A escola angolana está muito longe de ser uma instituição que promove a igualdade e a inclusão social. A nossa escola tem sido evadida pelo Estado. A escola deve libertar e não alienar, tal como acontece em Angola. A nossa crise é ética. Não se pode fazer educação sem percebermos o contexto em que estão inseridas as comunidades educativas. Estes e outros tópicos são analisados aqui.
Agostinho Gayeta – Bem-vindos a esta entrevista com Mwata Sebastião. O filósofo que é nosso convidado nesta edição, do espaço que dá corpo a liberdade de imprensa, e também de informação e comunicação no Observatório da Imprensa e Comunicação.
Mwata Sebastião – Obrigado pela oportunidade. Tenho estado a navegar no mundo do ensino, fazendo algumas reflexões sobre a pedagogia, sobre o ensino, e sobre as práticas utilizadas no ensino.
Agostinho Gayeta – É exactamente por aqui onde nós queremos começar, na pedagogia. Qual é a sua visão sobre a pedagogia do contexto?
Mwata Sebastião – Pedagogia do contexto é uma ideia que resulta exactamente da análise da situação que eu tenho presenciado como docente e trás uma proposta. Parte do princípio de que não se pode fazer educação sem percebermos o contexto em que estão inseridas as comunidades educativas, dai o nome pedagogia do contexto. Ou seja, uma reflexão que esteja voltada para as reais situações das pessoas, dos educandos. E que envolve não somente os educandos, mas a comunidade toda: docentes, entres outros. É isso que apresentamos como proposta de reflexão que temos estado a desenvolver já há algum tempo. Apresento-a como contribuição dentro de um processo; do sistema de ensino que ainda precisa ser melhorado.
Agostinho Gayeta – Qual é a relação entre a pedagogia do contexto e a pedagogia do oprimido defendida por Paulo Freire?
Mwata Sebastião – É interessante. Há uma relação sim, e deixa-me dizer que a pedagogia do contexto sofre muito da influência da pedagogia do oprimido de Paulo Freire porque tanto a pedagogia do contexto como Paulo Freire na pedagogia do oprimido estava preocupado em transformar a classe excluída, dando-lhe autonomia por via da educação. A pedagogia do contexto também surge exactamente com esse propósito. Quando se compreende o contexto que a educação acontece, quando se envolve dentro do processo do ensino e aprendizagem a comunidade e todos actores sociais que fazem o ensino acontecer, claramente está-se a lutar contra desigualdade. Portanto, há uma clara influência do pensamento do Paulo Freire, na pedagogia do contexto, exactamente pelos objectivos que as mesmas pretendem atingir: a eliminação das desigualdades sociais. E, percebemos nós, na pedagogia do contexto, que isso deve começar dentro da escola, mas uma escola concreta, uma escola real, uma escola que compreende as características de onde ela esta inserida.
Agostinho Gayeta – E o caso concreto da escola angolana? É uma escola de equalização social ou é apenas de manutenção da desigualdade, já que tocou na questão da desigualdade como categoria a ser considerada chave, se me permite, no quadro daquilo que é a pedagogia do contexto?
Mwata Sebastião – Olha, se olharmos como as nossas escolas têm estado a funcionar, diríamos que há poucas chances de dizermos e afirmarmos aqui, que as escolas possibilitam a promoção da igualdade. A desigualdade é resultado não apenas do comportamento das manifestações que os estudantes demonstram na sala de aula. A desigualdade é também resultado da forma como a escola evita compreender as situações do contexto em que ela está inserida. Portanto, desta perspectiva, podemos sim dizer que a escola angolana está muito longe de ser uma escola que promove a igualdade e a inclusão social.
Agostinho Gayeta – Se a escola angolana ainda está muito longe de uma escola que promove a igualdade e a inclusão social, quer com isto dizer que é uma escola de manutenção da desigualdade? Em que medida a pedagogia do contexto pode viabilizar a construção de consciências criticas?
