Por Domingos da Cruz || Frequentemente, um povo oprimido solicita a intervenção do exército para pôr fim ao ditador. É um equívoco. Não se pode esquecer que os militares são um pilar fundamental que sustenta e mantêm a ditadura, basta lembrar o que as altas patentes dizem quando sentem que a ditadura está sob ameaça de ruir, em virtude da bravura dos indignados.
Mas levantemos a hipótese de que alguns generais influentes, assim como o Chefe do Estado-Maior do Exército, estejam insatisfeitos com a ditadura e derrubem o ditador. Teoricamente, esse grupo poderia ser mais suave no seu comportamento e mais aberto de forma limitada a reformas democráticas. Mas, é mais provável que aconteça o contrário. O mais comum é a instituição de uma “ditadura militar brutal” porque terão controlo do poder não por mecanismos civis, que a democracia exige, mas pela lógica militar, que se traduzirá na destituição de todos os cargos civis antes existentes, e espaços de cidadania democrática.
No contexto de Angola, um golpe de Estado vindo do Exército, colocará hipoteticamente as FAA em guerra com a Guarda Presidencial, com a Polícia de Intervenção Rápida e ainda com o exército paralelo que o ditador criou e o instalou na província do Kuando Kubango, à 5 Km de Menongue e está sob responsabilidade do General-Governador do Kuanza Sul, Eusébio de Brito Teixeira. Aliás, este exército paralelo (milícia especial privada), estacionado no Cunene, foi criado exactamente para intervir em caso de Golpe de Estado. Depois de consolidar sua posição, a nova camarilha pode vir a ser mais cruel e mais ambiciosa que a antiga. Por conseguinte, a nova camarilha ─ em quem foram depositadas as esperanças ─ será capaz de fazer o que quiser sem se preocupar com a democracia ou direitos humanos. Essa não é uma resposta aceitável para o problema da ditadura. Outro indicador de que o generalato não seria boa opção para Angola, é que são tão corruptos e delinquentes quando o ditador que é o Comandante máximo das Forças Armadas e o responsável absoluto de todo sector de defesa e segurança de acordo com o simulacro de Constituição.
Não existem eleições sob ditaduras como instrumento de mudança política significativa. Eleições são simplesmente armas para manter o poder com legitimidade externa e interna frente aos seus parceiros. Ditadores não estão no negócio de autorizar eleições que possam removê-los dos seus tronos. A realidade de Angola é um argumento eloquente para sustentar esta tese.
As forças democráticas íntegras e reais, diante de uma ditadura não podem optar pelas avenidas institucionais e jurídicas para tentar reformas políticas. Nem mesmo a negociação é uma opção viável.
Quando personalidades que dizem lutar para pôr fim à ditadura, criam partidos, ou com os partidos existentes lutam para entrar no parlamento, o propósito é um: ter ganhos económicos pessoais para os membros do partido. Mas também existem pessoas nesta atmosfera hostil que concorrem por ingenuidade. Acreditam que nas instituições de simulacro se pode alterar o quadro.
Na realidade, participar em eleições numa ditadura, é ser usado como instrumento que legitima a ditadura e prolonga a sua vida. Ausência total dos partidos em eleições, coloca o regime autoritário em pressão interna e externa e cai com “facilidade” porque reforça a perda da legitimidade.
A visão de que os oprimidos são incapazes de agir eficazmente, algumas vezes é precisa por um determinado período. Como foi observado, muitas vezes as pessoas oprimidas não estão dispostas e estão temporariamente incapazes de lutar, porque não têm confiança nas suas capacidades para enfrentar a ditadura cruel, e nenhuma maneira conhecida para se salvarem. Por isso, é compreensível que muitas pessoas coloquem sua esperança de libertação nos outros. Esta força externa pode ser a “opinião pública”, as Nações Unidas, um determinado país, ou as sanções económicas e políticas internacionais.
Tal cenário pode soar reconfortante, mas há problemas graves com esta confiança em um salvador externo. Essa confiança pode estar totalmente equivocada. Geralmente, nenhum salvador externo quer ajudar, e se um estado estrangeiro intervir, ele provavelmente não será confiável.
Uma intervenção estrangeira para derrubar a ditadura tem as seguintes implicações e consequências:
- Frequentemente, estados estrangeiros tolerarão, ou até mesmo ajudarão positivamente uma ditadura, a fim de defender seus próprios interesses económicos ou políticos.
- Estados estrangeiros também podem estar dispostos a vender um povo oprimido em vez de manter as promessas de ajudar em sua libertação à custa de outro objectivo.
- Alguns estados estrangeiros agirão contra uma ditadura só para ganhar o controlo económico, político ou militar sobre o país.
- Os estados estrangeiros podem se envolver activamente para fins positivos somente se e quando o movimento de resistência interna já começou a abalar a ditadura, tendo, assim, a atenção internacional direccionada para a natureza brutal do regime.
A intervenção de um Estado estrangeiro, enquadra-se sempre, mas sempre dentro de uma lógica geopolítica e geoestratégica. No caso dos países arrogantes que intervêm, para eles, existem ditadura benigna e ditadura maligna. A ditadura é benigna quando vai de acordo com os interesses de cada país, contribuindo para o alcance de alguns fins nacionais e internacionais. É maligna quando se dá a inversão. Nesta perspectiva, quando o Egipto era ponta de lança dos interesses norte-americanos no Médio Oriente, foi um regime “abençoado” e com apoio financeiro e militar. O mesmo sucede com a Arábia Saudita e outros regimes brutais.
Para a França e a União Europeia, Muammar Gaddafi era um ditador benigno e fundamental para conter a emigração de África para Europa. Era igualmente bom porque financiava campanhas eleitorais de candidatos europeu como Nikolas Sarkozy e garantiu a exploração do hidrocarboneto necessário para o bom funcionamento da economia da zona Euro.
Durante a primavera árabe, quando os ventos da correlação de forças inverteu-se, não houve alternativa se não apoiarem os revolucionários, mas porque precisavam manter os interesses petrolíferos. Todo cuidado é pouco na relação com estes monstros! Tão inconvenientes quanto o inimigo interno: o ditador e seus discípulos.
Ditaduras normalmente existem, principalmente por causa da distribuição interna do poder no país de origem. A população e a sociedade são demasiado fracas para causar à ditadura sérios problemas; a riqueza e o poder estão concentrados em muito poucas mãos. Embora a ditadura possa se beneficiar ou ser um pouco debilitado por acções internacionais, sua existência depende principalmente de factores internos.
Pressões internacionais podem ser muito úteis; mas quando elas estão à apoiar um poderoso movimento de resistência interna. Então, por exemplo, boicotes económicos internacionais, embargos, rompimento das relações diplomáticas, expulsão de organizações internacionais, condenação por organismos das Nações Unidas, e assemelhados podem ajudar muito. Mas, na ausência de um movimento de resistência interna forte, tais acções por outros são improváveis que ocorram.
Fonte: Adaptado do livro de Gene Sharp, “Da Ditadura à Democracia”, e será parte do meu novo livro, “Ferramentas para Destruir o Ditador e Evitar Nova Ditadura”