DESCONSTRUÇÃO DA NARRATIVA RACIAL

DESCONSTRUÇÃO DA NARRATIVA RACIAL

Esperança Gonga*│ Fala-se tão pouco sobre racismo. E essa gota discursiva, ainda assim é distorcida. É importante, necessário e urgente que se aborde este assunto. Problema moral e criminal que ao longo dos tempos, tem causado tanta desestabilização emocional às vítimas. Confunde-se racismo com xenofobia. De acordo com Domingos da Cruz (2019), o racismo pode ser entendido, como o ódio que o criminoso alimenta, em relação à vítima por ter fenótipo diferente. Sentimento que se traduz em acções concretas contra o alvo do ódio.

Este não é um tema fácil, nem mesmo prazeroso de o abordar, por razões óbvias. Note que o objectivo é promover mudança de mentalidade e comportamento, para que as pessoas despertem do “adormecimento” e saiam desse atraso civilizacional…

Seria bom se no tempo a que se chama hoje, as pessoas dedicassem, ou gastassem sua massa cinzenta para discutir questões como sustentabilidade ecológica, aquecimento global, poluição em sentido lato, ecossistema, inteligência artificial, medicina de alta precisão, agricultura vertical, etc.

Infelizmente, um grupo cujo critério de acção livre é o fenótipo, decidiu involuir no tempo, usando da prática racista para agredir verbal e fisicamente, aprofundando estereótipos sobre o Outro, que neste contexto é uma vítima; “laminando-a”, inferiorizando-a, no aspecto intelectual, emocional, moral e social.

foto/ rmc – Divulgação

Todos os estereótipos criados são infundados, descabidos e sem nenhum sentido. É repudiante e deselegante o comportamento racista. Os racistas enganam-se a si mesmos. Agarrados ao orgulho bacoco, fechando voluntariamente os olhos a realidade evidente em si. 

Afinal o que originou o racismo? Quais foram as motivações que levaram a essa prática criminosa?

A medida que se foi construindo essa narrativa, foi-se perpetuando na consciência do “grupo auto-eleito” o ódio pelo diferente. Segundo Garcia (2005:58-59), o racismo está ligado ao ódio, a indiferença insensível, a desconsideração e hostilidade contra as pessoas designadas como uma “raça” alvo.

Moore (apud Cruz: 12), remete as origens do racismo num tempo demasiado distante…, ele ressignifica o racismo como uma questão de poder, o que significa que é um problema com origens essencialmente sociopolítica.

A teoria evolucionista de Darwin ─ selecção natural das espécies ─ que tem pontos de convergência análogos possíveis com a visão sobre a luta de classe de K. Marx, encontra acolhimento perfeito nos indivíduos racistas.  O racista, na sua compreensão supremacista, acredita ser o mais apto, por isso, deve exterminar o diferente e sobreviverá para conduzir a história do mundo.

Em termos análogos, essa filosofia resume bem o comportamento racista. E assim, se foi perpetuando de mente em mente, de geração em geração. Os jovens cujo acidente existencial levou-os a nascerem brancos, em sociedades nas quais o racismo foi normalizado, foram deixados aquém da verdade, ou seja, na ignorância (L. Thuram, 2013).

foto/ Ilustração de Bárbara Castrejón.

Hoje, se pode provar totalmente o contrário da narrativa supremacista. Aliás, desde sempre foi assim, infelizmente tais feitos e génios criativos de outras civilizações foram sempre escondidos e certas informações manipuladas, como foi o caso da mulher negra que inventou o GPS, Gladys West (Conf. NEXO). Os racistas continuam a enganar-se a si mesmos, fechando os olhos voluntariamente para os factos; do poder do cérebro cuja capacidade criativa erradia em todos os tempos e lugares, independentemente do fenótipo!

«O racismo construído ao nível da filosofia tem posições de uma execralidade tão chocantes ao ponto de colocar a inferioridade negra/o relacionado ao espermatozóide como sendo inferior em qualidade fecunditaria, logo, de tal inferior qualidade deriva a inferioridade moral, intelectual e correlativas dos seres humanos detentores de alto teor de melanina» (Cruz, 2019). Como é possível caber tanta ignorância na consciência colectiva de agrupamentos humanos?!