Mwata Sebastião – Quando se compreende o contexto, muito facilmente, a escola vai possibilitar com que os alunos criem consciência sobre as situações que vivem e, portanto, criando consciência das situações que vivem, estão tendo garantias de que não somente atinjam inteligibilidade, mas também conseguem criar uma consciência crítica. Porque, os problemas que eles trazem da comunidade, os problemas que eles trazem para à escola são exactamente os problemas que eles vivenciam, assim, facilmente se consegue fazer crítica daquela situação que ele vive. A pedagogia do contexto prima exactamente nisso, a construção de uma capacidade crítica porque a educação no nosso entender deve garantir todos os processos ou deve garantir a inteligibilidade no sentido dos estudantes conseguirem problematizar os problemas que vivem, e esses problemas são problemas contextuais; não são problemas afastados da sua realidade. É nesta perspectiva que a pedagogia do contexto entra exactamente como reflexão capaz de fazer entender até que ponto a crítica na escola deve ser benéfica e deve ser promovida.
Agostinho Gayeta – Uma outra questão tem que ver com a visão da pedagogia do contexto em relação as ideologias partidárias no contexto escolar. Qual é a sua visão sobre o contexto escolar em relação as ideologias partidárias?
Mwata Sebastião – As ideologias ou a ideologia no seu modo geral não é algo negativo. Se partimos de uma definição simples, ideologia é um conjunto de ideias, nunca tem nada a ver com a negatividade. O problema é quando as ideologias tendem a tornar-se absolutas e neste caso aqui, as ideologias partidárias representam uma ameaça para escola. A escola não pode ser uma extensão do partido. Quando a escola é uma extensão do partido estamos a dizer que a escola é realmente um instrumento para propagação das ideologias, portanto, para a pedagogia do contexto nós entendemos que se existe um espaço que não deve ser evadido é a escola e muito menos ser evadida por ideologias partidárias.
Quando a escola existe para propagação de ideologia partidária, não consegue criar gente livre, e se as pessoas não são livres, não são autónomas, tornam-se dogmáticas e alienadas.
Agostinho Gayeta – Como é que se pode processar isso do ponto de vista prático? Como é que se pode evitar que a escola seja instrumentalizada por ideologias político-partidárias?
Mwata Sebastião – Bom, primeiro devemos entender quê tipo de escola nós queremos. Na pedagogia do contexto defende-se uma escola livre, uma escola livre uma escola autónoma, uma escola autónoma que se entende como um espaço onde a liberdade de pensar; as liberdades de docência devem ser garantidas, quando assim se pensa facilmente se consegue compreender a escola como um espaço onde as garantias, tenham autonomia. No sentido geral, tornar a escola num espaço de liberdade, num espaço livre. (…) No sentido de fazer entender que a escola não existe para propagação de ideologia partidária. Quando a escola existe para propagação de ideologia partidária, não consegue criar gente livre, e se as pessoas não são livres, não são autónomas, tornam-se dogmáticas e alienadas. É isso que a pedagogia do contexto critica porque defende uma educação ou escola livre, uma escola autónoma.
Agostinho Gayeta – Como é que olha para realidade de Angola dentro desta perspectiva (das ideologias políticas na escola) e para pedagogia do contexto?
Mwata Sebastião – Olha, para realidade de Angola, nós ainda estamos muito longe do que realmente defendemos na pedagogia do contexto, porque ainda assistimos uma influência grande das ideologias partidárias dentro das escolas, dou-lhe um exemplo claro: Não se pode ignorar o facto de ainda existirem escolas em que os directores, coordenadores de curso e de turno são pessoas identificadas com um determinado CAP e obrigados a destinar parte dos salários em cotas partidárias. Ainda estamos muito longe e a educação, no contexto da escola angolana, ainda é instrumentalizada, infelizmente. E, sendo assim, são claros os efeitos, os resultados desta escola. A formação de pessoas que lhes falta o mínimo de censo crítico sem possibilidade de análise, sem possibilidade de pensar fora da caixa ou senão que esteja a pensar dentro dos parâmetros que a própria escola estabelece. Na verdade, a escola deveria ser como dizia anteriormente, um espaço de liberdade. Um espaço livre.
