Olívio N´kilumbu* ǁ “A manutenção do poder político, sem boa governação, é igual a corrupção”.
Em democracia, a boa governação é o bem político mais precioso dos nossos tempos, diz Paul Ginsbong, na sua obra A democracia que não há. Este sistema político que, até à presente época, é reconhecido como o melhor regime – comparativamente aos outros – “só e só se” sustenta por via da boa governação. Esta é a principal preocupação de qualquer governo democraticamente eleito com vista a contornar o risco do custo político representado pela não reeleição. Este custo paga-se nas urnas e, neste caso, com perda de assentos no parlamento ou, até, a não reeleição. A II República trouxe para Angola ganhos como o multipartidarismo e a competição política, embora o partido no poder até à data venha capturando o Estado, consumando este facto com aprovação da Constituição, em 2010. A competição política é o oxigénio e ponto alto do processo eleitoral. Angola está a caminho do 5º pleito eleitoral, os primeiros quatro foram vencidos pelo mesmo partido, que passou a ser dominante e com fortes características de partido único, como se pode ver pelo controlo que faz da comunicação, forças de defesa e segurança, economia e finanças, sistema eleitoral e outros. As sucessivas vitórias são também prova desse controlo, com fortes indícios de corrupção política e fraude eleitoral com a bênção da comissão eleitoral não independente. Num mundo global, os exemplos sobre Monitória, Verdade e Justiça Eleitoral, não só têm combatido fraudes como também desalojaram “poderosos interesses instalados” de níveis cleptocráticos.
Angola conta com a realização de quatro pleitos eleitorais: 1992, 2008, 2012 e 2017. Dessas eleições resultou o mesmo vencedor, o mesmo segundo lugar e as mesmas reclamações entes e após o processo, tendo sido o mais dramático o processo eleitoral de 1992. Nas três últimas eleições, como é habitual, a comunidade internacional fechou os olhos escolhendo a estabilidade em vez da democracia nos países africanos, garantindo assim a protecção dos seus próprios interesses. Por um lado, a oposição reclama e estabelece, antes e depois das eleições, um clima de suspeição sobre o processo que, no fim de contas, acaba por “aceitar” e, consequentemente, aprovando a tomada de posse. Por outro lado, a sociedade civil, uma forte unidade política, permanece “amputada” nas suas acções, tornando-se na grande perdedora da situação, pelo ainda reina a continua desgraça dos cidadãos. A degradação da vida dos cidadãos contrasta com os resultados folgados nas urnas, onde se deveria reflectir uma penalização do partido governante, através da diminuição de assentos no parlamento ou pela perda de poder. A ciência política procura, há décadas, determinar um padrão de comportamento dos eleitores. Contudo, pela complexidade do comportamento humano, é difícil determinar de que forma actuam e pensam os eleitores, mesmo recorrendo à psicologia, sociologia ou antropologia (Marketing e Comunicação Política, p.41). Ainda que o acto de votar seja um momento de elevação emocional em que, o que acontece ontem, influencia o voto de hoje, uma boa governação será sempre fundamental para permitir uma reeleição.
Quando se trata a fraude eleitoral, é importante descrever-se a perceção da fraude, isto é, “o conjunto de irregularidades e factores que indiciam a falta de integridade, justiça e liberdade num determinado processo eleitoral”, sendo que, essas mesmas irregularidades intencionais, e/ou deliberadas, visam a alteração dos resultados. Através da sistematização das irregularidades e da relação entre cada um dos elementos do processo, é possível indiciar à fraude. Toda o processo fraudulento carece de fundamentação para que, em último caso, o conjunto destas confirmem que o “[…] fim último [é] alterar o verdadeiro resultado […]”. No meio desta discussão, surge a seguinte pergunta: como entender que um partido político soma vitórias eleitorais, sem que para tal resolva os problemas básicos das populações? A resposta, caro leitor, encontra-se nos próximos paragráfos.
Recorremos ao grande trabalho de Paulo Zau, no artigo intitulado “A Teoria da Fraude Eleitoral em Angola”, publicado em Agosto de 2017, no portal Maka Angola em que demonstra as quatro fases da fraude: 1) o controlo do enquadramento; 2) micro-obstaculização; 3) controlo do núcleo base da votação; 4) controlo das tecnologias de informação. Desta feita, vamos apenas descrever a primeira estratégia da fraude eleitoral: o controlo do enquadramento. Esta fase consiste no domínio efectivo, pelo partido do governo, sobre todas as instituições que participam no processo eleitoral: o Tribunal Constitucional; a Comissão Nacional Eleitoral; o Ministério da Administração do Território e Comunicação Social. Assim, o controlo legal, operacional e da liberdade de expressão ficam dependentes do partido do governo. O Tribunal Constitucional, que tem a última palavra nos diferendos político-eleitorais, é composto por 11 juízes. Destes, quatro, incluindo o presidente do Tribunal, são indicados pelo presidente da República, e quatro pela Assembleia Nacional, onde o partido do governo tem dois terços dos deputados.
Os partidos políticos com assentos parlamentar, com destaque para UNITA, trazem-nos aqui algumas das várias evidências que também provam a fraude, como é o caso da constante violação da Lei Orgânica sobre as Eleições Gerais; da Lei Orgânica sobre a Organização e Funcionamento da CNE; da lei da Observação Eleitoral e da Lei do Financiamento dos Partidos Políticos. Da violação dessas leis, podem se dar como exemplos, o encerramento das assembleias de voto apenas às 18h, levando a que muitas urnas passem a noite sem serem escrutinadas e muitas vezes guarnecidas apenas por pessoas estranhas à CENA; a ocultação dos cadernos e do mapeamento das assembleias de voto; a negação permanente da certificação dos cadernos, com base na sua exposição aos cidadãos; a existência de registos duplos confirmados; a negação da identificação biométrica dos eleitores à entradas das assembleias; a insistência em manter um credenciamento discricionários dos observadores e a escolha, pelo governo, dos lugares a serem fiscalizados por esses observados; o decrescimento do número de eleitores, em 2017, quando a população adulta aumento; as decisões da CNE serem detidas pela maioria e as decisões serem, também, tomadas pelo princípio da maioria; o prazo aperto para as reclamações e para o contencioso; a falta de transparência nos contratos com os fornecedores de logística eleitoral, soluções tecnológicas e auditoria.