Há todo um conjunto de saber técnico-científico que comprovam que a melanina desempenha um importante papel, (para não dizer essencial) para a pele do indivíduo. Actua como protector contra os raios ultravioletas, minimizando assim os danos que levam ao surgimento de câncer de pele.

A diversidade faz o universo. É possível vivermos de uma forma sã e organizada na diversidade. O segredo está em respeitar as diferenças como um princípio para a paz.

São tantas questões envolvidas. Tratando-se do comportamento humano, a psicologia permite-nos analisar e compreender o agir, assim como a neurociência ajuda-nos a entender o que ocorre na mente de pessoas que estão diante de situações de risco. Estudiosos destas áreas afirmam que nestas circunstâncias o cérebro acciona o instinto de sobrevivência, tendo como mecanismo de defesa o ataque. Há medo entre os racistas. Para este grupo, o Outro representa o risco.

Ora, o cérebro humano, frui do prazer ao concretizar um acto maldoso; o cérebro activa o sistema de recompensa e libera dopamina e endorfina ─ hormónios do prazer ─ que ao mesmo tempo causam a sensação de bem-estar. É exactamente assim que o racista se sente.

O racismo e o acto racista, estão associados e relacionados ao medo cego de perder o poder, de perder o domínio, sentem-se ameaçados, têm medo de serem humilhados. O fim do racismo se traduziria em partilha de controle de recursos e poder. Isso gera pânico!

Foto/ Ilustração em rmc

O racista se parece ao sociopata. Não sente culpa ou remorso. É fingido. São pessoas que demostram empatia cognitiva, e não empatia afectiva. São pessoas com défice de oxitocina ─ o hormónio do amor ─, em contra partida, liberam muita adrenalina, o que faz com que desencadeiem o medo, (que na minha opinião é um medo irracional).

O facto é que esse comportamento racista, tem gerado muitos estragos às vítimas, principalmente do ponto de vista emocional. É angustiante, stressante, desestabilizador, frustrante, ser alvo deste crime.

É necessário que essa prática tenha uma moldura penal dura, e que os criminosos sejam responsabilizados pelos danos emocionais e físicos. As entidades responsáveis pela aplicação da lei e não só, devem mover-se com urgência.

Para reafirmar o princípio da igualdade, a Constituição da República de Angola, no artigo 23 estabelece: «1. Todos são iguais perante a constituição e a lei. 2. Ninguém pode ser prejudicado, privilegiado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão da sua ascendência, sexo, raça, etnia, cor, deficiência, língua, local de nascimento, religião, convicções políticas, ideológicas ou filosóficas, grau de instrução, condição económica ou social ou profissão».

«Qualquer discriminação é aborrecível a Deus. É-lhe desconhecida qualquer coisa dessa natureza. Aos Seus olhos, a alma de todos os homens é de igual valor. De um só, fez toda a geração dos homens, para habitar sobre a face da terra.» (E. White: 282). «Pois em Deus não há parcialidade de pessoas.» (Romanos 2:11).

De facto, este assunto é de extrema importância. E há uma grande necessidade que se discuta, que se debata sobre o racismo hoje, se quisermos viver num mundo equilibrado, onde as relações são saudáveis e vividas em harmonia; onde haja oportunidades que nos permitem desfrutar dos bens e serviços nas mais variadas dimensões e sectores, tais como a saúde, habitação, alimentação, educação, emprego, estejam ao alcance de todos e distribuídos de forma equitativa.

Portanto, os jovens não podem ser deixados na ignorância relativamente a este assunto grave. É necessário consciencialização que passe da teoria à prática.

*Psicóloga Clínica.

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1 Comentário

  1. Manuel Nambua

    O Racismo foi implementando pela elite dominante surge com propósitos de inferiorizar os povos colonizado.
    Infelizmente em Angola pouco se fala dessa temática, mas em várias instituições sociais é notório o racismo estrutural, onde muitos são privilegiado em função da cor etc.
    Grada Kilomba dizia que muitas pessoas praticam o racismo de várias formas e muitos nem se quer se aperceberem das tais práticas.

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