Agostinho Gayeta – Até que ponto uma escola para o nosso contexto deve ser um espaço de liberdade quando quem define as politicas educativas (na perspectiva prática) é um partido?
Mwata Sebastião – A pedagogia do contexto no fundo defende a não doutrinação da escola. É isso que acontece realmente em Angola. As nossas escolas por serem ideologicamente influenciadas pelo partido no poder, como bem disse, elas têm sido doutrinadas! Quando a escola é doutrinada dificilmente se consegue garantir a tal autonomia que tanto defendemos na pedagogia do contexto. Quando a escola é doutrinada só existe uma única vantagem: o desenvolvimento ou progressão das ideias de quem define as políticas educativas e as políticas educativas não podem representar uma ameaça para o desenvolvimento da pessoa humana, porquê também são reflexos de como dizia Paulo Freire, (de quem sou muito fã), é resultado de uma política educativa pensada de cima para baixo. Portanto, para dar vantagem a um grupo dominante. Este é o perigo de termos uma escola totalmente ideologizada.
Agostinho Gayeta – E há como fazer diferente, tendo em conta o nosso contexto?
Mwata Sebastião – Há como fazer diferente, sim. Basta que os actores sociais, os professores entendam qual realmente é a verdadeira missão. Porque há gente que trabalha como educador e não entende a verdadeira missão. E nós temos tantos professores que felizmente em função das ideologias ignoram o facto de serem realmente educadores. Educador é aquele que está para orientar e garantir com que a pessoa saia da escola de forma diferente e a forma diferente é a aquisição desta capacidade inteligível.
Agostinho Gayeta – Mudar o quadro implica que os professores tomem realmente as suas posições. Tomar as suas posições no quadro da pedagogia do contexto, significa dar voz à escola?
Mwata Sebastião – Primeiro, é preciso entendermos que a escola tem uma visão própria: a formação do homem mas não se trata de um homem tal como muita gente define, mas um homem no sentido integral, portanto, dar voz à escola significa garantir a autonomia no processo de ensino e aprendizagem. Dar voz à escola significa tornar a escola num espaço que não pode ser invadida por qualquer ideologia. Dar voz à escola significa fazer da escola ou garantir a possibilidade de a escola desempenhar o seu real papel que é um papel social. Porque a escola tem uma única missão: a libertação de mentes. A escola não é para alienar. Quando aliena pode ser qualquer coisa menos escola. Quando a pessoa na escola se torna alienado é porque passou num espaço que tinha nome de escola, mas que na realidade não era escola. Essa é a voz que se precisa dar às escolas. Autonomia. Autonomia no sentido de que se dê liberdade aos professores, se dê liberdade a escola ser o que é realmente do ponto de vista social.
Agostinho Gayeta – Dizia aqui dar liberdade de se exprimir ou dar liberdade no sentido de poder actuar livremente sem respeitar os marcos legais estabelecidos ou instituído pelo Estado para operacionalização desta actividade?
A escola não é para alienar. Quando aliena pode ser qualquer coisa menos escola.
Mwata Sebastião – Não! Assim estaríamos nós a incitar a desordem. Dar liberdade significa que os professores, que os conteúdos, que a actuação docente não seja controlada como tem acontecido. Isto é que é dar liberdade. Significa ainda dizer que o docente e todos os agentes educativos façam o que eles entendem ser melhor para os seus alunos, cumprindo os parâmetros legais, cumprido o que o Ministério ou outro organismo institucional estabelece como algo de cumprimento obrigatório. Dar voz significa ainda dar essa possibilidade dos professores conseguirem fazer críticas daquilo que entendem não ser útil por exemplo. É permitir que os professores tragam para as salas de aula discussões que tem muito a ver com os interesses sociais emergentes. Exemplo: não se pode ignorar o facto de que hoje estamos a viver uma situação de crise que a escola ignora. Ela deve e explicar qual é o motivo da crise. Como muita gente sabe, não é só o facto do preço do barril de petróleo ter baixado, mas a nossa crise é de fórum ético. É uma crise ética porque ignoramos princípios. E porque as pessoas entenderam que mais valia o que lhe dava vantagem e desinteressavam-se com a maioria. Então, é a discussão destas questões que permitem, possibilitam e mostram claramente uma escola livre, uma escola autónoma, uma escola com voz no fundo e na verdade permitirá com que o controlo massivo sobre as escolas seja reduzido porque a escola não precisa ser invadida. Mas há várias instituições que nós defendemos que não podem ser invadidas: os tribunais, a Assembleia Nacional, e se forem invadidas é um perigo. E as escolas têm sido invadidas há anos e temos reclamado sobre isso? E dai, surge essa necessidade deste estudo sobre a pedagogia do contexto.
