Angola e o monopólio político: A necessidade de mudança e a sede de Democracia

Angola e o monopólio político:  A necessidade de mudança e a  sede de Democracia

BURKINA REVISTA
Durante a erosão e queda de B. Campaoré, PR do Burkina Faso. [PT/rmc].
Por Muata Sebastião || Angola vive um cenário político que se fundamenta em ferramentas fortes e capazes de qualquer tipo de manipulação.  Tudo isso, mostra não apenas a capacidade dominadora reinante em Angola, mas também a impossibilidade de mudança à base do diálogo, a febre política angolana.

Com esta abordagem queremos apresentar um discurso sobre o que os angolanos têm vivenciado, realidade que ultrapassou “níveis sociais e políticos”; demonstrações de como é tão forte e brutal a maneira como é apresentado o cenário político interno de Angola, cuja principal causa é “o desmantelamento da sociedade” que uma vez maculada, assistimos, continuamente, a reversão, não apenas dos valores políticos e sociais, mas também o próprio sentido da vivência e do fazer política (politicagem), uma concepção revertida que  fez com os angolanos não  escapassem da febre africana presente grandemente nos países onde o desenvolvimento é perseguido. Daí que vivemos, atualmente, a época neocolonial, onde a cada instante, os angolanos veem-se cada vez mais, dominados e diminuídos a eternos dependentes! Vivemos uma época crítica, onde o autoritarismo, não apenas abalou as instituições como também acabou com elas, pois aqueles que deveriam dirigi-las em prol de um bem comum aniquilaram-na, por causa de suas tendências egocráticas, fazendo com que as mesmas atendessem apenas os interesses da minoria dominante, deixando grande parte da sociedade numa miséria que além de combatida, os autoritários vêm na administração da mesma – a miséria, a melhor forma de manutenção política. Percebe-se que, desta forma os “resolvedores de problemas”, como diria Arendt, acreditam serem capazes e suficientemente habilitados para tomarem decisões como também, resolver problemas que afligem as comunidades, onde o gerenciamento dos mesmos, é a melhor forma de combatê-los. Isso faz-nos perceber que a vontade de mudança inexiste no seio do grupo dominador que continua homogêneo.

Angola: a nação de poucos por necessidade e de muitos por imposição

Um dos maiores problemas que demonstram a ineficiência da política interna de Angola reside, exactamente, no facto de ela ter-se tornado uma nação “dividida” e “demarcada”, onde grande parte da população vive como “Rebanhos” e sob controle de um grupo dominante ─ “o pastor das Ovelhas”. Isso demonstra não apenas como a dominação é forte, mas também como é forte os atropelos às liberdade dos indivíduos, marca típica da neocolonização.

A Constituição da nação (Estado) como chamavam os gregos, é resultado de um consenso político interno que se faz dentro de uma lógica desinteressada, ou seja, dentro de um espírito comum, onde seus idealizadores identificam-se e tornam coesas suas ideias de modos a institucionalizarem uma comunidade política, aquela que a tradição grega chamou de cidade estado, a polis,o que para o nosso caso seria a República de Angola.

Mas, falar disso representaria um regresso no tempo uma vez que nossa herança política é resultado de um passado conturbado e que se alastrou até aos dias de hoje, factos que a história actual oculta-nos, isto porque as lideranças autoritárias e dominantes de Angola, também se tornaram grandes re/inventores da história de Angola e, dela tentam à todo custo tirar vantagem e manchando a imagem dos outros, seus opositores.

