Académico angolano na Alemanha a espera do passaporte há mais de um ano

Académico angolano na Alemanha a espera do passaporte há mais de um ano

Asaf Augusto* ǀ No dia 15 de Agosto de 2022 dirigi-me à embaixada-consulado de Angola em Berlim, com o objectivo de renovar o meu passaporte e o do meu primeiro filho. Fui também com a intenção de requerer o primeiro passaporte angolano para o meu segundo filho.

Como é de habitual, e uma que conheço todas as exigências (necessárias e desnecessárias) da burocracia ligada às instituições angolanas e porque ir à nossa embaixada em Berlim requer viajar, preparei paciente e deligentemente todos os documentos necessários. Após ter feito a devida marcação online, o meu atendimento foi agendado para as 10h00 da data acima referida.  

Chegado ao consulado fiquei extremamente impressionando com o novo edifício adquirido pela embaixada no centro de Berlim. É de uma estética moderna, dista a menos de 50m do Ministério Alemão das Relações exteriores. Fiquei com uma imagem de desenvolvimento, de progresso, que considerei ser um reflexo dos novos ventos de mudança que o Presidente da República, o Senhor João Lourenço  tanto prometeu com o  famoso slogan “Melhorar o que está bem e corrigir o que está mal”.  

Pensei que o novo e magnífico edifício da Embaixada angolana no centro de Berlim era reflexo de boa governação e da competência da nova diplomacia angolana. Pensei que a diplomacia angolana estava de parabéns por investir num espaço e numa localização geográfica estratégica, coisa que muitos países africanos não conseguem fazer. Pensei ainda que com a construção da nova embaixada, o atendimento seria igualmente magnífico. E talvez muito melhor do que ao atendimento do extinto consulado Angolano de Frankfurt. 

Infelizmente, estava completamente enganado, a promessa de “ Melhorar o que está bem e corrigir o que está mal”, não passa de um slogan vazio.  Destrui-se o que estava bem (consulado Angolano em Frankfurt) e foi construído o que está mal e faz mal (embaixada-consulado Angolana em Berlim).  A embaixada-consulado angolano no centro de Berlim não passa de um sepulcro, bonito por fora, mas por dentro cheio de todo o tipo de incompetência.   Nas próximas páginas, gostaria cronologicamente de descrever a minha experiência triste com a embaixada-consulado angolano em Berlim.

Burocracia desnecessária

Após a minha chegada, fui atendido por um senhor que todos, dentro do consulado, chamavam por Dr.  Pinto. O Dr. Pinto deu-me um leque de formulários para preencher. Apresentei-lhe o meu cartão de registo do extinto consulado Angolano em Frankfurt e ele simplesmente  respondeu-me que todas as inscrições feitas em Frankfurt já não eram válidas e que, para grande surpresa minha, todo o processo tinha que começar do zero. Por outras palavras, percebi que não estavam a fazer nenhuma transferência de dados do antigo consulado Angolano em Frankfurt para o novo consulado em Berlin, e que mudança geográfica do embaixador, significa extinção dos processos e arquivos. Ninguém sabia o que havia acontecido aos antigos processos e que quem ali se dirigia para renovar o passaporte angolano teria de passar pela mesma «burocracia diabólica» de quem trata do passaporte pela primeira vez. 

Percebi que naquele novo e magnífico edifício, não importa ter todos os documentos certos, bem pelo contrário: a expectativa do corpo diplomático Angolano em Berlim  é  que qualquer Angolano que ali se dirige não tem toda a documentação certa. Quando se tem toda a documentação certa é-se visto por alguns diplomatas como alguém que quer atrapalhar a cultura das conversas privadas, das chamadas privadas, dos bilhetinhos privados, práticas infelizes, que tão bem observei dentro do consulado Angolano em Berlin. Efectivamente, muitos Angolanos sem toda a documentação certa eram chamados para conversas privadas e os seus problemas eram misteriosamente resolvidos.

Burocracia desorganizada

O Dr. Pinto andava para cima e para baixo, distribuindo formulários. Às vezes desaparecia por mais de uma hora. Às vezes actuava como a segunda pessoa da santa Trindade e aqueles que não tinham todos os documentos certos eram chamados para terem conversas privadas com os membros do consulado. O Dr. Pinto actuava como o pivô entre os Angolanos sem documentação certa e os diplomatas que percorriam os corredores do consulado como autênticos deuses na terra, como que se estivesse ali apenas para prestar serviços de caridade.  Havia muitos Angolanos que não entediam  as perguntas dos formulários  e não havia ninguém disponível para ajudar ou esclarecer devidamente. Não  havia uma organização de trabalho, nem tão pouco uma tentiva de ajudar as pessoas, nem mesmo uma atenção especial a idosos, a pessoas com crianças, grávidas, ou deficientes físicos. Eu fui obrigado a esperar mais de 5 horas com duas crianças.