Agostinho Gayeta – Como é que olha para as limitações da liberdade de informação e de expressão ao nível do nosso país?
Mwata Sebastião – Tendendo para o que é?
Agostinho Gayeta – A julgar pelo que disse as limitações e as liberdades fundamentais começam logo na escola?
Mwata Sebastião – Exactamente!
Agostinho Gayeta – E a liberdade de informação, de expressão e outras liberdades mais ligadas aos direitos fundamentais do homem, também começam na escola?
Mwata Sebastião – Para nós é importante olharmos para essa vertente da liberdade e defendermos também a escola enquanto um espaço em que a liberdade a ser promovida consiga fazer entender aos educandos sobre os seus reais direitos e deveres enquanto cidadãos. Os atropelos às liberdades de expressão, são atropelos contra os direitos humanos e isso só se agudiza porque a escola também ignorou esses factos, ou seja, tudo aquilo que é combatido, porque há uma forte presença ideológica nas escolas, tudo aquilo que é combatido não é levado para dentro das escolas para serem reflectidos. Nós temos casos por exemplo de pessoas que emigraram ou foram ameaçadas ou foram expulsas do emprego, porque disseram, porque reclamaram e reivindicaram os seus direitos. A escola deve sim promover estes valores, deve sim promover estes espaços de diálogo. Hoje não seria estranho se uma escola ensinasse aos seus alunos que a liberdade de expressão é um direito universalmente garantido, porquanto é ignorado. Quanto mais se ignora mais se esquecesse isso e aí está o perigo também disso.
Visão antropológica e ética na pedagogia do contexto
Agostinho Gayeta – Gostávamos também que pudesse refletir um pouco a respeito da proposta pedagógica em relação a antropologia ou a proposta antropológica e da ética da pedagogia do contexto. Qual é no fundo a sua proposta antropológica e ética na pedagogia do contexto, uma vez que a proposta pedagógica deve ter uma visão do homem e do mundo?
Mwata Sebastião – A pedagogia do contexto como dissemos, traz uma reflexão sobre a mundividência vista no seu real sentido. Nós trazemos uma pedagogia partindo da ideia de que só haverá construção social se olharmos no homem como seu todo. Não se trata dum homem que se constrói dentro de um espaço social amorfo, dentro de um espaço social, digamos, sem expressão, dentro de um espaço social em que os direitos são constantemente atropelados. Nós olhamos para num homem num conjunto, um homem no seu todo, um homem enquanto um ser espiritual, enquanto um ser social, enquanto ser religioso. Digamos, de uma forma integral, porquê? Porque entendemos que é necessário olhar o homem no seu todo. Isso estará permitindo com que o próprio homem ou educando tenha consciência de si e possa ser suficientemente capaz de desenvolver a sua autoridade, o que é que isso significa: não haverá preocupações egocêntricas, mas sim, perceberá que o outro é a extensão do seu eu, e aqui entra a questão da corresponsabilidade ou seja, a ideia de que se fala comummente que a minha liberdade termina onde começa a liberdade do outro.
