

«O racismo é um problema sério em Angola, e quando se fala de machado afiado quero entender que é uma faca que corta tão rápido, de forma subtil que talvez não se sinta a pancada, mas corta».
Queria agradecer acima de tudo o Domingos da Cruz e o Dr. Nelson pela coragem que tiveram de escrever, reflectir e analisar o problema do racismo em Angola e trazerem este contributo.
Eu fiz uma leitura rápida do livro, porque só me foi entregue há menos de duas semanas, e com outros afazeres tive de ler às pressas, mas convido cada um de vós a possuir este livro. Na verdade, quando se pega neste livro e se começa a ler, não queremos parar, porque é simples, em termos de leitura, mas tem uma análise muito profunda, com várias referências bibliográficas e até para grandes académicos surpreende. É um livro com cento e tal páginas, com uma variedade bibliográfica significativa, os autores foram muito cautelosos a utilizar “todo o pensamento, toda a teoria já existente”, para poderem fundamentar aquilo que está no livro, e o problema do racismo.
O título como vêm é muito forte, “Racismo – O machado afiado em Angola”. Para quem lê o título começa a entender o pensamento do Domingos. O racismo é um problema sério em Angola, e quando se fala de machado afiado quero entender que é uma faca que corta tão rápido, de forma subtil que talvez não se sinta a pancada, mas corta.
Espero não roubar o pensamento do Dr. Nelson, sei que ele é muito versátil e vai conseguir fazer a apresentação dele, mas como eu disse é um livro de leitura muito simples, mas muito cativante. Na verdade, dos poucos livros sobre racismo que li em Angola, este é o livro que eu vejo ser muito directo para a nossa situação, muito directo porque aborda questões muito reais do país, numa cronologia histórica, não só a partir do tempo colonial embora no princípio faça uma análise das várias teorias e pensamentos sobre racismo e a sua origem. O livro traz questões práticas, visíveis e que muita das vezes passam despercebidas, mas que existem no país.
Eu não quero entrar no pensamento nem na alma do Domingos e do Dr. Nelson, não posso, mas ao ler este livro consegui entender que ele representa e expressa sentimentos de agonia, de dor, de sofrimento e até mesmo de revolta, da falsa aparência de uma nação livre, de uma nação que não conseguiu remover as estruturas, os sistemas coloniais de racismo, de controlo e manutenção de privilégios e benefícios.
Recorro à explicação do Dr. Filomeno, o racismo tem essas duas componentes, a relação do poder político e da manutenção e controlo de privilégios e benefícios. É esta a questão que Domingos levanta neste livro, na Angola pós-colonial, na Angola independente. Para o Domingos, isto está muito claro, a Angola independente não teve


tempo de abordar as estruturas e os sistemas coloniais. Talvez porque quando o poder político colonial foi destronado não teve a oportunidade de abordar os sistemas coloniais que são essencialmente racistas e discriminatórios na Angola pós-independente. Angola não teve esse tempo, talvez por causa da pressa da independência, não teve tempo de abordar, questionar as estruturas coloniais que promoveram o racismo, e na explicação do Dr. Filomeno ficou bem claro que as estruturas do racismo estavam bem definidas geograficamente, onde os brancos viviam, onde os mestiços viviam, onde os negros viviam, e a questão para o Domingos neste livro é: Será que está estrutura social mudou?
Entendemos, na leitura do livro, que o Domingos faz vários questionamentos e um deles é que, a grande esmagadora maioria da população angolana que é negra, mas continua a ser vítima destas estruturas porque vive nas margens. Não vamos falar dos poucos integrados ou assimilados. A mesma estrutura do tempo colonial da assimilação de alguns negros dentro do sistema colonial, é a mesma estrutura e sistema da actualidade. Assimilação de poucos, que têm o poder político ou económico, e as minorias e a marginalização da grande maioria da população. Uma das questões que levantei na minha abordagem, é que toda a luta de libertação, que não liberta a grande maioria da sua população, não é uma luta de libertação. Essa é a realidade de Angola.
Os autores fazem essa abordagem na Angola pós-independente, as estruturas económicas e sociais continuam sob o controlo das minorias. Essas minorias são brancas e mestiços, e todos sabemos que um dos grandes problemas é a questão da negação do problema, um problema clássico que vem do tempo da luta dos movimentos de libertação. É a negação do problema, e o Domingos faz essa abordagem neste livro.
