A urgência e a necessidade de um “Projecto Político Filosófico de Nação”

A urgência e a necessidade de um “Projecto Político Filosófico de Nação”

Nação 2

Por Domingos da Cruz || “Si los pueblos no se ilustran, si no se divulgan sus derechos, si cada hombre no conoce lo que puede, vale, debe, nuevas ilusiones sucederán a las antiguas y será tal vez nuestra suerte cambiar de tiranos sin destruir la tirania”/ “Se os povos não se mostram, se não divulgam seus direitos, se cada homem não conhece o que pode, vale e deve, novas utopias sucederão e a sorte será trocar de tiranos sem destruir a tirania”, a firma  Mariano Moreno.

A honradez e a honestidade, obriga a minha consciência moral a admitir algum erro da primavera árabe: os militantes pela democracia sabiam o que não queriam ─ os ditadores ─ mas não sabiam o que queriam do ponto de vista do que é o projecto de nação. Não tinham um projecto político filosófico de nação, por meio do qual candidatar-se-iam para assumir o poder e construir a sociedade com base naquele possível projecto de sociedade. A prova de que não tinham um projecto de nação é que deixaram que a velha guarda que conviveu com os ditadores se candidatassem e tornaram-se mais uma vez assistentes na nova sociedade nascente.

Depois da elaboração do plano estratégico de luta contra o ditador e toda sua máquina, os militantes pela democracia devem obrigatoriamente elaborar um projecto político filosófico de nação, para que durante o processo de luta não hajam os seguintes riscos inevitáveis, caso não tenham tal plano: 1. Serem acusados de aventureiros que não sabem o que fazem; 2. Não têm uma visão ideológica e de futuro para o país pós-ditadura que pretendem derrubar; 3. Irresponsáveis que não têm um plano de transição e governação de curto, médio (plano de transição) e longo prazo (plano de governação) após a queda da cultura do mal.

O projecto político filosófico é um documento detalhado e de grande alcance sobre o que se pretende fazer para a reconstrução institucional, espiritual, ética e material do país pós-ditadura. Mas este documento deve ser visto como um draft permanentemente aberto a revisão e proposta da sociedade, uma vez que só numa ditadura é que os governantes decidem sem a intervenção cidadã.

No projecto político filosófico de nação democrática, os militantes por uma sociedade aberta e livre, deverão dizer aos cidadãos o que pretendem fazer em relação aos seguintes eixos:

Educação. Que tipo de educação? Que tipo de homem esta educação visará construir? Esta educação visará que interesses? Para a concretização da educação definida, como a escola estará estruturalmente? Que papel a sociedade e o estado desempenharão nesta educação?

No plano estrutural e modelo de escola, é conveniente identificar um modelo e adaptá-lo a cultura e nova sociedade nascente. Por exemplo, dizer aos cidadãos que pelo sucesso e boa prática do modelo de Singapura, Dinamarca, Taiwan, Canada, Finlândia, Austrália, Costa Rica, Norte-americano ou Alemão, optamos por este.

Saúde. Será gratuita? Esta pergunta será igualmente respondida em relação a educação. Será o modelo no qual precisaremos seguros de saúde para beneficiar o capitalismo ou dará prioridade a saúde do modelo de Estados de bem estar como na Inglaterra, Portugal, Canada, Cuba, etc.

Assistência Social. Os revolucionários deverão responder igualmente no seu projecto de nação, que respostas darão aos mais vulneráveis como minorias étnicas (koisans e bosquimanes), albinos, imigrantes, rastafaris, doentes crónicos, mulheres, crianças, crianças de rua e na rua, ex-militares, viúvas de guerra e órfão, idosos e jovens.

Modelo Económico. Deverão dizer aos cidadãos se pretendem implementar um Estado ultra-liberal proposto por Adam Smith e defendido pelos republicanos, criará uma democracia com pendor social mas aberta ao mercado onde a pessoa é o fim último ou um socialismo ao estilo de Cuba ou da URSS antiga.

No plano político deverão ainda responder como será a relação entre o cidadão e o detentor de cargos de responsabilidade pública. De subordinado ou de colaboradores?

