Estado actual das artes e da liberdade artística na Guiné-Bissau

Estado actual das artes e da liberdade artística na Guiné-Bissau

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[PT/BBC África].
Por Arnaldo Sucuma || A presente reflexão visa analisar o estado actual das artes e da liberdade voltada para o campo das artes na realidade guineense. Também procuraremos analisar a utilidade desta temática na realidade social e cultural da Guiné-Bissau.

Analisando o contexto das artes e liberdade artística na Guiné-Bissau

A República da Guiné-Bissau possui uma extensão territorial de 36.125km2, situada no continente africano, na costa ocidental da África, banhada pelo oceano Atlântico. Faz fronteira ao norte com República do Senegal e ao sul com a República da Guiné Konakry. O país possui uma população de 1.548.159 mil habitantes segundo o último recenseamento realizado pelo INEC (Instituto Nacional de Estatística e Censo) em 2009. Integra cerca 80 ilhas que constituem o arquipélago dos Bijagós, além dos territórios continentais que compreendem oito regiões: Bolama, Bafatá, Gabu, Cacheu, Quinara, Tombali, Oio, Biombo, mais o setor autónomo de Bissau que é a capital. Em termos culturais, a Guiné Bissau constitui um país multiétnico, e cada uma dessas etnias possui sua tradição, religiosidade, língua e outros, que acabam contribuindo para o enriquecimento do patrimônio artístico guineense.Na Guiné-Bissau existem diversos grupos de artesãos, trabalhando em diferentes dimensões artísticas, tais como esculpindo troncos pequenos ou grandes de madeira, artesanato voltado para esculpir ferros, olaria ou barro, desenhos, a musicalidade e ritmos, corte costura, pintura, literatura e outros. Existe um museu etnográfico no país. Não obstante, muitas obras se encontrem num estado de degradação, não há incentivo artístico que permita a ampliação de novas obras no museu. Ademais, muitas obras de arte desapareceram do museu durante o conflito político militar de 07 de junho de 1998.

Nestes grupos de artesões supracitados, somente alguns grupos de escultores de troncos de madeira, de músicos e da literatura escrita possuem associação com personalidade jurídica. Os demais grupos de artesões não possuem por enquanto uma personalidade jurídica. Não obstante, possuem um grupo organizado que se reúne para trocar ideias sobre seus trabalhos.

Lamentavelmente não existe na prática uma política pública de incentivo ao trabalho dos artesões, nem no âmbito do Estado e nem do Governo. Os artesões trabalham com meios próprios, que são escassos dado ao fraco poder económico e financeiro dos mesmos, como também não há crédito financeiro dos bancos para apoiar o investimento no campo artístico.

Existem muitos talentos no campo da literatura, que escrevem poesias, contos, romances e trabalhos acadêmicos, mas por falta de políticas públicas para o sector e também de apoio financeiro das autoridades não conseguem fazer a publicação, acabam por desistirem de seus sonhos de se tornarem escritores. Assim como muitos músicos guineenses que compõem musicas, mas não conseguem apoio do poder público (governo) para editar CDs com suas próprias músicas.

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[PT/BBC África].

Em alguns momentos acontecem apoios de pessoas ou organizações da sociedade civil que apoiam os artistas nesse processo. Neste sentido, vale salientar que a Associação Força Guiné/AFG já apoiou a edição de CD do músico guineense João Domingos Gomes (vulgo Nhama), numa parceria com a Pró-Reitoria de Extensão da Universidade Federal de Pernambuco/UFPE.

Não se pode falar da liberdade artística, se as pessoas não têm a oportunidade para demonstrar as suas aptidões artísticas por causa de ausência de apoio do poder público. Não se trata aqui da liberdade de ir e vir, mas sim de liberdade da expressão artística.

O País praticamente abandonou o sector das artes. Vale lembrar que o sector de arte permite com que os artesões apresentem os valores e qualidades do país tanto no campo cultural ou social para o mundo. A arte revela à expressão de vivência e modo de ser de um povo na sua essência, no caso da Guiné-Bissau a arte pode contribuir para a preservação da cultura do povo, formado por diversas etnias que convivem na diversidade, mas também a arte joga um papel importante na disseminação da cultura popular, embora exista uma diferença de interpretação sobre a “cultura do povo” e “cultura popular” segundo Marilena Chaui, (2011, p. 53): (…) Seria interessante indagar por que falar em “cultura do povo” em lugar de “cultura popular”. É plausível supor que a escolha da primeira expressão  em vez da segunda tenha o mérito de procurar um caminho que nos resguarde da ambiguidade presente no termo “popular”. Considerar a cultura como sendo do povo permitiria assinalar mais claramente que ela não está simplesmente no povo, mas que é produzida por ele, enquanto que a noção de “popular” é suficientemente ambígua para levar a suposição de que representações, normas e práticas porque são encontradas nas classes dominadas são, ipso facto, do povo. Em suma, não é porque algo está no povo que é do povo.