Infelizmente, é a crítica que faço ao livro. Ele só faz essa abordagem dentro do MPLA, não entra muito dentro da FNLA e muito menos da UNITA. Na verdade, algumas expressões de revolta dentro do MPLA, foram essencialmente por causa do racismo, é essa abordagem que ele faz neste livro. Concentra-se no MPLA talvez porque se tornou o partido-Estado, não se focou no que aconteceu dentro da UNITA ou da FNLA. Muitas vezes Holden Roberto levantou questões contra o MPLA relativamente ao racismo, mas falta outras abordagens.
Outra questão que gostaria de levantar é de ordem técnica. O livro foi publicado em Outubro do ano passado, em Portugal, cinco meses depois é que se faz o lançamento em Angola. Foi lançado primeiro em Portugal e não em Angola. Isso levanta outros problemas, porque o livro é focalizado em Angola e dá-nos a entender as dificuldades dos autores e as várias “complicações complicadas”, como diz o outro, que existem no nosso país na abordagem deste assunto.
Algo muito importante, que já referi, é a falta da abordagem do racismo em Angola. A negação do problema, e é interessante que esta negação vem desde há 500 anos, da colonização, da exclusão, da discriminação que aqueles que tomaram o poder não conseguem abordar. Um sistema racista há quinhentos anos e que deixa elementos que devem ser abordados. O poder político estabelecido não tem capacidade de discutir o que estes 500 anos deixaram em termos sociais e nas estruturas económicas do nosso país. Como Domingos refere no livro, esta ausência de abordagem do problema do racismo impede, dificulta, a construção e uma sociedade justa, inclusiva e sustentável. Não se pode construir um país concentrando as riquezas, os benefícios e os privilégios numa minoria. Tem de ser a maioria para se criar um desenvolvimento sustentável.
Os autores, Dr. Nelson e o Domingos, acusam os políticos e os governantes angolanos de estarem a implementar a mesma política colonial, estruturas económicas e sociais que privilegiam as minorias, nunca a maioria. É um assunto muito sério porque há mesmo uma imposição de força no silenciar deste assunto. Os autores vão ainda mais longe, ao chamar isto de cumplicidade política. Uma cumplicidade em que os governantes fazem por manter as estruturas racistas de privilégios e benefícios.
Os autores também fazem menção à adopção da ideologia marxista que, dizem eles, foi por conveniência e não por convicção. Marx, por excelência, era um grande racista, e sendo ele um grande racista nunca poderia promover uma sociedade de total emancipação das maiorias, especialmente aquelas que não são brancas. Quando eu li este excerto, isto despertou-me o seguinte pensamento. Foi conveniência e não convicção porque não podemos separar o pensamento político do livro e as concisões reais e práticas desta mesma pessoa, e isto na verdade foi muito desastroso, muito perigoso para a nossa história. Faz também, menção ao 27 de Maio, que traz muitas interrogações. Nós sabemos que muitos brancos e muitos mestiços foram afectados e envolvidos como carrascos no 27 de Maio de 77, as abordagens apontam esse lamento sobre o racismo que ocorreu nessa época.
Uma das coisas que o livro levanta, isto já para terminar, e que até certo ponto não concordo, é do novo discurso do racismo inverso. É aquele que o Dr. Filomeno tentou explicar, em que agora os negros é que estão numa posição de discriminação, e eu não concordo com isso, pois para mim o racismo é uma acção, não é uma reacção. Para mim, o racismo tem a ver com privilégios e benefícios. Por exemplo, na África do Sul, muita gente chama Malema de racista. Malema não é racista, só está a reagir à situação de privilégios e benefícios que os brancos sempre tiveram. Quando ouvimos o secretário de Estado norte-americano a dizer que a economia da África do Sul iria mudar, ele não está a falar da grande maioria dos negros, está a promover a manutenção de privilégios e benefícios da minoria branca.
Proponho que leiamos este livro, para informação, é um grande contributo para os pensadores, para os activistas, para os políticos. A questão do racismo é um problema, existem outros problemas da vida política social e económica do país, mas o racismo é um problema que nunca foi discutido em Angola. Um país com um legado de 500 anos de colonização, de racismo, de discriminação, nunca terá uma transformação social se não abordarmos os alicerces que construíram este país: a colonização, a ideologia Marxista que foi cimentada por um grande racista. Se não falarmos destas questões, a marginalização e a exclusão da maioria será eterna.
Muito obrigado Dr. Nelson, muito obrigado Domingos, muito obrigado a todos!
Nota: Transcrição integral da apresentação do livro “Racismo – O machado afiado em Angola”.