Afinal é derrubar o ditador e instaurar a democracia?

Afinal é derrubar o ditador e instaurar a democracia?

Burundi certo
[Pt|rmc| Protestos no Burundi]
Por Fernando Guelengue||Crítica à obra de Domingos da Cruz.

AQUI TUDO VALE: mandonismo, despotismo, autoritarismo, nepotismo, anarquismo, tirania, fascismo disfarçado em democracia, cabritismo, padrinhismo, absolutismo, tortura exacerbada, liberdade comprada, enriquecimento ilícito, concentração de poder, corrupção e a DITADURA.

No seu livro mais recente, Ferramenta para Destruir o Ditador e Evitar nova Ditadura, o filósofo Domingos da Cruz expõe a tese segundo a qual existe uma filosofia que permite estimular a libertação dos oprimidos diante de um regime ditatorial. Esta tese indica que em Angola – e citamos Aristóteles e Platão “a marca […] é a ilegalidade […], a violação das leis e das regras pré-estipuladas pela quebra da legitimidade do poder”.

A ditadura é comparada a um corpo que possui a cabeça, o tronco e os seus respectivos membros, sendo que o ditador representa apenas a cabeça que, com a sua queda, ajuda a terminar as demais partes do corpo, transformando-se assim em pequenos pedaços espalhados algures na terra!

Ao ler o título da obra em alusão, o leitor é levado à ideia clara de que efectivamente existe um ditador em Angola e a ameaça de novas ditaduras podem ser evitadas por meio de uma filosofia, adaptada à realidade puramente angolana.

Com alguma sustentação científica, um estilo linguístico próprio e uma capacidade de provocar sugestões e emoções, o autor apresenta fórmulas e argumentos detalhados de como derrubar o ditador e evitar o surgimento de novas ditaduras. No começo, o escritor procura estabelecer caminhos para detonar a ditadura com o realismo político (capítulo I) e passando pelas profundezas dos dez capítulos, indica as técnicas práticas do DESAFIO POLÍTICO NECESSÁRIO para o fim da tirania, na qual sugere uma fórmula: RRR – Raiva, Revolta e Revolução. Assim sendo, adaptamos propriamente para a seguinte equação: Queda do Ditador = Raiva + Revolta + Reeducação e explico porquê.

Quando o autor faz referência à raiva significa que se está em presença de uma revolta que pode ser interna ou externa, não se observando assim a necessidade de se acrescer a palavra revolução, pois pode elevar a sua fórmula para uma declaração mais violenta do que propriamente pacífica, como defende.

Porquê reeducação? Na verdade, depois de uma saturação por eternizações no poder e uma (des)governação que não mede os interesses da colectividade, surge sempre e sempre a REVOLTA POPULAR, como bem cito numa das minhas obras que está preste a ser editada, que pode ser chamada de REVOLUÇÃO. Daí que nos remete à substituí-lo pela reeducação, um mecanismo necessário antes, durante e após a queda de qualquer regime, para que não venha a existir a implantação de novos governos ditatoriais.

Na lógica de acabar com o ditador sem recorrer em armas militares, o autor aborda que “construída a confiança colectiva, devemos realizar ataques pacíficos e sistemáticos ao ditador e delinquentes à sua volta”. O que não me parece racional é a maneira detalhada de planificação voltada ao que considera Projecto Político e Filosófico de Nação e de País que faz referência na obra. É necessário planificar uma queda do ditador? É necessário criar custos e buscar investidores? Não necessariamente!

À luz das ditaduras mais recentes que terminaram em África, nomeadamente a do Burkina Faso e da Tunísia, não é conhecido até ao momento um plano estratégico de luta que sustentou tais DESOBEDIÊNCIAS PACÍFICAS por via do jogo filosófico de uma teoria de libertação política. Teorias são válidas, são as pegadas, mas o que se quer neste momento é a aplicabilidade prática das mesmas.

JOSE 333
[Pt|rmc| JES é o alvo. Tudo resto é perca de tempo]
VOU SUSTENTAR. Por exemplo, se se convocar uma reunião para traçar estratégias de manifestação e/ou derrube do ditador, veremos que os proponentes poderão correr o risco de serem procurados, torturados, condenados ― apesar da inocência e legitimidade para tal – e até mesmo de perderem a vida, pois a luta por uma ditadura que existe há mais de trinta e cinco anos não é nova, e nem mesmo representa uma tarefa fácil, pois os tiranos se encontram devidamente preparados do ponto de vista tecnológico para o monitoramento de tais iniciativas e a respectiva MANUTENÇÃO DO PODER.

Entretanto, a tese de Domingos da Cruz encontra uma sustentação científica na obra do filósofo norte-americano Gene Sharp: “Da ditadura à Democracia”, na qual é possível ler O PENSAMENTO INOVADOR DE UM INVESTIGADOR COMPROMETIDO com a solução de problemas sociais de Angola. Aqui valham-lhe em caso de ser novamente chamado à justiça quem nem é justiça!

