Eles estão mais preocupados com a sua segurança, com o seu bem-estar e da sua família do que o povo de Deus que eles estão a liderar.

Jesus Cristo disse que eu sou o bom pastor e o bom pastor dá a sua vida pelas suas ovelhas. Os sacerdotes e os pastores hoje, não estão dispostos a dar as suas vidas pelas ovelhas. Eles estão dispostos a dar as suas vidas pelos bolsos das velhas e não pelas ovelhas.

AG – Contrariamente ao que acontece com os pastores e líderes religiosos, ao nível da sociedade civil há algumas pessoas que se dedicaram e se dedicam, dando a vida pelo bem comum, pela causa comum e bem-estar social de todos. Refiro-me particularmente ao recentemente falecido activista cívico José Patrocínio. Representa ou não o poder simbólico?

EI – Absolutamente! O José Patrocínio representa para muitos de nós um poder simbólico nesta esta terra. O poder que o José Patrocínio tinha de influenciar, de consciencializar mediante princípios, de transformação as pessoas, tirando-as do desespero e a trazendo a esperança. Isto marcou. Embora neste país o José Patrocínio não é reconhecido pelo Estado angolano, mas ele é um cidadão angolano que contribuiu. Que os governantes desse país olhassem para o José Patrocínio como um cidadão que contribuiu. Você vai para o Lobito, vai para Malange, para o Huambo, vai para a Huíla, você vai encontrar os rastros do trabalho que ele fez. Você vai encontrar pessoas que têm nome, têm cara e que foram impactados, foram transformados por este poder e consciência com princípios que José Patrocínio exercia sobre as pessoas.

José Patrocinando representava este poder simbólico e muitas outras pessoas. Muitos tiveram que abandonar o país por causa da perseguição. E muitos deles estão aí completamente marginalizados e ostracizados…

AG – Ora no final desta nossa conversa não poderíamos deixar escapar questões ligadas à liberdade de expressão, a liberdade de informação, de ser informado ao nível do nosso país. Qual é o comentário geral que lhe apetece fazer sobra a liberdade de expressão em Angola?

EI – Vamos dizer o seguinte: onde não há democracia, não há liberdade. Tudo é controlado. Não existe. Não existe liberdade de expressão, não existe o direito à informação nesse país, não existe. O governo dá aquilo que é conveniente dar. O governo não respeita aquilo que está estipulado na Constituição. Muitos de nós, caímos na euforia da mudança de um homem. Pensávamos que as coisas iriam mudar para melhorar. Infelizmente estávamos errados. A TPA tentou no princípio, o Jornal de Angola tentaram no princípio, mas rapidamente voltaram para às práticas do antigamente.

O barómetro é a democracia. Se não existir democracia neste país, na verdade, não haverá liberdade nenhuma. Tudo é condicionado e eu estou a dizer que é. É tudo condicionado. A nossa vida fica condicionada àquilo que o regime quer dar-nos e não aquilo que temos direito segundo a Constituição.

 

“…onde não há democracia, não há liberdade. Tudo é controlado”

AG – Aproveitando a ocasião, houve recentemente uma manifestação a favor do antigo Presidente da República que foi reprimida entre aspas. Nem se quer aconteceu. Não se permitiu a realização de uma manifestação dessa natureza. Estamos perante novos tempos do ponto de vista da liberdade de expressão ou ainda voltamos com aquelas práticas antigas? Gostava muito de poder compreender o pensamento do reverendo relativamente a isto que aconteceu. … manifestação a favor de um líder, embora não seja actualmente líder do país ou do partido?

EI – Agostinho, isto não é surpreendente. Tem que ver com aquilo que eu disse. É o sistema de governação.

AG – Mas este é ainda membro do sistema?

EI – Agostinho, isso não importa. Quem está no poder é uma outra pessoa. E é o sistema. Não existe no sistema político angolano a cultura do pluralismo; não existe a cultura de diferentes opiniões.

Não importa quem estava lá e quem está fora. Não importa. Isso aconteceu com a oposição, isso acontece com a sociedade civil, isso também acontece com quem agora não está no poder. Então, não tem a ver com o facto de ser membro do partido ou não. Isso é uma cultura.

AG – Há quem diga que José Eduardo Santos está a sofrer aquilo que se chama a lei do retorno.

EI – Não digo que seja a lei do retorno porque eles é que construíam esse sistema. Porque José Eduardo dos Santos se fosse inteligente, nunca construiria o sistema. Até certo ponto é a lei do retorno mas, o presidente João Lourenço também foi parte desse sistema. Ele também criou esse sistema. É conveniente manter o sistema. O problema é o sistema e quando João Lourenço sair, acreditar que a pessoa que o substituir fará a mesma coisa contra o João Lourenço. É o sistema.

AG – Como é que nós podemos fazer para que a sociedade civil possa conquistar o seu pleno direito à liberdade de expressão?

EI – Deixa-me só voltar a sua questão anterior. Não vale a pena o antigo Presidente José Eduardo dos Santos, seus familiares e seus apoiantes propalarem ou queixarem-se de que estão a ser perseguidos. Isso vem a acontecer a todo tempo. Isso não é novo. Perguntem a oposição, perguntem a sociedade civil. É o sistema que foi construído nesse país.

A sociedade civil tem o seu espaço, e eu penso que a sociedade civil não deve confundir o seu espaço com o espaço do governo. São espaços completamente diferente.

