O falso pluralismo

O falso pluralismo
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[Pt/rmc]

Por Pascual Serrano||O jornalismo, mesmo quando quer aparentar pluralidade, continua sem nos explicar a realidade. Acontece porque em muitas ocasiões não se investiga a verdade, nem se considera importante fazê-lo. O modelo actual de informação acredita que recolher todos os elementos de uma notícia é apresentar as diferentes versões interessadas. Por isso, uma apresentadora de televisão pode informar sobre um derramamento de combustível procedente de um barco encalhado em Algeciras e dizer que, de acordo com quem mede, em referência ao governo ou aos ecologistas, chega a um ou três quilómetros da costa. Mas o jornalismo nasceu para que nos digam qual é realmente a distância do hidrocarboneto até a costa, uma vez que é um dado objectivo, não para que nos transmitam o que disse um político e um ecologista. Outras vezes, o que acontece é que cada meio conta a notícia como verdadeira, enquanto podemos comprovar que se tratam de versões diametralmente opostas segundo o jornal a que consultamos. Em Fevereiro de 2008, o etarra (pessoa que pertence à organização ETA) de Juana Chaos estava em greve de fome e o debate na rua girava em torno de se era acertada a decisão do governo de enviá-lo para casa para que se recuperasse, ou se tratava-se de uma concessão à chantagem do preso. De forma que o jornal El País mostrava a manchete “de Juana continua sem receber qualquer tipo de alimento pelo terceiro dia consecutivo”, e recordava no texto da notícia que ele estava há 111 dias em greve de fome.

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Da mesma forma, dava detalhes sobre os períodos em que esteve se alimentando artificialmente através de uma sonda nasogástrica e nos períodos em que não o fazia, porque o preso a arrancava. Nesse mesmo dia, no jornal El mundo, uma colunista de opinião se referia ao grevista como “esse defunto de cuecas, prendendo a respiração para disfarçar a barriga, no contexto de uma greve de fome de pura ficção, com sondas nasogástricas como acessório e bons pedaços de presunto para matar a fome”. Evidentemente, que afirmar isso no marco de um artigo de opinião não exime da responsabilidade de que seja verdade; ninguém poderá discutir que os dados e informações que estão incluídos no artigo de opinião devem ser reais. É claro que uma das duas versões era mentira, e os leitores de um dos jornais acabaram enganados, e se alguém tentou saber a verdade lendo os dois jornais, ficou sem sabê-la, porque não pode diferenciá-la da mentira. E não devemos esquecer que conhecer questões como essa – se um preso em greve de fome está morrendo ou está comendo presunto – é básico para se interpretar e avaliar a política que um governo está aplicando de enviar para casa ou deixar no cárcere um preso condenado por terrorismo. Algo semelhante acontece com as coberturas das manifestações ou o acompanhamento das greves; os meios evadem sua responsabilidade social de informar com veracidade e se limitam a recolher as versões das partes: delegação do governo frente aos organizadores da manifestação ou sindicatos frente ao sector empresarial na questão das greves. A obsessão por aparentar equilíbrio pode levar a iniciativas absurdas como a do senado romeno que aprovou por unanimidade que na imprensa deve haver obrigatoriamente um equilíbrio entre o positivo e o negativo em suas notícias. Mas existe outra pluralidade ainda mais falsa: a ideológica.

Os meios apresentam polémicas e debates que não são reais porque sempre se mantêm em coordenadas que não afectam o essencial. O leitor ou as audiências acreditam estar assistindo a uma discussão que mostra a pluralidade e uma riqueza de opiniões que comprovam a grandeza da liberdade de expressão, mas estão sendo enganados com uma discussão que se mantém em um espectro ideológico e de cenários muito limitados. Vejamos algum exemplo. Diante da intervenção dos Estados Unidos no Iraque ou no Afeganistão, podemos assistir a um debate que se move entre as posições dos que consideram que os EUA estão em condições de levar a democracia a esses países ou os que afirmam que o custo em vidas e guerra é muito alto e não vale a pena continuar com a presença militar.

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Essa lógica dá como certo que as intenções da intervenção militar são louváveis (defesa dos direitos humanos, levar a democracia…), e outros cenários mentais, como pensar que o objectivo da guerra é o controlo dos recursos ou o fortalecimento da hegemonia norte-americana e israelita, são ignoradas. A interpretação bondosa dos objectivos da intervenção militar com certeza também foi, em seu tempo, um argumento do Império romano, de Napoleão ou da União soviética, e nenhuma análise geopolítica hoje o considerará válido. Entretanto, nas intervenções militares actuais, a teoria que é invalidada é a que hoje temos por certa sobre as guerras de outras épocas. Também é comum dar uma imagem de equidistância que, ao se apresentar sem os elementos de contexto necessários, supõe a impunidade para uma das partes. A BBC apresentou “uma história de violência entre as forças indonésias e as guerrilhas timorenses” com tamanha neutralidade que impedia ao público interpretar que se tratava de uma população que enfrentava um exército invasor que já havia massacrado 200 mil timorenses. Um livro de história apresentaria a França de 1942 como uma crónica de violência entre forças alemãs e guerrilhas francesas, ou diria que a França fora invadida pelo exército nazista contra o qual enfrentava a resistência francesa?

Fonte: In: Desinformação: Como os meios de Comunicação Ocultam o Mundo. 2010, pp.57-59.

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