A via da DESOBEDIÊNCIA CIVIL por meio de uma gama de métodos e actividades é o argumento apresentado como mais acertado nas mais de 180 páginas do livro, à semelhança do que sustenta o filósofo francês Etienne de La Boetie “derrotar sem lutar”. No segundo parágrafo ― da Introdução ― o autor esgrime que: “o grupo hegemónico e o ditador atingiram um nível de ascensão no controlo da sociedade em que o único caminho parece-me ser a VIA PACÍFICA, a resistência civilizada ao estilo de Mahatma Ghandi, Nelson Mandela e todas as resistências contemporâneas que assistimos na Tunísia e no Burkina Faso”.

Cansado com o estilo de (des)governação daquele que considera ditador, o autor cita um pensamento devidamente alinhavado de Desmond Tutu que se adapta à realidade angolana, segundo a qual “o maior medo do ditador é quando as pessoas decidem ser livres e não as armas de fogo como fontes” (p.11).

Desta forma podemos apontar alguns aspectos positivos e “negativos” que a obra pode transportar para os leitores do ponto de vista linguístico, filosófico, académico e científico.

 

  1. Metodologia: Não há nada que se pode observar na obra de forma clara que indique a metodologia utilizada pelo autor senão uma adaptação de uma filosofia à realidade angolana. Neste aspecto, é possível mencionar que o método utilizado supostamente foi o de observação indirecta dos fenómenos na lógica de Gene Sharp e uma observação directa da realidade angolana (Nota obrigatória).
  2. Argumento estilístico e psicológico: ao longo da sua enunciação há efectivamente um referencial da capacidade de provocar sugestão e emocionar o leitor por meio da forma como articula os factos e contextualiza as realidades. O seu temperamento ― do autor ― em relação ao aspecto estilístico denota-se um sentimento completamente revoltado com a situação chave da tese (a ditadura), sobretudo, com o nível de opressão que os angolanos vivem, como pode-se ler no seu poema intitulado “Amor à opressão”, publicado no semanário Folha 8 e no Portal de Notícia Club K. Essa sustentação estilística demonstra igualmente que o autor tem ou teve uma educação rígida, baseada em princípios e crenças religiosas que caracterizou de forma geral a formação da sua personalidade.

E não se pode descurar o nível aceitável de criatividade em relação ao que se trata de busca pela justiça e bem-estar social da colectividade. A sua motivação na procura de soluções para estas questões de investigação parece-me ser o próprio povo que, mesmo não observando o seu envolvimento na luta de forma directa e frontal ― porque nem todos o conhecem e/ou o ouvem na media privada e nas redes sociais, pelo facto de poucas pessoas terem acesso e por ele mesmo não falar para a media pública por achar um instrumento de manutenção da ditadura ―, não poupa esforço para trazer teorias válidas e sustentadas para uma libertação política nacional.

  1. Matriz de conteúdo: Desde o primeiro contacto visual que se pode ter com o livro é possível perceber que o protótipo do mesmo é puramente filosófico para a área da POLÍTICA DA LIBERTAÇÃO. Assim ficou provado que o autor durante a sua argumentação não desnorteou o foco da sua dissertação, respeitando a fonte soberana da pesquisa. E como a sua área de formação também abarca a própria filosofia, não deixa de ser uma autoridade moral e científica para a formação da nova ciência ou mesmo da ciência embrionária.

Citando Jean Paul Sartre, o autor mostra uma preocupação e responsabilidade em trazer conteúdos que ajudam na formação da consciência dos seus leitores, bloqueando assim a alienação política devidamente arquitectada há décadas.

  1. Alcance filosófico e científico: Há uma clara contribuição para a filosofia política angolana em particular e para a nova ciência angolana em geral por se tratar de um académico que está constantemente ataviado com o conhecimento para dar respostas aos problemas sociais através da utilização do método científico. Pois, pelo que se sabe, a ciência não é um instrumento de manutenção de poder, mas o reflexo da insatisfação do homem e do seu comportamento com o objectivo de encontrar soluções satisfatórias dos problemas sociais. Apesar de que nem todas as verdades científicas são feitas por meio da descoberta científica, o autor parece ter também uma intuição no momento da escolha ou descoberta destas verdades.
  2. Contradição? Há uma incoerência lógica no pensamento do autor quando afirma desconhecer as reais formas de lidar com o autoritarismo em Angola (Capítulo I). Não se pode afirmar e negar ao mesmo tempo! Na verdade, a contradição reside no facto da ditadura ser sinónimo de autoritarismo – o primeiro diz respeito – a ditadura, a um sistema em que o governo não permite a participação popular de forma evidente e o segundo é a forma de governo caracterizado por OBEDIÊNCIA ABSOLUTA, cega e inquestionável à autoridade.
    Apocalipse SOCIAL (2)
    [Pt|rmc]

Nesta ordem de ideias, os dois conceitos levam-nos à mesma direcção: manutenção do poder. Então, o autor deveria simplesmente admitir que o seu problema de investigação é exactamente a ditadura ou mesmo o autoritarismo que existe na (des)governação em Angola.

