Declaração Universal dos Direitos do Homem: Liberdade de opinião e de expressão (2/3)

Declaração Universal dos Direitos do Homem: Liberdade de opinião e de expressão (2/3)

João dos Santos │”Todo o individuo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e de procurar, receber e difundir, sem considerações de fronteiras informações e ideias por qualquer meio de expressão”(Art. 19º da DUDH).

Este artigo declara dois tipos de liberdades: a «liberdade de opinião» e a «liberdade de expressão». Estas duas liberdade inerentes à natureza humana constituem, tal como já avançamos, dois seguimentos do Princípio da Liberdade que aparece como princípio geral. Por agora, vamos nos centrar nestas duas liberdades, de modo a fixarmos o seus sentidos e alcance.

Opinião (do latim: opinio) é, segundo o Dicionário de Língua Portuguesa, maneira de pensar, de ver ou de julgar, julgamento pessoal sobre determinado assunto.

O art. 19º da DUDH não define a liberdade de opinião, simplesmente, limita-se a dizer que a liberdade de opinião implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões.

Esta ideia de liberdade de opinião avançada pelo art. Supracitado, esvazia por completo o conteúdo deste seguimento do Princípio da Liberdade, visto que, a liberdade de opinião, comporta um teor que vai para além do simples direito de ser inquietado pelas suas opiniões, ela também vai pressupor o direito de criação de um ambiente que possibilita a formulação de opiniões, o dever dos órgãos públicos de absterem-se na formulação e manifestação de opiniões de modo a não pôr em causa o exercício desta liberdade.

Assim sendo, liberdade de opinião vai ser, no nosso entender, o conjunto de condições que permitam o individuo fazer julgamento sobre determinado assunto sem nenhum impedimento e sem interferir com a liberdade alheia.

Por sua vez, a «expressão» entende-se a manifestação de pensamento por gestos ou palavras. Este conceito de «expressão» é, pois, um conceito comum. Porém, diferentemente da liberdade de opinião cujo conceito é menos desenvolvido,  o art. 19º da DUDH trás um conteúdo um pouco mais alargado da «liberdade de expressão».

Segundo o declarado no artigo em análise, a «liberdade de expressão» significa o conjunto de condições que permitem ao individuo, sem nenhum impedimento e sem interferir com a liberdade alheia, de: (i) procurar informações e ideias por qualquer meio de expressão, sem consideração de fronteiras., (ii) receber informações e ideias por qualquer meio de expressão, sem consideração de fronteira., e (iii) difundir informações e ideias por qualquer meio de expressão, sem consideração de fronteiras.

Procurar informações e ideias por qualquer meio de expressão, sem consideração de fronteiras. Neste âmbito, a liberdade de expressão implica que as autoridades públicas e privadas não possam criar obstáculos a qualquer indivíduo que pretende recolher informações de interesse pessoal ou de interesse público, pelo contrário, as autoridades públicas e privadas devem sempre cooperar na permissão do acesso aos dados que se encontram sob seu controle. Esta recolha poderá ser feita por qualquer meio de expressão, sem levar em conta os limites fronteiriços.

Receber informações e ideias por qualquer meio de expressão, sem consideração de fronteira. Nesta dimensão, a liberdade de expressão significa que  todo e qualquer individuo lhe deve ser garantido todas as condições necessárias para obter informações e ideias que considere pertinentes, por qualquer meio de expressão, sem ter em conta os limites fronteiriços.

Difundir informações e ideias por qualquer meio de expressão, sem consideração de fronteiras. Este último, implica que nenhum indivíduo deve ser censurado na divulgação de informações e ideias que poderá fazer por qualquer meio de expressão e sem consideração de limites.

Nota que, o exercício da liberdade de expressão encontra-se, quase sempre, condicionado à existência de um «meio de expressão». Um meio de expressão é toda fonte ou canal através do qual o indivíduo pode exercer a liberdade de expressão. São meios de expressão: a rádio, a televisão, os jornais, a Internet, entre outros.

Há uma relação muito estreita, senão de dependência, entre a liberdade de opinião e de expressão. Na verdade, o exercício da liberdade de opinião, em muitos casos, implicará o exercício da liberdade de expressão, por exemplo, o indivíduo que se dirige ao seu governo criticando a implementação de uma política pública que entende ser agravante para mobilizar determinada área de um sector social, certamente, a sua opinião, não só vai pressupor o recurso a um meio de expressão, como também o exercício da liberdade de expressão.