Existe um grande déficit de estudos sobre a arte no país. Para superar esta situação será necessário ampliar estudos em diferentes dimensões, tais como, estéticas, artísticas, históricas, institucionais e pedagógicas das práticas culturais. A arte constitui uma forma de se comunicar com o mundo real e criando linguagens escritas, símbolos visuais e mágicos no pensamento humano. A arte, além de revelar a expressão de vivência e modo de ser de um povo na sua essência, numa perspectiva colectivista, permite também o desenvolvimento de inspirações individuais de cada artista referente a sua maneira de enxergar o mundo e a sociedade em que vive numa perspectiva artística. De acordo com Fischer, (1987, p.74, 75): “Sem duvidas, a arte do povo expressa algo que é comum a muitos e reflete, assim, as ideias da comunidade; porém isso é verdadeiro não só para a arte do povo como para toda arte. A arte se origina de uma necessidade colectiva”.

A arte constitui uma das formas para se expressar ideias dos artistas, construindo formas e estilos que os permitem garantir suas identidades artísticas. Segundo Letts, (1984, p. 2): “A forma na arte é geralmente a internalização expressiva de uma ideia”.

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[PT/rmc].
Vale salientar também que a arte constitui um ato de cidadania na medida em que através dela é possível participar activamente para divulgação da cultura do País e as memorias do povo em suas diversas expressões, desde símbolos étnicos, religiosos, preservação de memórias culturais para diversas gerações, passando pelo ensino da arte e outros. Nesta ordem de ideias, a arte joga um papel fundamental no processo de repasse de conhecimentos nas escolas envolvendo professor e aluno, na questão pedagógica entre outros. De acordo com Toro, (2006, p. 13): Se entendermos a educação como a criação de condições estáveis para que cada geração possa se apropriar dos melhores saberes disponíveis em uma sociedade, todo ato educativo é uma obra de arte: selecionar os melhores saberes disponíveis em uma sociedade implica entender profundamente o que contribui para a dignidade humana, o que contribui para tornar possíveis os direitos humanos. Todo bom educador é uma artista porque faz de cada aluno uma obra única de dignidade e projeção sobre outros.

A busca pelo conhecimento artístico e seu amadurecimento passa necessariamente pela aptidão, experiência em atividade artística e aprendizado no campo escolar. Neste sentido, o ensino de arte nas escolas públicas não é ainda uma realidade efetiva. Apesar desta lacuna, existe uma escola de arte e ofício ligada a uma organização não governamental/ONG Ação para Desenvolvimento/AD, que atende parte de anseios da juventude no campo artístico, porém com muita limitação. Em razão dessas limitações no campo de ensino das artes nas escolas públicas, os cidadãos perdem a liberdade de aprender outros conhecimentos sobre a arte antiga e contemporânea da Guiné-Bissau e da África em geral.

Em suma, a arte constitui uma ferramenta imprescindível na sociedade humana, que permite ao ser humano expressar sua origem, ideias e as relações sociais, culturais e religiosas. Neste sentido, a Guiné-Bissau precisa promover incentivo financeiro e de infraestrutura para o sector da arte, como forma de aproveitar melhor as vantagens que a arte pode oferecer ao País e a memoria do povo a partir de elementos da realidade local.

Referência Bibliográfica

Fischer, Ernst. A necessidade da Arte. Tradução – Leandro Konder. 9ª ed. Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan, 1987.

Letts, Rosa Maria. O Renascimento: introdução à História da arte da Universidade de Cambridge. Tradução: Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1984.

Toro, Jose Bernardo. A Educação como uma obra de Arte. In. Instituto Arte na Escola. Arte, escola e cidadania – um prêmio e seus premiados. São Paulo: Instituto Arte na Escola: Cultura Acadêmica, 2006.

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