Apegando-se em Júlia Lícia, autora brasileira, pode-se afirmar quea pior ditadura não é a que aprisiona o homem pela força, mas sim pela fraqueza, fazendo-o refém das próprias necessidades”. Esta parece-me a nova estratégia que se tem estado a utilizar para a destruição do grupo de pressão que existe por meio da SUPOSTA CRISE FINANCEIRA, pois as famílias se encontram com alguma fraqueza financeira e são obrigadas a lutar para resolver a fome do que a libertação política necessária por meio do que o autor considera de desafio político: A DESOBEDIÊNCIA CIVIL.

Nesta obra, que enriquece a corrente filosófica da libertação defendida em grande medida e de forma assumida por jovens do movimento revolucionário: os ditos revús, alguns académicos supostamente independentes, meia dúzia de políticos não acoplados ao poder, uma oposição forjada para a manutenção do poder através de eleições antidemocráticas e uns que se dizem serem da ditadura por meio do partido, não concordarem com os actos praticados pelo DITADOR.

Aqui, é importante mencionar o Livro Verde de Muammar Al Qathafi, que apresenta uma tese segundo a qual “o partido é a ditadura contemporânea…é a máquina de governar da ditadura contemporânea…dado que representa o poder de uma fracção sobre o conjunto”. Esta é a filosofia que demonstra que nem sempre é possível terminar os vícios implantados por uma longa vida em regime ditatorial em tão pouco tempo, conforme aponta o autor da obra em análise: “Alcançar uma sociedade com liberdade e paz não é, obviamente, tarefa simples” (Capítulo III).

Não há vitória sem casamento. A queda da ditadura segundo uma análise mais conjugada tem de ser uma pauta do dia. Tem de ser um diálogo repetido em todos os sectores da vida do país. Nas redes sociais, nas músicas, nos táxis, em casa, no trabalho, nos jornais, nas rádios, na televisão, nas discotecas, nas igrejas, nas universidades, as praias, as lojas e supermercados, nos blogues e portais, nos cinemas, peças de teatros, retratadas nas telenovelas, realização de megas manifestações, as vigílias permanentes nas ruas com crianças e idosos.

A queda não tem de ser planificada e sim ocorrer de forma natural e todos os caminhos parecem válidos para esse fim, como defende o escritor angolano Ribeiro Tenguna: “O diálogo sobre a queda tem de ser uma música na boca dos sem medo”. Pois, sabe-se que a queda é sempre um processo que não pode ser forçado para não ser desastrosa.

Para se evitar novas ditaduras, o autor apega-se na democracia, alcançada por meio de um poder soberano atribuído ao povo de forma real, material e formal, tornando-se pertinente a mobilização do respeito pela DIGNIDADE HUMANA como único caminho que aglutina todos os fundamentos da democracia.

CAPA-DC1 (2)
[Pt|rmc| A capa do livro criticado]
Uma forma de pressão da comunidade interna seria, segundo o autor, o abandono pelos partidos políticos de participarem em eleições por considerar um mecanismo que o ditador usa para a manutenção do poder e legitimar a ditadura. E em relação ao golpe militar, considera a forma mais equivocada de destruir ditaduras devido a existência de quatro exércitos que alimentam o sistema.

A obra não deixa de ser de excelência pela coragem e determinação do autor na sustentação dos factos. Como exemplo, numa das passagens considera a comunidade internacional de monstros pela política de interesses materiais e financeiros, baseada na geopolítica e geoestratégia. Apesar de apresentar cerca de 198 métodos para derrubar o ditador, a auto-libertação de cada indivíduo é a sua aposta no começo de todas as coisas.

A tese apega-se ao pensamento de variados activistas cívicos, filósofos, advogados e defensores de direitos humanos a nível mundial, o que permite afirmar que a verdadeira intenção do autor passa pela transformação do angolano e do sistema político nacional por meio da NÃO-VIOLÊNCIA – uma direcção em que a transformação da pessoa, a busca pela libertação, o preço da libertação, a verdadeira democracia, a cumplicidade dos assassinos, e possibilidade de se libertar do ditador por desejo se tornam os pontos essenciais da pesquisa.

Este pensamento de libertação vem abrir margens para novos trabalhos relacionados com o que considero de palavras-chave do estudo – a ditadura, a queda e a democracia. Assim sendo, com esta obra espera-se que a irritabilidade do ditador ou do seu regime chegue ao ponto de notificar, julgar e absolver o filósofo, à semelhança do que foi feito na altura em que escreveu “Quando a Guerra é Necessária e Urgente” para a vitória da filosofia da libertação e ética da existência que tem estado a pregar visando uma vida com liberdade e uma paz efectiva. AQUI TUDO VALE!

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