Mandela Novo
N. Mandela. Modelo global da luta contra opressão. [PT/rmc].
Quando olhamos para Angola e, tudo que ela oferece na atualidade, desde os aspectos políticos, sociais e, sobretudo institucionais, nossa visão para o futuro nos coloca numa posição crítica e preocupante, onde os equívocos com relação ao presente não só representa uma necessidade útil, mas também uma questão de prever a partir do que se vive hoje, uma realidade que continua comprometendo  uma nação que depois do conflito armado, vive os horrores de uma “governança diabólica” e sem piedade. Vivemos uma realidade quase que dos deuses, onde o distanciamento entre governados e governantes tem se mantido de uma forma tal em que a “infalibilidade política” se tornou um facto entre os ditadores e seus sequazes, mostrando de que, apenas a decisão deles é a válida. É democracia que se tornou o inimigo desse grupo e substituída, não apenas pela ditadura e autoritarismo, mas também é possível notar o modo como a egocracia tornou-se parte de suas “liturgias políticas”.Angola e os angolanos vivem como já dissemos antes, a época da imposição ideológica e da obediência cega que, são resultados de uma política fortemente autoritária e impiedosa. Vivemos a moda dos séculos passados, onde Nietzsche já havia anunciado a sua famosa “ética do rebanho”, onde os homens não apenas viviam dependendo, mas que também viam na obediência, embora cega, a única forma para escaparem do “martelamento político”, garantindo dessa forma sua sobrevivência. Infelizmente, essa fórmula foi bem adotada e aplicada pelo regime angolano, onde a tendência não é apenas dominar, mas fazer com que todos se sintam obrigados a concordar com suas ideias, mesmo quando elas jamais nos representaram conhecimento que poucos têm. A tendência monopartidária tem se tornado umas das fortes idealizações do regime, como se ela fosse uma canção cujo refrão é: “ o MPLA é o povo e o povo é o MPLA”. Adágio readotado nas campanhas eleitorais de 2008 e que hoje, continuam soando grandemente nas manifestações políticas do regime angolano. Tudo isso, demonstra o quanto o povo sempre esteve em desvantagem; o povo nunca foi na ideia do MPLA uma prioridade,  tornou-se um dos principais motivos para o debate político entre o MPLA e a oposição angolana, que também acreditamos nós, ser uma fraca oposição que apesar de terem identificado os problemas que afligem os angolanos, os mesmos jamais demonstraram provas de que serão capazes de impedir que o MPLA atinja seus objectivos manipuladores, aliás, a própria oposição é cada vez mais manipulada, uma oportunidade que ela mesma deu ao regime, pois ao invés de ela ser unida ( a oposição), prefere combater o problema de uma forma separada. Como vencer e até mesmo derrubar o regime se a oposição, além de ser desunida, continua aplicando estratégias que há mais de três décadas não funcionaram? Essa questão serve para os políticos assim como, para a sociedade civil, sobretudo, aquelas pessoas que sentem como muitas, a necessidade pela mudança.

Diante do que acabamos de colocar, um questionamento nos é importante: importa cruzarmos os braços?

Trata-se de um questionamento que convida e continuará convidando todos que se fazem a mesma pergunta e, que às vezes acham-se os únicos nessa empreitada laboriosa na luta pela democracia e, consequentemente da felicidade de um “povo órfão”  que continua, além de ser pisoteado, a fazer do angolano um dos mais inúteis de um país rico. É importante que esses factos não sejam desprezados, assim como é importante que realidades como essas possam ser levadas ao conhecimento de todos e o observatório surge exactamente como esse veículo de informação que Angola e os angolanos precisam, já que as públicas foram privatizadas. Aliás, para os que se interessam com a mudança, e olham na luta por uma sociedade justa, encontrarão sempre uma forma para manifestarem suas ideias, como é o nosso caso que não é um simples interesse para com a mudança, mas uma luta séria e que exigirá sacrifícios sérios também.

Para chegarmos ao nível de levarmos a cabo essa luta por uma sociedade justa e democrática, precisamos, primeiramente acreditar em nós mesmos, vermos nas nossas convicções, não como resultado de uma emoção passageira, mas como fruto de um sentimento cidadão e, sobretudo, patriótico. Desta feita, é preciso uma entrega paciente de nossa parte, nós que almejamos  uma Angola democrática, realidade que  hoje inexiste  e que,  além de tudo,  para nós, representa uma verdadeira forma de “aniquilamento social e humano”, realidade que derruba e tira as possibilidades de crença quando na verdade o mapeamento e aniquilamento ideológico têm se mostrado cada vez mais sólido, uma oportunidade que os próprios angolanos damos ao regime.

Diante de uma situação que a maioria da população ─ ignorante ─  não consegue enxergar, uma ignorância imposta e devidamente administrada, isso  é mais uma vez o modo como cedemos a oportunidade dominadora ao regime,  aos seus ideólogos e  apologistas que continuamente fazem o que melhor entendem.Vivemos uma época que compromete nosso futuro  e o mesmo será muito mais ainda comprometedor, se continuarmos “estático”.

Martin Luther
Martin Luther King. Activista pelos direitos civis nos EUA. [PT/rmc].
É impossível pensarmos num futuro melhor, se  hoje vivemos uma situação infernal, onde a ditadura e a perseguição política são reinantes. É preciso alguma reacção; haja recação da parte dos que sonham por uma Angola para os angolanos, foi isso que moveu muitos revolucionários, como aqueles que se tornaram ícones de grandes mutações políticas e sociais de seu tempo; como os revolucionários americanos, francesas, ingleses e muito, recentemente, também o fizeram os cidadãos do Burkina Faso.