Na questão da co-responsabilidade entra o aspecto ético. Não podemos desenvolver ideias egocêntricas, não podemos desenvolver ideias que nos afastam; onde o outro seja visto como um inimigo mas sim, valores que façam compreender que a minha felicidade e bem-estar dependem da presença do outro. Esta é a ideia da corresponsabilidade. Daí que, o meu agir, deve ser não para agradar o outro mas sim, deve ser dentro dos limites das minhas liberdades, ou seja, não pode haver qualquer acção que fere ou transgrida os limites da liberdade.
Agostinho Gayeta – Este princípio que aqui defende para a pedagogia do contexto é um princípio que vem ao acaso ou porque há registo, por exemplo, no capítulo político ou partidário de alguma intolerância na convivência dos partidos?
Mwata Sebastião – Não só No âmbito dos partidos, mas na convivência entre os angolanos, claro que não existe tolerância. Perdeu-se por muito tempo, a ideia do diferente como o complemento do meu eu e do meu ego; perdeu-se a ideia de que somos seres sociais porque um complementa o outro. Quando estes valores não são praticados, na convivência diária há sentimentos, digamos, de intolerância, sentimentos de querer ver validos apenas aquilo que me traz garantias e acaba esse todo diálogo sobre coesão, igualdade, respeito aos direitos, respeito ao espaço alheio, respeito à propriedade. Uma forma de envolver para a concepção sobre a vida tudo que dá vantagens pessoais e, portanto, quando assim ocorre …
Agostinho Gayeta – Em que níveis de ensino se pode aplicar a pedagogia do contexto?
Mwata Sebastião – Do topo a base. Nós na pedagogia do contexto defendemos uma proposta pedagógica que comece de baixo para cima e não de cima para baixo, porque de baixo para cima traz a ideia de que começamos a compreender o problema na base para aos poucos, em função das dinâmicas sociais ir desenvolvendo esta proposta pedagógica ou as políticas pedagógicas. Se acontecer o contrário, ocorre o que tem sabemos. Alguém que não conhece as reais situações da minha comunidade inventa uma proposta pedagógica para educar quem comunica somente em Umbumbu; que tem que ser educado e ser ensinado em português. É esta a questão que nós defendemos que seja revertida, que haja inversão de como tem sido reflectido o processo de ensino e aprendizagem, de como têm sido montadas as propostas pedagógicas, as políticas de educação em Angola.
Agostinho Gayeta- Ao nível do ensino superior, isto poderá corrigir erros como o surgimento de cursos que não correspondem a necessidade real do país?
Mwata Sebastião – Claramente. Nós, durante muito tempo depois da guerra, depois de 2002 vivemos um momento de reconstrução nacional. Quase nada se fez para que o nosso sistema de ensino combinasse com o momento que o país estava a viver. Nada se fez! Podem parecer pequenas falhas, mas são significantes, na medida em que acabam evaporando o próprio sentido de responsabilidade que as escolas têm e quando a questão é para o debate ao nível do ensino superior, temos o resultado que temos. Hoje por exemplo, (não é tentar puxar a brasa para a minha sardinha) há várias questões de ordem social que devem ser reflectidas, quase que a preocupação de várias escolas que surgem é somente com os cursos técnicos. Não estou dizendo que os técnicos fazem mal ou que o surgimento das ciências sociais sejam um perigo como alguns pensam, mas há sim umas escolas que se devem adequar ao momento, às circunstâncias que as comunidades vivem porque as escolas são e devem ser na verdade a resposta do problema que as sociedades vivem. Infelizmente, não acontece.
Agostinho Gayeta – A pedagogia do contexto tem uma proposta sobre o projecto político-pedagógico?
Mwata Sebastião – Tem. A nossa proposta é simples: tornar a escola no resultado daquilo que representa a manifestação social.
Agostinho Gayeta – Do ponto de vista prático como é que se pode concretizar isso?
