Liberdade de imprensa: um pilar da democracia

Liberdade de imprensa: um pilar da democracia

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Por Nelson D. António || “Como poderiam os cidadãos participar realmente da vida política se toda a informação que pudessem adquirir fosse proporcionada por uma única fonte – o governo, digamos, ou, por exemplo, um único partido, uma só facção ou um único interesse?”- Robert A. Dahl.   

Em 1933, na Alemanha nazista, foi criado o Ministério da Propaganda do Reich. O Ministério era dirigido por Joseph Goebbels, conhecido pela famosa frase: “uma mentira dita cem vezes torna-se verdade”. Goebbels ordenou o fechamento de jornais, editoras, estações radiofónicas e televisivas que não compactuavam com os ideais nazistas, aniquilando assim o pluralismo e a liberdade de expressão e de imprensa. Goebbels produziu filmes que, por um lado, mostravam uma Alemanha feliz e próspera, sob o governo da “raça” ariana, por outro lado, incentivavam o heroísmo, o patriotismo o ódio contra os judeus, ciganos, homossexuais, comunistas e não arianos.

A propaganda nazista elaborou um conjunto de princípios orientadores, dos quais é imperativo destacar alguns:

  • Princípio da transposição: Se não podes negar as más notícias, invente outras que distraiam as pessoas.
  • Princípio da vulgarização: Toda propaganda deve ser compreensível inclusive pelas pessoas menos inteligentes. Consequentemente, quanto maior for a massa a convencer menor será o esforço mental a ser feito, pois as massas possuem limitada capacidade de compreensão e esquecem-se facilmente.
  • Princípio da orquestração: A propaganda deve limitar-se a um número pequeno de ideias que devem ser repetidas constantemente, a partir de diferentes perspetivas.
  • Princípio do silêncio: Não falar sobre questões acerca das quais não se possui argumentos, bem como manipular as notícias que favoreçam o adversário.
  • Princípio da transfusão: A propaganda opera a partir de uma mitologia nacional ou um complexo de ódios e prejuízos tradicionais.
  • Princípio da unanimidade: Convencer a muitas pessoas de que pensam como as demais criando a impressão de unanimidade.

Grande parte das práticas e princípios supracitados continuam sendo utilizadas por certos governantes a fim de limitar o pluralismo e a liberdade de imprensa e de expressão. Entrementes, “cidadãos silenciosos podem ser perfeitos para um governante autoritário, mas seriam desastrosos para uma democracia.” (Dahl, 2001: 110)

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A existência ou inexistência da liberdade de imprensa constitui um dos critérios empregados para caracterizar os Estados democráticos, em transição para a democracia, e os não-democráticos. Nestes últimos, verifica-se geralmente a existência de “um partido único, normalmente liderado por uma só pessoa; uma polícia secreta poderosa e extensa; uma ideologia altamente desenvolvida que descreve uma sociedade ideal, a qual o movimento totalitário se compromete a realizar; e penetração governamental e controle da comunicação de massa e de todas ou da maior parte das organizações sociais e económicas.” (Huntington, 1994: 22).

Nos Estados não-democráticos que sinalizam uma transição para a democracia, por sua vez, verifica-se alguma redução da censura à imprensa. (Linz e Stepan, 1999: 21). Enquanto os Estados democráticos caracterizam-se pelo efetivo direito à participação e à contestação pública. (Dahl, 1997: 29). Tais direitos podem ser materializados quando os cidadãos têm acesso a fontes de informação diversificadas e livres, que informem os cidadãos acerca dos factos como efetivamente o são, desprovidas de manifestas inclinações partidárias, políticas e ideológicas.

Cidadãos informados e conscientes dos seus direitos e deveres de cidadania tendem a estar mais aptos para participar da vida política do seu Estado, bem como controlar e contribuir positivamente na gestão governamental. Cônscios de tamanho poder nas mãos dos cidadãos, certos governantes avessos à democracia procuram seguir a cartilha de Goebbels, sufocando a liberdade de imprensa, porquanto sem ela a pretensa democracia é moribunda.

A liberdade de imprensa não apenas possibilita a capacitação dos cidadãos para a participação da gestão da res pública e para a contestação pública, mas também abre um canal de diálogo entre os governantes e governados, que permite a partilha de informações e experiências que podem contribuir para o bem-estar comum. Em contrapartida, o controle da imprensa pelo governo, por um único partido ou facção, mediante a filtragem ou manipulação da informação impossibilita o controle da gestão da coisa pública, a contestação pública, e encerra o canal de diálogo franco e construtivo entre governantes e governados. Criando, consequentemente, cidadãos alienados e manipuláveis segundo os interesses dos governantes.

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Stuart Mill (2000: 29), lembra que “o que há de particularmente mau em silenciar a expressão de uma opinião é o roubo à raça humana – à posteridade, bem como à geração existente, mais aos que discordam de tal opinião do que aos que a mantêm. Se a opinião é correta, privam-nos da oportunidade de trocar o erro pela verdade; se errada, perdem, o que importa em benefício quase tão grande, a percepção mais clara da verdade, produzida por sua colisão com o erro.” Governantes avessos à democracia, no entanto, parecem incapazes de perceber tão cristalina verdade, encontrando grave ameaça na liberdade de dissenso expressa pela imprensa quando esta é livre.

Em suma, em Estados em que a imprensa é controlada pelo governo, por um único partido ou facção tende-se a apresentar um país feliz e próspero sob o seu governo. Entretanto, sucumbem o canal construtivo de diálogo, a liberdade de dissenso, a efectiva participação, a contestação pública, o controle da gestão da coisa pública, e a responsabilização dos governantes, conforme é característico da democracia. Para tal, a imprensa precisa ser livre, porquanto sem ela, a democracia constituir-se-ia em uma verdadeira miragem.

Referências:

CORREO DEL ORINOCO. Princípios de la propaganda nazi. Nᵒ 12, p. 5, 2009.

DHAL, Robert A. Poliarquia: participação e oposição. São Paulo: Edusp, 1997.

_____________. Sobre a democracia. Brasília: UnB, 2001.

GOEBBELS, Joseph. Diário: últimas anotações. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1978.

HUNTINGTON P. Samuel. A terceira onda: a democratização no final do século XX. São Paulo: Ática, 1994.

LINZ, Juan J.; STEPAN, Alfred. A transição e consolidação da democracia: a experiência do Sul da Europa e da América do Sul. São Paulo: Paz e Terra, 1999.

MILL, John Stuart. A liberdade; utilitarismo. Martins Fontes: São Paulo, 2000.

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