Nosso futuro será muito mais caótico e desumano, tal como é, se não exigirmos que a bandeira da liberdade seja erguida. Não precisamos ser maravilhosos, mas antes de tudo termos consciência e pena de nós mesmos e de nossos filhos, olharmos para Angola e tudo aquilo que representa desde sua cultura e como ela se manifesta como riqueza cultural.

Se para alguns é possível a neocolonização, porque não lutarmos também por uma nova libertação? Liberdade e igualdade é tudo o que os angolanos querem.

É grave e triste saber que pelo nosso medo, em parte nos tornamos  responsáveis de tudo que está acontecendo, uma responsabilidade que nos recai simplesmente pelo facto de nossa inércia ser mais forte que nossa capacidade de acção, ou seja, enquanto pararmos desesperados, seremos manipulados e aduzidos a um fim que não queremos, mas ao que eles pensarem. A responsabilidade e o empenho para com um futuro melhor é questão que os angolanos precisam assumir com maior seriedade, uma vez que, os “resolvedores de problemas” têm se manifestado incapazes .

O  peripatus político angolano é feito dentro de um dúbio linguística e de acção,  seus idealizadores usam-se da ignorância do povo para invadirem e confundirem a mente do povo, alienando-os, incutindo neles  conceitos que nem  eles sabem, como por exemplo, dizer que  “somos um país democrático e de direito”. O que é democracia e o que é direito para o regime? No dia em que o regime entender que as coisas devem ser tratadas e chamadas pelo que elas são e representam, saberão valorizar e reconhecer seus erros. Quanto a nós, entendemos que estamos longe do que o regime consagrou e celebra em suas “liturgias manipuladoras”, por isso chegamos a conclusão de que vivemos sob a custódia de um regime autoritário que finge ser democrático. Absurdo!

Nossa luta é nada mais e nada menos,  que a luta por encontrar e levar ao conhecimento de todos aquilo que sempre foi escondido e odiado: a democracia, e mostrarmos o quanto são incapazes os defensores do regime. A democracia existe, mas ela é sempre ocultada, porque os que olham na ditadura a única maneira de tirar proveito e dominarem, começaram a odeiá-la, algo que para nós representa um dos principais motivos de nossa luta, porque aquele que o escondeu (o regime) apenas tem dois motivos para justificar seu acto, ou não sabe usar ou porque quer tirar proveito pela ocultação de algo, no nosso caso é a liberdade (a democracia), como dizia Arendt citando Spencer em sua Crises da República, “é como uma bomba relógio enterrado, mas funcionando, no presente”. Nós sabemos que a democracia é possível, sabemos também que o interesse por ela é de muitos e não de poucos, até porque nós representamos a maioria, por isso nossa luta por desenterrá-la deve ser levada a cabo.

A luta pela democracia é questão nossa, por isso, é importante termos em mente que, apenas nós e, somente nós, temos a obrigação de pensar nele e não os outros, aliás, faz tempo que deixamos que os outros pensassem em nós e hoje pagamos por isso.

Desta feita, nossas acções no presente devem proporcionar-nos forças, uma força conjunta para desenterrarmos aquele relógio que “jaz” nas “sombras da ditadura e do autoritarismo político” e que, a cada instante faz com que seus ponteiros funcionem sem que seus efeitos sejam notados.  É preciso que, os defensores da democracia unam-se, unam-se em prol de um único fim, pois, a conquista pela democracia, apegando-se mais uma vez na metáfora de Spencer, seria o desenterro do relógio, porque nós “ouvimos o tique-taque da bomba” e isso deve motivar os pro-democratas que olham nela e somente nela como sendo a única prioridade de mudança que a tempos perseguimos. O povo precisa gritar alto, precisa levantar  as mãos e mostrar que não é a força da arma, nem o barulho da bala que nos poderá incomodar, apenas a força e a exigência por uma vida digna.

Não é mais tempo de vivermos das ilusões e dos enganos,  das falsas promessas, é tempo de prometermo-nos a nós mesmo e olharmos na situação como um problema nosso porque as atrocidades políticas somos nós que as pagamos, somos nós quem as vive, na medida em que, nos acomodamos com o que nos afunda quando na verdade, tudo que precisamos para sermos nós mesmos é vermos nossa soberania ganha e respeitada, pois ou somos gente ou somos animais, esse último é que aos poucos o regime nos quer transformar. Basta vermos como vivemos e como somos tratados nas ruas das nossas cidades, nos hospitais, nas escolas e até mesmo naquilo que nos é particular que inclusive a nossa liberdade de pensar não escapou desse controle desnecessário.

