Humor negro (quase) de Rafael Marques, inimigo do presidente e dos generais

Humor negro (quase) de Rafael Marques, inimigo do presidente e dos generais
Rafa Setas
[Pt|rmc]

Por António Setas|| O julgamento do jornalista e activista angolano Rafael Marques abriu em Luanda esta terça – feira, 24 de Março, 2015, com portas fechadas e durou cinco horas. Ao sair, o mais famoso activista de Angola desabafou: “Fui ao tribunal hoje para enfrentar novas acusações de difamação criminal. Tinha nove e recebi como prenda extra outras 15. Sem ter sido notificado”. A audiência foi adiada para 23 de Abril.

Na porta do tribunal juntaram-se dezenas de jovens para apoiar esse ícone da luta contra o Presidente angolano, José Eduardo dos Santos. Não puderam evitar o confronto com as forças de segurança. Os seus slogans proclamavam, “Liberdade para Rafael”, ou, “A prisão para os generais”. Alguns deles foram presos pela polícia.

Na véspera do julgamento, o caso tomou uma dimensão internacional por causa de artigos publicados no The Guardian e no Folha de S. Paulo e um prémio foi atribuído a Rafael Marques na quarta-feira, 18 de Março, em Londres, pela organização Index on Censorship. Com o seu prémio no bolso, Rafael Marques voltou a Luanda para o julgamento.

Sete generais contra ele

 O jornalista Rafael Marques, muito activo, é acusado de ter feito falsas acusações, caluniosas, por ocasião da publicação em 2011, em Portugal, do seu  livro intitulado “Diamantes de sangue: Tortura e Corrupção em Angola”. O autor acusa nessa obra os generais de serem cúmplices de “crimes contra a humanidade” no seio da população que vive na área das minas de diamantes, na Lunda no nordeste de Angola. Apelou naturalmente para a responsabilidade moral dos generais proprietários dessas minas e das empresas de segurança que permitem que o sistema funcione.

Os acusadores de Rafael Marques são sete generais, entre os quais está um dos homens mais poderosos de Angola, Hélder Vieira Dias  “Kopelipa”, ministro de Estado e chefe da ” Casa Militar “da Presidência, e dois ex-comandantes do exército. Só pedem uma indemnização de 1 milhão e 200 mil dólares. Mais nada.

“A liberdade de expressão e de informação tem como limites os direitos, a integridade e a boa imagem dos outros”, opinou Fernando de Oliveira, um dos advogados da acusação.

Entretanto, uma petição online a favor de Rafael Marques, que corre o risco de ser condenado até nove anos de prisão, foi lançada pela Amnistia Internacional Portugal e dirigida ao primeiro-ministro Português, Passos Coelho, e ao ministro dos Negócios Estrangeiros, Rui Machete.

A Amnistia Internacional também publicou uma carta aberta pedindo “um julgamento justo”, carta essa publicada no domingo (22) pelo jornal português O Público, contando-se nela, como signatários, organizações como, Transparência Internacional, Repórteres Sem Fronteiras, o Comité para a Protecção dos Jornalistas, a Robert F. Kennedy Center para a Justiça e Direitos Humanos e a União Panafricana de Advogados.

Comemorando o centésimo processo

Rafael Marques permanece sereno. Esta não é a primeira vez que ele denuncia casos de alegada corrupção e injustiça social no país, particularmente no seu website, Maka Angola. Em 1999 passou 43 dia na prisão sem acusação formulada. Para ele, isto é rotina, igual à rotina de um outro alvo da ira dos líderes angolanos, William Tonet, director-geral do semanário Folha 8,  que, na semana passada comemorou o centésimo processo movido contra a sua pessoa e o seu Folha 8. Essas acusações, a maior parte das vezes, prestam-se a rir, porque não têm base legal e nem sequer permitem um julgamento. Vão-se acumulando com o único propósito de intimidar os críticos do regime.

Entrevistado pelo Guardian, Rafael Marques garantiu que estava bastante calmo e não tinha medo da prisão. “Eu não tenho medo de ser preso. Vai ser uma boa oportunidade para trabalhar em direitos humanos na cadeia”, disse ele, mostrando um refinado senso de humor. Não negro (humour noir), mas quase.

Nota: Obrigado pela gentileza do autor e do jornal “Le Monde”. O autor não só agraciou-nos com o texto, mas deu-se igualmente trabalho de traduzir o original do Francês. Conf: http://www.lemonde.fr/afrique/article/2015/03/25/angola-

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