Declaração Universal dos Direitos do Homem: Liberdade de opinião e de expressão (3/3)

Declaração Universal dos Direitos do Homem: Liberdade de opinião e de expressão (3/3)

João dos Santos │A abertura tímida para o exercício dessas liberdades teve lugar em 1992 com as assinaturas dos Acordos de Bicesse e a institucionalização da democracia formal. Porém, apesar da institucionalização da democracia que permitiu o pluralismo de expressão, assistia-se ou assiste-se ainda vários casos de ofensa às liberdades de opinião e de expressão levados a cabo pelas autoridades públicas, e envolve ameaças e até mortes de jornalistas, políticos e cidadãos comuns.  

Aplicação na ordem jurídica interna. Angola aderiu ao Pacto Internacional dos Civis e Políticos, no dia 27 de Dezembro de 1991, com a aprovação da Resolução nº 26-B/91 de 27 de Dezembro (AJPD, 2017, p. 36), como consequência, vinculou-se ao mesmo, ficando obrigado, não só a respeitar, como também a garantir a todo o indivíduo que se encontra no seu território e esteja sujeito a sua jurisdição, os direitos e as liberdades reconhecidos no pacto, sem qualquer distinção, tal como vem estipulado no nº. 1 do art. 2º, segunda parte do PIDCP.

Dentre as liberdades reconhecidas no pacto e que precisam de ser respeitadas e garantidas por Angola, estão a liberdade de opinião e de expressão nos parágrafos 1 e 2 do art. 19º.  Para além do art. 19º da Declaração Universal dos Direitos Humanos e o art. 19º do PIDCP, a liberdade de opinião e de expressão encontram-se também consagrados na Constituição da República de Angola no seu art. 40º.

A grande questão que se levanta no caso de Angola é a de saber até que ponto são exercidas na prática essas duas liberdades, sendo certo que o exercício dessas liberdades encontram-se condicionados “em parte” pelos chamados meios de expressão (rádio, televisão, jornais, Internet, etc) e que, como sabemos, estes são fortemente controlados pelo partido no poder.

Ora, desde a independência de Angola proclamada pelo MPLA, a 11 de Novembro de 1975, que se instalou um sistema de partido único, onde o pluralismo de expressão não tinha espaço, o exercício da liberdades de opinião e de expressão eram fortemente combatidos, quando, no caso pusessem em causa a ideologia adoptada pelo MPLA.

A abertura tímida para o exercício dessas liberdades teve lugar em 1992 com as assinaturas dos Acordos de Bicesse e a institucionalização da democracia formal. Porém, apesar da institucionalização da democracia que permitiu o pluralismo de expressão, assistia-se ou assiste-se ainda vários casos de ofensa às liberdades de opinião e de expressão levados a cabo pelas autoridades públicas, e envolve ameaças e até mortes de jornalistas, políticos e cidadãos comuns.

Só para exemplificar alguns, temos o “Caso Ricardo de Melo”. Fernando Ricardo de Melo era um jornalista nascido em Cabinda, director e principal redactor do bissemanário Imparcial Fax, uma publicação inicialmente distribuída via fax.  Na madrugada de 18 de Janeiro de 1995, Ricardo de Melo, seria morto a tiro quando subia as escadas do prédio onde vivia, em Luanda. Tinha 38 anos. O seu corpo foi encontrado já sem vida, por uma criança às 6 horas , no corredor de um andar abaixo, e alertou a sua esposa Arminda Mateus. O director do Imparcial Fax tinha fontes que o permitiam saber, com celeridade, detalhes de reuniões restritas dirigidas por José Eduardo dos Santos, o então presidente de Angola, assim como acedia a informações confidenciais sobre o modus operandi da UNITA. Há ainda o conhecido caso «batom da ditadura» ligado ao jornalista Rafael Marques que lhe custou um processo judicial. Em adição: a morte misteriosa do professor e político Nfulumpinga Nlando Victor que era conhecido pelas suas intervenções a desfavor do regime do MPLA, na era de José Eduardo dos Santos.

Actualmente, com a eleição de um novo presidente de Angola, também o líder do partido que detém o poder desde a independência (MPLA), o exercício das liberdades de opinião e de expressão vão ganhando espaço, apesar de ainda se assistir os vários actos de censura nos meios de comunicação estatais (Rádio Nacional de Angola, Televisão Pública, Jornal de Angola e a Agência de Notícias de Angola).

Francisco Vidal. Catinga// oil and acrylic on canvas// 200×200 cm// 2018.

Conclusão

Chegado a até aqui, podemos concluir que a liberdade é um direito inerente a natureza humana. O homem, pelo simples facto de o ser, é um ser portador de um conjunto de valores inerentes a sua própria natureza, valores estes que são uma condição sem a qual não se pode viver em plenitude.

A consagração da liberdade de opinião e de expressão na Declaração Universal dos Direitos Humanos, no seu art. 19º, constitui um acto de conquista pela família humana, pois, durante longo período da história, a família humana viu-se impossibilitada de usufruir do conjunto de valores e princípios fundamentais inerentes a sua própria natureza, onde a liberdade de opinião e de expressão não ficaram de parte. A conhecida “noite de mil anos” que foi um período de automação dos valores humanos naturais, contribuiu bastante na inibição da liberdade de opinião e de expressão através de institucionalização de um sistema inquisitorial controlado pelo Poder Eclesiástico. A filosofia antropocentrista que orientou a era da revolução, trouxe de volta à humanidade àquilo que ninguém os podia tirar: «a sua dignidade». O reconhecimento da dignidade humana pelo homem obrigou o mesmo a lutar e tornar efectivo àquelas condições de sua existência: “os direitos e as liberdades inerentes à natureza humana”.

A pertinência das liberdades de opinião e de expressão enquanto valores inerentes à natureza humana, a vontade de ver esses valores respeitados e efectivados pela comunidade internacional, deram lugar a necessidade de elaborar um documento de caris internacional [Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos] que vinculasse os Estados no plano internacional. Por outra, a percepção humanista das liberdades de opinião e de expressão, bem como a compreensão do sentido e do alcance dessas duas liberdades na DUDH, dá-nos a ideia geral da dimensão formal e substancial, no plano universal, do art. 19º da DUDH.

No plano interno, para se ter a ideia da dimensão formal do art. 19º da DUDH, considera-se ainda, para além do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos que vincula o Estado angolano, a Carta Magna da República de Angola, onde é possível ver consagrado as liberdades de opinião e de expressão no seu 40º. Todavia, apesar de um todo sistema legislativo, nota-se ainda em Angola, muitos casos que atentam contra esses valores fundamentais da natureza humana.

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