Depois de preencher todos os formulários fui cinicamente informado que a fotocopiadora do consulado não funcionava e para processar todos os documentos era necessário fazer fotocópias fora do consulado. Isto mostra claramente a atitude de desprezo e deboche que os nossos diplomatas do consulado Angolano em Berlim  têm  pelos cidadãos angolanos!  Os angolanos são tratados como escroto da humanidade. Não se sabe em concreto se o consulado está ali para servir os interesses dos angolanos ou apenas para servir os interesses das pessoas que lá trabalham. A expectativa é que qualquer angolano que ali se dirige tem de se humilhar perante os deuses diplomáticos para receber algo consagrado na Constituição de Angola. 

Observei que não há incentivo para melhorar a qualidade de atendimento, nem tão pouco respeitar os cidadãos angolanos, porque os diplomatas podem fazer e desfazer e sabem que não vão sofrer nenhuma consequência. Como é que é possível ter-se um  consulado a funcionar  sem uma máquina de fazer fotocópias? Como é que é possivel haver fundos para a construção de uma embaixada-consulado no centro de Berlim e não haver máquina de fazer fotocópias a funcionar?

 Incompetência desnecessária

Depois de passar mais de 5 horas dentro do consulado e de ser obrigado a fazer cópias fora do consulado, finalmente os funcionários do consulado concluíram que o processo estava completo. Uma senhora diplomata tentou dispensar-me sem me dar um comprovativo da entrega de documentos, sem o número do processo e sem um documento a indicar o valor que eu tinha de pagar. Simplesmente, disse-me: «Depois vamos contactar-te». Reclamei e pedi um comprovativo de entrega dos documentos, o número do processo  e os dados da conta bancária do consulado.

Asaf Augusto é Doutor em Geografia Humana e Pesquisador no Departamento de Estudos Religiosos, da Universidade de Bayreuth.

Para minha surpresa, a senhora diplomata começou literalmente a ditar o número da conta onde eu devia depositar o pagamento do tratamento dos passaportes.  Até hoje não sei se o número de conta ditado pela senhora diplomata  corresponde a uma conta do consulado ou  a uma conta pessoal. A pergunta que faço é esta:  como é que é possível ter um consulado de um país do calibre de Angola sem capacidade de passar um recibo oficial? Como é que é possível ter um país que anuncia que quer investimento estrangeiro, mas não consegue arrecadar fundos públicos com o tratamento e renovação de passaportes? Como é que é possível  Angola ter um consulado, sem uma conta bancária oficial?

Promessas vazias 

Face aos tristes acontecimentos que eu e a minha família passámos no consulado de Angola em Berlim, fui obrigado a enviar um email para a Sra. embaixadora, Dra. Balbina Malheiros Dias da Silva, reclamando os meus direitos. A Sra. embaixadora indiretamente desculpou-se pelo sucedido e pediu ao segundo-secretário dos serviços consulares, Sr. Nelson Lutuho e à sua equipa, para que telefonassem para mim. Tive uma conversa aberta e honesta com o Sr. Nelson Lutuho, que admitiu ter havido muitas lacunas na forma como o meu processo tinha sido conduzido. Em seguida, comprometeu-se a resolver a situação o mais rápido possível, mas solicitou documentos adicionais! A partir dali,  sempre que eu perguntava sobre o andamento do processo do meu passaporte e dos meus filhos, o Sr. Nelson Lutuho pedia mais documentos! Passado algum tempo, voltei a escrever à Sra. Embaixadora, demonstrando, mais uma vez, o meu descontentamento.  

 O Sr. Nelson Lutuho respondeu, afirmando que o processo estava em Luanda. O último email que recebi do Sr. Nelson Lutuho, dizia que o passaporte de um dos meus filhos já estava pronto, mas o meu e do meu outro filho ainda não. Na verdade, o Sr. Nelson Lutuho prometeu muito e fez pouco! E só responde aos meus emails quando escrevo para a Sra. embaixadora.

Quem também me ligou foi o Sr. Leal Cordeiro, que actua como conselheiro da Sra. embaixadora, e me pediu para enviar mais um documento, tendo a gentileza de me dar o seu número pessoal.  De lá para cá, tento ligar-lhe, mas não atende as minhas chamadas. Acho que depois de descobrir que eu não faço parte da elite política e económica angolana , simplesmente não tem tempo para  cumprir o que prometeu!