ANTECEDENTES HISTÓRICOS-NORMATIVOS DO ART. 19º DA DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DO HOMEM           

A Magna Carta. Outorgada pelo Rei João Sem Terra em 1215.”É um documento que fazem parte dos antecedentes históricos-normativos do art. 19º da DUDH, pois, embora não consagrasse de forma expressa a liberdade de opinião e de expressão, “destinava-se a salvaguardar a liberdade pessoal perante o abuso do poder” (António, Op. Cit., p. 25). A Magna Carta surge num contexto em que o Poder Eclesiástico vigora na Europa medieval, onde, tal como já avançamos, e a liberdade de opinião e de expressão eram sistematicamente coartadas.

Em 1628, o Parlamento Inglês aprovou e apresentou ao Rei D. Carlos I a Petition of Right, que veio modificar a Magna Carta e sublinhou a necessidade de existir um Estado de direito (Idem, p. 31).

Em 1689, o Parlamento Inglês impôs ao Príncipe Guilherme Orange (Gulherme II) O Bill of Rights, que introduziu na ordem jurídica britânica a lista das imunidades e dos direitos reclamados na Petition of Right, e reconheceu explicitamente os direitos naturais. (Idem, p. 31).

Segundo António José Fernandes: “Os direitos consagrados na Magna Carta, na Petition of Right, no Habeas Corpus  Act e no Bill of Rights foram alargados aos territórios coloniais ingleses e conhecidos por muitos dos que habitavam estes territórios, tendo contribuído para fomentar e fundamentar a Revolução Americana e a Revolução Francesa (Idem, p. 32).

Declaração dos Direitos de 1776.Votada pelos representantes do povo de Virgínia, em 1 de Junho de 1776, a Declaração dos Direitos é também um dos documentos que fazem parte dos antecedentes históricos do art. 19º da DUDH, pois estabelecia as condições exigidas para garantia legal dos direitos civis e das liberdades de consciência, de opinião e de informação.

“A Declaração dos Direitos – o Bill of Rights norte americano – completou a Constituição americana sob a forma de dez aditamentos (emendas), consagrando legalmente: a liberdade de opinião e de expressão” (Idem, p. 37).

           

Declaração dos Direitos do Homem e dos Cidadão de 1789. A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, também chamada de «Declaração das Liberdades», aprovada aos 26 de Agosto de 1789, pela  Assembleia Nacional Constituinte francesa é, indubitavelmente, o documento que mais inspirou a elaboração da DUDH, no que tange aos direitos e liberdades nela consagrados, mormente, a liberdade de opinião e de expressão.

A declaração foi proclamada depois da queda do Estado Absoluto francês e “consagra os direitos fundamentais subjacentes à filosofia do individualismo liberal, considerando-os anteriores à sociedade politicamente organizada, absolutos, imutáveis e intemporais, inerentes ao ser humano, impondo-se a qualquer ordem jurídica” (Idem, p.41).

A liberdade de opinião, de expressão e de comunicação vem consagrado expressamente nos artigos 10º e 11º, nos termos dos quais “ninguém deve ser molestado pelas suas opiniões, desde que a sua manifestação não perturbe a ordem pública estabelecida pela lei” (art.10); “a livre comunicação dos pensamentos e das opiniões é um dos direitos mais preciosos do homem; todo cidadão pode falar, escrever, imprimir livremente, salvo se abusar dessa liberdade nos casos determinados pela lei” (art. 11).

APLICAÇÃO DO ART. 19º DA DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DO HOMEM NA ORDEM EXTERNA E INTERNA

Aplicação na Ordem Jurídica Internacional. A DUDH e, consequentemente, o seu art. 19º é aplicada[o] na ordem jurídica internacional através do Pacto Internacional dos Direitos Civis e políticos (PIDCP) de 1966.

A DUDH, pela sua própria natureza [uma declaração] não tem efeito vinculativo. As declarações são, regra geral, documentos produzidos no fim de Encontros ou Conferências Internacionais, quando não se destinem a ser Trados Internacionais «próprio sensu», passam a ter um valor meramente político-histórico, espalhando as posiçoes assumidas pelos diferentes sujeitos representados.

Tendo em conta a pertinência dos valores jurídicos e humanos aí proclamados, a ONU entendeu elaborar, em 1966, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Político (PIDCP), com objectivo de “dotar os direitos humanos elencados na DUDH, de um carácter vinculante” (Bittar e Almeida, Op. Cit, p. 729).

O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP) apesar de ser elaborado em 1966, só entrou em vigor na ordem jurídica internacional no ano de 1976, tendo sido já, actualmente, ratificado por 137 países. Tal como já referimos, o PIDCP tem como desiderato tornar vinculante os valores jurídicos e humanos declarados na DUDH, que até então, tinham simplesmente uma natureza facultativa. Os estados partes e os estados aderentes ao PIDCP são obrigados, não só a observarem, como também e criarem mecanismos de protecção dos direitos e liberdades contidos no mesmo, que no fundo são os mesmos contidos na DUDH.

Nota: Este artigo terá continuidade.

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