AG – É o governo que coarcta o seu direito à liberdade de expressão…

EI – Mesmo assim, a sociedade civil tem o seu espaço. A sociedade civil precisa definir estratégias novas, estratégias de engajamento neste novo processo que eu chamo talvez de nova era, novo tempo de uma nova pessoa. A sociedade civil precisa solidificar e fortalecer os seus passos. É isto que a sociedade civil precisa de fazer.

AG – É esta solidificação que é preciso para o fortalecimento dos seus espaços. Pressupõe que por exemplo que faça intervenções relativamente a pluralidade de informação, maior pluralidade de órgãos de informação e com um sentido não igual aos que os públicos tomam?

EI – Absolutamente! A sociedade civil tem que formular a sua agenda nesse aspecto de liberdade de informação, liberdade de expressão e direito à informação.

A sociedade civil tem que usar a Constituição, as leis e ver o que está na lei para exigir ou verificar a inconstitucionalidade desses diplomas. Nós vivemos durante muitos anos, desde 1992 e não falarei antes 92 com lei inconstitucionais.

 O regime formula leis inconstitucionais. A maior parte das leis que foram formuladas nesse país são contra a Constituição e nunca se viu por parte da sociedade civil levantar estas inconstitucionalidades.

Não falarei mais da lei da liberdade de culto e de religião, da lei de liberdade de imprensa e de informação!

AG – Esta última que veio num único pacote …?

EI – São leis inconstitucionais. O governo abre a rádio onde ele bem quer. É o que eu disse: nós estamos numa ditadura. O governo abre rádio em Cacuaco, em Viana. São extensões da Rádio Nacional de Angola. Mas até hoje o governo não permite a abertura de rádios comunitárias. Está estipulado lá no direito à informação aos cidadãos, e isso pressupõe a existência de rádios comunitárias. Isso não é um favor que o governo estaria a fazer.

AG – Neste aspecto qual é a comparação que faz entre Angola e outros países membros da nossa região?

EI – Nem vale a pena. Deixa-me dizer que Angola é um país incomparável. Existem aspectos em Angola que nem vale a pena falar. Mesmo com o nosso vizinho, o Congo, sobre o qual a gente pensa que são mais atrasados do que nós, e não sei porquê; com a Zâmbia que a gente pensa que são mais atrasadas do que nós, ou ainda um Malawi, um Botswana e Namíbia. Os angolanos têm este complexo de assimilados de que são até mais civilizados do que o próprio colonialista que os colonizou. Acreditam ser os mais iluminados, e que têm a melhor dicção do que Camões. Não sei porquê.

AG – Não facilita o exercício pleno da liberdade de expressão…

EI – Não dá possibilidade de expressão. Não dá esta possibilidade. É um direito, por isso é muito normal você abrir uma rádio comunitária. Depois de 44 anos de Independência, 17 anos de paz porquê não permitem a abertura de rádios comunitárias e o exercício das liberdades? Esta é a questão! Porquê que Angola não dá passos? Porquê é que o governo está com medo da informação livre e de uma educação livre? Porquê é que o governo está com medo?

AG – Pois, é a questão que se coloca. O reverendo coloca bem na parte final dessa nossa entrevista. Gostava de saber se queria tecer um comentário geral quanto ao que foi aqui abordado: liberdade de expressão e de manifestação, o envolvimento da sociedade civil, olhamos também para as questões do poder simbólico, enfim, para vários assuntos ligados àquilo que faz a democracia que se pretende para o país um dia alcance. Seu comentário?

EI – Olha, o meu comentário final seria: já são 2 anos de governo. É tempo para o presidente João Lourenço pensar que a forma como o governo e como o país foi governado há 44 anos não é sustentável, não favorece as condições para o desenvolvimento e justiça para o país.

O presidente João Lourenço tem que ter a coragem de transformar os alicerces políticos. Tem que existir reformas políticas nesse país. O presidente tem que entender que é na inclusividade e na participação de todos os angolanos, mesmo com opiniões diferentes e diversas que o país vai desenvolver.

O sistema político que caracterizou a governação há 44 anos não levou Angola para lado nenhum. Paralisou o país, promoveu a corrupção, promoveu o empobrecimento da grande maioria da população. Hoje, há mais angolanos pobres do que no passado. Criou-se uma classe de jacarés libertadores que devoraram tudo. O que se praticou em Angola durante este tempo, durante estes 44 anos é a versão oposta de Robin Hood. Ele roubava dos ricos para dar aos pobres.

O que se promoveu em Angola é um Robin Hood que roubava dos pobres para dar aos ricos. Se o presidente João Lourenço não tiver coragem de fazer reformas políticas, tendo como ponto de partida a Constituição e leis, toda a luta que ele está a levar a cabo fracassará porque o grande problema está no sistema político.

É o sistema político que promoveu a corrupção; é o sistema político que promoveu as assimetrias económicas regionais; é o sistema político que promoveu o empobrecimento da grande maioria da população; é o sistema político que promoveu a discriminação, a exclusão e a marginalização dos diferentes.

Portanto, Angola do futuro tem que encerrar o capítulo do passado. Esquecer mesmo. É necessário derrubar os alicerces que foram construídos e construir novos porque aqueles alicerces foram erguidos em 1975. Não serve para a Angola de hoje.

AG – Muito obrigado Reverendo…

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