A liberdade de expressão: eficácia do Estado Democrático de Direito

A liberdade de expressão: eficácia do Estado Democrático de Direito

*Ansumane Sambu│Será que é possível ter um Estado Democrático de Direito sem a liberdade de expressão? Tem-se, de saída, que a liberdade de expressão constitui um dos pressupostos do Estado Moderno, em todas as suas fases – Estado Liberal, Estado Social e Estado Democrático de Direito.

O segundo pressuposto diz respeito ao diálogo que o Estado deve estabelecer com a população, o qual vem sendo mantido por meio da chamada democracia representativa, embora, na actualidade, a teoria política vem denunciando os sinais de esgotamento desse pressuposto. Daí reivindicar novos critérios de diálogo a ser instituído por meio da democracia participativa, que possam se inspirar em participações directas e por meio de seus interlocutores sociais válidos.

O terceiro pressuposto relaciona-se ao asseguramento das manifestações legítimas da sociedade civil dirigidos às garantias das liberdades colectivas e individuais, ao direito à vida, ao meio ambiente e à natureza.

Ao se observarem os postulados constitucionais, verifica-se ainda que o primado do trabalho é fundamental para o desenvolvimento do género humano, que as empresas têm de cumprir uma função social, e que a educação, a saúde a distribuição de riquezas se inserem naquele contexto de liberdade, de igualdade, de solidariedade e de  justiça social.

A liberdade de expressão é uma garantia constitucional advinda da Declaração de Direitos Humanos de 1948. Significa que qualquer ser humano poderá se expressar livremente, sem, no entanto, extrapolar os limites constitucionais estabelecidos, sobretudo no que concerne aos direitos à intimidade, à honra e à dignidade da pessoa humana, senão responderá civil ou penalmente.

Segundo o inciso V do artigo 1º da Constituição da República Federativa do Brasil, o pluralismo político é um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, algo visto também nos artigos 5º, IV, VIII e IX, bem como no artigo 220, parágrafo 2º, da mesma Carta Magna. Isso mostra claramente que ninguém poderá afrontar o bem juridicamente protegido. Tal suporte é inevitável na democracia porque, por meio dele, se afastam graves erros e danos à pessoa e à sociedade, factores que comprometem a actuação pública do Estado que, aliás, deve ainda permitir e preservar os debates abertos, livres e transparentes.

     Chequer (2011), ao analisar os debates doutrinários divergentes sobre as liberdades de expressão, que foram trazidos nas suas variadas formas, nota que a solução seria o somatório das diversas ideias sobre o assunto a fim de evitar a prevalência de uma única vertente e impedir o livre trânsito das ideias justapostas, por serem elas a essência da democracia.

Para que se possa falar em Estado Democrático de Direito, torna-se imprescindível observar as vertentes do pensamento político acima descritos, sem as quais a sociabilidade por ele instituída pode resvalar para actos que correspondem aos chamados estados de exceção ou autoritários.

…é necessário disseminar os estudos sobre os direitos humanos, desde o ensino primário, para que a sociedade como um todo esteja preparada intelectualmente para conhecer os fundamentos de um Estado Democrático de Direito e por ele lutar, de forma individual e colectiva.

Assim, o Estado Democrático de Direito apenas se efectivará se, necessariamente, a sociedade civil estiver madura para exercitar a sua participação cidadã, em todas as esferas por onde transitem os interesses e os direitos previstos nos subsistemas jurídicos em vigor – civil, penal, trabalhista, previdenciário, tributário, dentre outros. Deve essa sociedade, sobretudo, mobilizar-se em torno da manutenção e da introdução de direitos e de conquistas que melhorem a sua condição de vida e o seu bem-estar geral.

De fato, sem a mobilização colectiva da sociedade civil, com a participação de uma imprensa livre e democrática, não será possível experimentar e vivenciar avanços efectivos e o cumprimento das regras constitucionais destinadas à liberdade e a justiça social.

Do ponto de vista académico, tem-se aqui a necessidade de implementação nas escolas a disciplina Direito Humanos desde o ensino médio até os cursos universitários. Trata-se de uma disciplina que deve ser valorizada e reforçada por meio de técnicas de ensino socializada, ou seja, pesquisas, seminários, participação da sociedade civil e de entidades que lidam com a protecção das pessoas que vivem em situação de risco, dentre outras.

Obra pertencente ao projecto colectivo de artistas, Declaração Universal dos Direitos Humanos Ilustrada.

O último pressuposto aqui apresentado volta-se para o princípio civilizacional, centrado na educação, sem o qual, segundo Bittar (2014), há uma tendência de retorno à barbárie ou de uma civilização incivilizada.

O princípio civilizacional envolve-se com uma luta constante para garantir resultados em vários sentidos, especialmente em torno de acções positivas de engajamento da sociedade, a fim de evitar o retorno à barbárie. Para o estudioso citado, é preciso voltar-se para o passado como o meio essencial para esclarecer a inflexão em direcção ao sujeito que possa reforçar a sua autoconsciência e bem como o seu eu. Tal debate precisa ser fortalecido no meio académico e na sociedade civil, a fim de evitar as intolerâncias, mormente aquelas que estão surgindo no mundo inteiro, por suas raízes neofascistas, com suas pregações  dirigidas à supressão da liberdade e da vida democrática, a defesa de ideias centradas na  intolerância, silenciamentos, torturas, desaparecimentos, deportações, cassações de mandatos e exílios, entre outros.

Por fim, tem-se que o Estado Democrático de Direito está centrado no respeito à liberdade de expressão, sem a qual poderá resvalar para o modelo centrado numa “civilização incivilizada”. Para tanto, é necessário disseminar os estudos sobre os direitos humanos, desde o ensino primário, para que a sociedade como um todo esteja preparada intelectualmente para conhecer os fundamentos de um Estado Democrático de Direito e por ele lutar, de forma individual e colectiva.

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*Possui Licenciatura em Direito e Mestrado em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Campina Grande, doutorando em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco. É integrante do Grupo de Pesquisa sobre Direito do Trabalho e Teoria Social Crítica, e é professor.

Referências

BITTAR, Eduardo C. R. A crítica da razão e a educação para o não-retorno: memória, barbárie e civilização. In: RODINO, Ana Maria et al. (Orgs.). Cultura e educação em direitos humanos na América Latina. Brasil: trajetórias, desafios e perspectivas. João Pessoa: CCTA, 2016. p. 346-360 (Coleção Direitos Humanos).

BRASIL, Constituição (1988). Constituição República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, 2018.

CHEQUER, Cláudio. Por que a liberdade de expressão é um direito fundamental? Carta Forense, São Paulo, 03 out. 2011. Disponível: http://www.cartaforense.com.br/conteudo/artigos/por-que-a-liberdade-de-expressao-e-um-direito-fundamental/7736. Acesso em: 04 dez. 2019.

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