TECNOESTRESSE E O CUIDADO COMPASSIVO

TECNOESTRESSE E O CUIDADO COMPASSIVO

“(…) que a liberdade on-line não faça com que os outros exerçam poder e controle sobre nós. Que essa loucura toda não nos leve a perdermos a espontaneidade, a criatividade e o cuidado compassivo”

Crisóstomo Ñgala│ Nos últimos dias temos testemunhado instantes excepcionais. O novo coronavírus, covid-19, levou a humanidade a viver uma ordinariedade extraordinária. O lockdown tem sido a melhor opção para o momento, apesar da preocupação com a situação económica dos países. (Aqui a questão não está entre salvar vidas ou proteger a economia. Mas identificar e questionar o valor daquilo pelo qual damos vida). Praticamente, todos fomos pegos de surpresa. Da noite para o dia, já não podemos viajar, não nos podemos abraçar e, inclusive, o distanciamento um do outro tornou-se sinónimo de cuidado, protecção e empatia. Aplausos para o “vírus chinês”, como diria Trump. Mais aplausos para essa “gripezinha”, segundo Bolsonaro.

Por serem dias de experiências intensas e novas, também novos equívocos nascem, ressurgem e se propagam. Um deles é o do ‘isolamento social’. Isolamento social? Em pleno século da era digital, somente é possível o distanciamento físico, e não o isolamento social. Pois, só fica isolado quem quer e quem pode, ao menos daqui da cidade imperial de Petrópolis – RJ – onde estou confinado, vejo que até mendigos têm WhatsApp. Ou seja, não é um fenómeno recente e novidade de 2020 que a nossa socialização se dá de diversas maneiras! Podemos estar conectados real, intencional, sacramental ou virtualmente. Obviamente, uma coisa é a conexão via redes e teias virtuais e sob a lógica do sistema binário e algoritmos, e outra coisa é o contacto real, pessoal e presencial. Ambos são insubstituíveis. Daí a comunicação ter desempenhado sempre um importante papel ao longo dos tempos, porque somos seres em relação. E em nossos dias, a aposta na tecnologia tem revelado descobertas incríveis que permitem estreitar os laços entre humanos em tempo real.

A tecnologia vem mudando nossa capacidade cerebral e de interação, faz tempo. O Facebook, WhatsApp, Google e companhia limitada, tornaram-se plataformas obrigatórias. Mas há experiências que não se acham no Google. Se o distanciamento físico se faz necessário, praticamente não quer dizer que amputamos a nossa socialização, com isso vivendo momentos de isolamento social. Não. Coisa que nem eremitas, monges ou ascetas suportam.

Porém, se as ruas, parques, escolas ou templos religiosos estão desertos, se as aglomerações têm sido proibidas, o acesso aos meios electrónicos, que há bem pouco tempo eram apontados como fomentadores do individualismo, hoje permitem-nos criar interacções significativas, premissa básica para uma vida feliz (a interação).

Os meios tecnológicos por serem apenas meios, apesar de agora serem mesmo meios necessários, o seu estímulo também tem implicações. Ou seja, tal como em tudo, o excesso faz mal, como se diz no jargão popular. O frequente uso desses meios e ferramentas tecnológicas e digitais também acarreta consequências negativas. Um deles é o tecnoestresse, ao menos assim o diz Larry Rosem, professor de Psicologia na Universidade Estadual de Califórnia e autor de “A mente distraída”.

O tecnoestresse, segundo o entendimento dos psicólogos, é todo problema provocado pelo estímulo tecnológico. Em Angola, por exemplo, desde que o Presidente da República decretou o Estado de Emergência, as empresas que prestam serviços nas áreas de telecomunicações móveis e de internet, estão a oferecer de forma esporádica a algumas pessoas, um pacote gratuito para cativa-las a permanecer em casa. É uma forma de distrair e atrair mais pessoas a aderirem ferramentas ligadas a Tecnologia de Comunicação e Informação (TIC). Porém, a inadaptação e a conexão frequente de inúmeros cidadãos por meio das TICs têm feito com que estes desenvolvam a síndrome da tecnoestresse. Uma das manifestações dessa síndrome é a dificuldade de concentração, ansiedade, fadiga, ineficiência, etc.

Assim, muitos de nós perdemos a capacidade de priorizar, procrastinamos muito mais e reclamamos não ter tempo, mesmo estando desocupados ou a não executar outras tarefas senão estando grudados ao smartphone e checar perfis, vendo memes, postando no status…

Estudos recentes apontam que quanto mais nos preocupamos com os outros, maior é a chance de sermos felizes. Há uma diferença abismal entre expressar empatia por meio de um celular, do que fazê-lo pessoalmente. Daí o anseio de muitos de nós pelo retorno à normalidade. Estamos todos na expectativa do day after COVID-19. Não somos poucos os que estamos fartos das redes sociais. O excesso de redes sociais e o exagero da vida ultraconectada dá nessa loucura toda: muito estresse e fadiga mental, fraca capacidade de priorizar, fazer várias coisas ao mesmo tempo… Muitos de nós, querendo ou não, temos que continuar a estar em aulas (claro, em Ensino a Distância – EaD néh!?), temos que trabalhar em home office e nos aplicar no smart working.

Que não percamos a nossa auto-estima. Que pensemos nos outros, mas que a liberdade on-line não faça com que os outros exerçam poder e controle sobre nós. Que essa loucura toda não nos leve a perdermos a espontaneidade, a criatividade e o cuidado compassivo, que segundo Kai-Fu Lee, em Inteligência Artificial, são as únicas coisas que os robôs e algoritmos não são capazes de realizar. Que maximizemos a nossa singularidade humana. Que nos ocupemos com o que dá sentido à vida e produz felicidade. Que tenhamos relacionamentos sadios. Que aprendamos a valorizar mais a economia invisível e silenciosa do trabalho doméstico! Pois, não está fácil fazer do nosso quarto, de nossa casa e de nosso recinto de confinamento quality land.

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