Política Prisional. Na nova sociedade que os revolucionários pretendem, deverão espelhar como será a relação entre a cidadania e os sectores de defesa e segurança. As perguntas centrais são: optar-se-á pela repressão ou pela lógica preventiva. Optar-se-á pelo sistema selvático brasileiro onde o delinquente sai pior ou pelo sistema norueguês, marcado pela ultra-prevenção do crime com políticas sociais e no caso de alguém cometer um crime a preocupação maior é a reintegração da pessoas e não matá-lo no cárcere. Os serviços secretos perseguirão cidadãos pelas suas opiniões ou terão como missão única proteger os cidadãos, os interesses nacionais e cuidarem o país de ameaça externa?

O Exército. Terá a missão reservada pela Constituição e aquilo que os estados republicanos modernos consagram ou estará ao serviço do Presidente e do partido? Os revolucionários deverão deixar isto claro no plano de nação, porque é um aspecto chave para a verdadeira democracia.Nação

Política Externa e Diplomacia. A Suíça é tradicionalmente um país pacífico. A sua visão filosófica de política externa é de não tomar partido em todas pelejas na comunidade internacional. Para o Brasil todos os conflitos devem ser resolvidos pela via pacífica. Para os norte americanos, diálogo sim, mas quando o oponente os complica a vida, a solução é esmagar militarmente. Os militantes pela democracia devem definir uma filosofia e política externa da sociedade que pretendem construir, sem perder de vista acordos justos que o regime anterior celebrou com outros países e empresas multinacionais.

No meu entender, deve-se responder aos cidadãos qual será a nossa posição na SADC e em toda África. Como nos posicionaremos no mundo frente as grandes pelejas? Os nossos acordos de cooperação para avanço científico e tecnológico focar-se-ão para onde: sul ou norte? Dar-se-à prioridade a diplomacia económica ou política?

Para além das questões acima referidas, os militantes pela democracia, no projecto de nação, deverão introduzir também os seguintes assuntos, caros e chaves para um país:

  • Meio ambiente.
  • Agricultura.
  • Energia.
  • Investigação científica.
  • População e estatística.
  • Habitação.
  • Desporto.
  • Água.
  • Gestão do património biogenético e florestal.
  • Turismo.
  • Artes, património material e imaterial.
  • Política sobre o livro.
  • Tecnologias de informação e comunicação.
  • Transportes.
  • Produção e gestão de medicamentos.
  • Família.
  • Modelo constitucional.
  • Património epistemológico ancestral
  • Grupo LGBT.
  • Política linguística.
  • Multiculturalismo e combate ao racismo
  • Comunicação social tradicional.
  • Infra-estrutura social e económica.
  • Igreja.
  • Memória e história.
  • Movimentos sociais e populares.
  • Empreendedorismo lato senso.
  • Movimento sindical.
  • Tecnologia jurídica.
  • Justiça transicional.
  • Administração pública.
  • Os pobres e a pobreza.
  • Luta contra corrupção.
  • Justiça.
  • Segurança pública.
  • Direitos Humanos.
  • Diáspora angolana.
  • Sistema eleitoral.
  • Pescas.
  • Pecuária.
  • Economia solidária.
  • Divida pública.
  • Relação com as instituições financeiras internacionais.
  • Indústria.
  • Portos.
  • Bio-Direitos.
  • Moda e economia.
  • Prostituição, ética e economia.
  • Emprego.
  • Lazer.
  • Agricultura familiar.
  • Micro finanças.
  • Economia informal como valor.
  • Pessoas com deficiências e acção afirmativa.
  • Previdência social.
  • Drogas.
  • Comércio exterior.
  • Salário mínimo.
  • Reforma urbana/ Direito à cidade.
  • Ética na política e da política.
  • Segurança nutricional e alimentar.
  • Reforma fiscal e tributária.
  • Saneamento e gestão de resíduos.
  • Arborização.
  • Mobilidade urbana.
  • Sistema financeiro.
  • Acesso e gestão da terra.
  • Política migratória.

As propostas dos militantes pela democracia devem distinguir-se claramente de todos grupos tradicionais existentes. Não se pode assemelhar nem a oposição falsária, menos ainda ao projecto do ditador. A originalidade do projecto filosófico de nação é uma condição fundamental para o sucesso e credibilidade.

O grupo pro-democracia deverá deixar claro no projecto de nação que gostaria de chegar ao poder para implementá-lo, mas de forma democrática, depois de ultrapassado o período de transição conduzido pelos revolucionários com envolvimento da sociedade.

Nota: Extracto meu livro, “Ferramentas para destruir o ditador…”. 

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