Mwata Sebastião – Do ponto de vista prático é simples. Primeiro se nós partirmos da ideia de que a acção pedagógica deve ser resultado do contexto social, deve ser resultado do contexto, facilmente se vai desenvolvendo ideias para tornar o próprio contexto mais rico. Esta comunidade educativa é responsável por dar respostas as situações que ela vive. É prático e é simples, sempre primando pela ideia de que a escola não deve ser dogmatizada, porque se a escola for dogmatizada ou doutrinada como muita gente fala (e que nós defendemos aqui) aí começa o perigo.
Agostinho Gayeta – Mas esta proposta não vai remeter a escola para uma situação de atraso ponto de vista das tecnologias?
Alguém que não conhece as reais situações da minha comunidade inventa uma proposta pedagógica para educar quem comunica somente em Umbumbu
Mwata Sebastião – Sem querer aqui discordar da utilidade que as tecnologias têm. Angola vive uma onde de criminalidade. Que respostas as escolas estão a dar sobre isso? A sociedade angolana vive sérios problemas de violência doméstica, que papel as escolas estão a fazer nas comunidades?
Existe na escola pessoas, crianças, jovens e adolescentes que vêm as suas mães a levarem do pai todos os dias. Que tipo de reflexão as escolas fazem?
É exactamente este contexto que nós estamos a dizer. A ideia do contexto também não é uma ideia que tem que ser generalizada para todos, ou seja para cada situação a escola deve dar uma resposta. Se o meu bairro vive uma situação de violência doméstica, a escola que está naquela comunidade tem que reflectir e dar respostas a isso. Se no bairro de um meu amigo há situação de falta de emprego, as escolas devem pensar criticamente soluções sobre isso. Se no meu bairro há falta de políticas públicas, a escola deve dar solução a isso. Dar solução a isso não significa criar políticas públicas. É fazer com que a comunidade entenda a importância das políticas públicas e quem tem a responsabilidade de garantir o mínimo suficiente às comunidades. Este tipo de reflexão é que falta, por isso, quando não existe isto nós começamos a desenvolver aquela ideia de terceirizar as responsabilidades. Há responsabilidades como cidadãos que são minhas e eu não posso terceirizar. Há situações nas quais eu devo dar resposta como cidadão e não posso terceirizar. Por exemplo, reclamar quando não tenho água em casa, quando não tenho energia eléctrica, quando o meu filho não vai à escola, quando os serviços médicos são muito caros numa comunidade onde a maioria é desempregada. As escolas devem trabalhar nestes aspectos, para também evitar a situação de alienação. É um perigo, porque uma pessoa alienada facilmente deixa-se corromper, facilmente abre mão dos seus direitos, facilmente se torna calada. Contenta-se com o mínimo, até quando deveria exigir, quando deveria entender por exemplo que a construção de um fontanário no seu bairro é (dever) do Estado, e ele (cidadão) entende isso como a melhor oferta, e não é. Isto é inversão de valores, a escola falhou, falhou e tem falhado…
Agostinho Gayeta – Muito obrigado Mwata Sebastião por esta entrevista ao Observatório de Imprensa e desde já agradecemos também a quem nos acompanha, seja no Youtube, Facebook, Twitter ou na nossa página web. Este é o seu Observatório de Imprensa e da Comunicação em mais uma edição de entrevista ligada a comunicação e direitos de se exprimir livremente e também de serem informados.
Tenho algumas objecções, ou alguns reparos: 1- será que a Pedagogia do Contexto é a extensão da Pedagogia da Libertação, como muitos chamam, a que P. Freire designou Pedagogia do Oprimido?
Faço esta questão para chamar atenção sobre o cuidado que se deve ter com os nominalismos… pois, essa não difere em nada da outra.
Um outro cuidado a ter é no que se refere aos problemas e soluções educativas. Vamos supor o caso das gravidezes precoces. Se isso é facto, é bom lembrar que as soluções educativas dão a longo prazo. Ou seja, a Pedagogia não é para soluções sazonais e paliativas. Daí, problemas emergentes e sazonais, os temporários, dando o exemplo de uma peste, a solução não se dá por meio da escola. Na escola, sim, é possível aprender medidas de prevenção, e não de solução.
Em fim…. parabéns ao Observatório e ao Mwata!