Muata Foto
Insurreição cidadã em Ouagadougou. [PT/rmc].
Ainda Arendt, na sua obra Crises da República faz um comentário importante quando refletia nas massificações populares que eclodiram nas grandes cidades americanas, sobretudo, onde grande parte dos excluídos “políticos” e “sociais” sentiram na época, a necessidade de montarem uma força conjunta que os libertaria do flagelo político que viviam na época. Para ela, nenhuma conquista é feita de uma forma individual, embora ela reconheça casos em que deram certo, mas segundo  Hanna  é preferível que as lutas sejam feitas de uma forma conjunta desde que os objetivos alcançados beneficiem a todos. E, dentro dessa perspectiva unificadora em prol de uma “salvação político-social”, Arendt e tantos outros defensores da liberdade, viam nos movimentos estudantis e outros movimentos de massificação numa verdadeira forma de unificação e luta, uma vez que, era aí, onde grandes ideias surgiam uma ideia que foi claramente aplicada pelos Freedon Riders e tantos outros movimentos liderados por personalidade fortes e influentes como era o caso de Martin Luther King, cuja tenacidade e bravura fizeram-lhe num homem interessado com a causa de seu povo, por isso lutou seriamente, basta percebermos uma das suas belíssimas frases: “nada no mundo é mais perigoso que a ignorância sincera”. No continente africano tivemos personalidades como: Thomas Sankara, Amilcar Cabral, Nelson Mandela, etc. Claramente, esses líderes e seus grupos viam na fundamentação teórica e ideológica dominadora, um aniquilamento contínuo de um povo que até então, desconhecia os sabores da liberdade e viam a actuação de um governo sem limites, um caso  puramente real e que , infelizmente, a vivenciamos e como tal vimos outros homens,mas poucos, que continuamente tiram-nos a liberdade.

É enorme o flagelo político que infelizmente, ainda é dominante. Nossa repugnância para com o sistema político que nos “alimenta” é uma necessidade irrecusável, pois, seus efeitos  todos conhecemos, menos a elite. Nossa luta pela democracia representa a recusa de um mal que nos aflige, como dizia Arendt, “todo facto conhecido e estabelecido pode ser negado”. Nós conhecemos nossa realidade, está mais do que provado que a exploração do homem angolano é algo estabelecido e institucionalizado.

Vivemos uma enormidade de situações que chega a ponto de anular a realidade histórico-político, que nunca foi terminada, pois a luta começada em 1961 nunca foi terminada, vivemos uma situação de traição, como dizia um dos grandes apologista das massas, o filósofo Alexander Herzen (1812-1870),  “os homens, que proclamaram a república, tornaram-se os assassinos da liberdade”. Isso não nos apresenta qualquer dúvida, basta olharmos como muitos hoje, sobretudo, os comunicadores sentem-se ameaçados pelo que fazem. Aliás , vivemos uma situação em que tudo deve ser aprovado, até nossas opções estéticas!Quem somos finalmente?

Nossa luta deve continuar, enquanto não entoarmos e contarmos todos juntos o hino da liberdade, provando, sobretudo,  que queremos e almejamos uma Angola justa, uma conquista  que não virá “do cano da arma” como pensava Mao Tsé-tung, mas de uma manifestação própria e necessária, representação nítida da desobediência civil que para os que entendem a progressividade política e obedecem suas constituições aceitam-na com total naturalidade.   Tudo que não nos representa, deve ser desobedecido porque, como disse antes, somente nós sabemos o quanto é difícil sermos angolanos com as condições que temos, posicionamento que nos leva a pensar nas declarações de Che Guevara ─ “não existe libertadores. O povo liberta a si mesmo”.

Para terminar, quero mais uma vez reiterar minha posição de que, é dever nosso lutarmos por uma Angola digna, justa e verdadeira. É dever nosso olhar e revogarmos tudo aquilo que não nos identifica e nem sequer nos representa, ideologias e seus idealizadores,  pois, o que queremos não é apenas a igualdade social, política, mas, sobretudo uma sociedade com a qual todos os angolanos possam sentir-se verdadeiros filhos e filhas. Não defendo o socialismo, mas uma sociedade democrática no verdadeiro sentido e sem ambiguidades como a que nos é apresentada hoje. Persigo a liberdade, porque odeio a opressão!

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