Máquina da fraude
Procuramos demonstrar acima como funciona a máquina da fraude. Iremos, agora, descrever algumas das instituições públicas e privadas que concorrem pela construção e consolidação da fraude: Casa Civil, Casa Militar, MPLA, CNE, DELLOIT, INDRA, SINFIC, MATRE, MAT e o Ministério da Agricultura. Sendo que, este último, tem menos influência devido ao êxodo forçado pela litoralização do crescimento económico que transformação a população angolana numa população menos rural e mais urbana. Este é um fenómeno que fez com que o Ministério da Agricultura perdesse influência dentro da máquina.
Os números da abstenção
A abstenção eleitoral é passível de várias leituras. “Votar p’ra quê, se já sabemos quem vai ganhar?”. É preciso “matar” esta frase, muito ouvida no espaço público em Angola – um sinal da perca de esperança, de confiança no processo e nas instituições. É preciso convencer as pessoas a ir votar, valorizar e reclamar o seu voto. Não conseguiremos, neste texto, precisar as razões destes números em termos práticos, porém, são altamente preocupantes, sendo que é missão da CNE dar uma explicação através de estudos. Segundo as estatísticas, em 2008, havia 8.300.00 de eleitores, e houve uma taxa de abstenção de 12,64% (1.049.120); em 2012, havia 9.700.00 eleitores e houve uma abstenção de 40% (3.880.00); em 2017, havia 9.317.294 eleitores e a taxa de abstenção de 23% (1.375.884).
Combater a fraude
Em Angola, a máquina da fraude é colossal. Uns dizem, até, que duvidam que os votos sejam contados para confirmar o apuramento. Os votos são controlados na base, na mesa de voto, com o envolvimento da sociedade civil para que controlem o voto, através de uma plataforma de Busca pela Justiça e Verdade Eleitoral, criando-se uma verdadeira mobilização para a Integridade, Verdade e Justiça Eleitoral. Os partidos na oposição, protegidos por lei, a Igreja Católica e o Observatório Eleitoral de Angola (Obera), são os únicos que, até agora, observam as eleições. Neste novo contexto, de luta contra a fraude, deverão, em conjunto com essa plataforma, tudo fazer para estarem presentes em cada uma das 24, 30 ou 35 mil mesas eleitorais que venham a existir, garantindo o acompanhamento do processo, contagem em volume e qualidade. É preciso investir, efectivamente, numa contagem paralela e evitar os erros do passado. Em 2017, existiam 10.349 assembleias de votos, com 25.474 mesas de votos. O partido UNITA garantiu a contagem paralela, mas controlou apenas 6150 das 24 mil mesas. Segundo João de Almeida, “6150 num total de 24 mil meses a UNITA controlou apenas estas mesas por causa do credenciamento tardio dos observadores e delegados que, desde 1992 tem sido o ponto crítico dos processos eleitorais”( OBSERVADOR, 24. 08. 2017).
É preciso mobilizar uma megacampanha de Educação Cívica e Eleitoral nos partidos e em todas as organizações da sociedade civil, com vista a convencer os indecisos e, no geral, ensinar as pessoas a valorizar e reclamar o seu voto. É necessário estimular um verdadeiro debate sobre a alteração da lei eleitoral e da composição da CNE, ajustá-la aos padrões da Comunidade dos Países da África Austral (SADC), proclamados nos seguintes documentos: Princípios e Directrizes da SADC, que regem eleições democráticas; Princípios para Gestão, Monitorização e Observação Eleitoral na Região da SADC; bem como, na Carta Africana sobre a Democracia, Eleições e Governação. Importa, também, procurar a experiência dos países mais próximos de nós, como é o caso da República Democrática do Congo (RDC) que fez a contagem paralela através da Conferência Episcopal Nacional do Congo (CENCO) e, com a mobilização de 40 000 fiéis que observaram o processo de cerca de 39 milhões de eleitores. Temos também o exemplo Malawi, em que o Tribunal Constitucional anulou o escrutínio anterior, ganho por Peter Mutharika, no poder desde 2014. Os cidadãos destes países foram implacáveis no controlo dos processos e conseguiram desalojar os poderosos interesses instalados.
Consideramos este ser o caminho para se estabelecer um quadro eleitoral capaz de garantir um justo e digno vencedor das eleições. O partido que vier a ganhar as próximas eleições, que seja uma vitória verdadeiramente representativa da vontade dos eleitos nas urnas e não de vontades fabricadas.
Conclusão
A busca pela integridade, verdade e justiça eleitoral, reside na conjugação de esforços dos cidadãos eleitores, candidatos, partidos políticos, jornalistas, Comissão Eleitoral Independentes, observadores nacionais e internacionais e outros actores. Sem a criação de um quadro político e legal que esteja em conformidade com os princípios e directrizes da SADC, que regam eleições democráticas e que envolvam, antes e sobretudo, a sociedade, nesta causa, não estarão criadas as condições para se ir a voto em 2022. Caso aconteça, consideramos a possibilidade de uma forte crise pós-eleitoral, como nunca vista.
*Professor, Politólogo, Analista Político e Consultor.
Interessante artigo. Parabéns ao Olivio