Finalmente, gostaria de enfatizar que antes do incidente do dia 15 de Agosto de 2022 as minhas relações com o corpo diplomático angolano na Alemanha sempre foram de respeito mútuo.  Sempre fiz questão de ter toda a documentação certa e tive o  privilégio de conhecer diplomatas angolanos competentes e sérios.  Infelizmente, no dia 15 de Agosto de 2022 passei por uma das piores experiências com diplomatas do nosso país. Passado mais de um ano, a situação continua a mesma. Mesmo tendo todos documentos certos, até agora não tenho o meu passaporte angolano.  Em momento algum pedi para ser tratado de maneira especial. Não preciso de nenhum tratamento especial! Gostaria apenas que os diplomatas angolanos em Berlim fossem mais sérios e competentes, que investissem mais no profissionalismo, em vez de investirem em aparência externa.  Que tratassem os angolanos com dignidade e respeito, em vez de serem tratados como inimigos do Estado.  Que os angolanos fossem tratados com mais respeito e dignidade, independentemente do seu estatuto social, etnicidade ou grau de parentesco. Não deve ser preciso ser filho de um governador, ministro, de ser membro do partido, para ser tratado com respeito e dignidade. O importante é ser Angolano!  Para mim, não adianta comprar uma embaixada no centro de Berlim se não houver condições mínimas de atendimento. Não adianta andar com fatos, gravatas, perfumes e falar um português requintado, se não se consegue resolver os problemas básicos dos angolanos.  Todos nós amamos Angola e queremos ver Angola a desenvolver-se, mas não podemos, nem devemos, permitir ser tratados sem humanidade por um grupo de diplomatas caprichosos, preocupados em passar uma imagem boa, de um profissionalismo que não existe.

*Doutor em Geografia Humana e Pesquisador no Departamento de Estudos Religiosos, da Universidade de Bayreuth.

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3 Comentários

  1. Tchombe Sabonete

    Uma das coisas que eu esqueci de mencionar é ação louvável da Representação diplomática de Angola no Brasil. No período da Pandemia quando poucos conseguiam ter acesso produtos da necessidade básica e documentação angolana, o governo deu o privilegio de acesso para todos que tinham documentos legais e até com isenção da taxa de todos documentos. O governo foi até as comunidades onde os angolanos moram para oferecer documentos. Já o prazo foi mesmo esse de um ano. Pois a justificativa foi que não se tinha cédulas em Angola.
    Muitas vezes já pensei o comportamento de angolanos ser trauma da guerra civil. Pois infelizmente nós angolanos não tivemos o privilegio de passar por especialistas para cuidar da saúde da mente, isso devia ser feito para os ex combatentes e mesmo os civis. Entre as inúmeras consequências de um conflito como a guerra de Angola que durou 41 anos, desde (1961 a 2002), estão marcas psicológicas nos sobreviventes, sejam eles militares que participaram de embates fortes ou civis que vivenciaram o cenário trágico. Pessoas de ambos os grupos desenvolvem transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), ou síndrome pós-traumática, um distúrbio tratado com atendimento profissional, E em Angola não houve esse tratamento, as pessoas estão se tratando e por vezes eu penso em vez de tratar as família estão transmitir ou infectar seus filhos. A juventude angolana tornou-se mais agressiva do que no período da guerra.

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  2. Tchombe Sabonete

    Enquanto a qualidade da nossa Educação for esse que Angola está oferece hoje, então o setor Público continuará nessa miséria triste que só muda quando o staff todo é exonerado da Representação.Penso que uma coisa que se deve mudar é forma de nomear os Representantes para as representações Diplomáticas O Ministério das Relações Exteriores vão deve autorização de nomear o Staff for do Ministério, só deviam ser nomeados os funcionários Públicos isso para evitar a nomeações entre famílias. E por ultimo aplicar a governabilidade e a governança. Angolanos com documentos incompletos é o que mais temos hoje em Angola, e uns até não sabe falar nenhuma Língua nativa e muito menos a Portuguesa. Os títulos acadêmicos (Dr) acabam com toda Estrutura no setor Público, e a pessoa realmente qualificada quando chega lá é rejeitada antes mesmo se inscreva em um Concurso ou apresentação seus documentos em IES angolanos.Agora eu não concordaria com a máquina de fotocopiadora em disposição exceto de casos emergentes. Meu caro não se engane, ser militante do Partido no Poder não é garantia de receber um tratamento diferenciado. O autor desse comentário é militante há mais de 33 anos e acadêmico, ex combatente das Forças Especiais em Malange, mas nunca recebeu tratamento diferente . E até já pensei que há pessoas que trabalham para arruinar o partido no Poder. Pois não é possível encontrar tantos erros assim em pessoas que amam o partido no Poder como encontramos.

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