Direito de reunião e de manifestação na ordem jurídica internacional

Direito de reunião e de manifestação na ordem jurídica internacional

Manuel Ngangula*ǀNo plano internacional, a Declaração Universal dos Direitos Humanos situa-se no topo da hierarquia quanto a matéria de direitos do homem visto no plano imanente – como direitos inerentes à pessoa humana.

Muito a doutrina esboçou sobre tal importante matéria no quadro dos direitos humanos no ordenamento jurídico internacional, o qual incidiremos para efeitos conceptuais.

Os direitos humanos são inerentes a qualquer pessoa, sem quaisquer discriminações, revela o fundamento anterior desses direitos relativamente a toda forma de organização política, o que significa que a protecção dos direitos humanos não se esgota nos sistemas estatais de protecção (…), ultrapassando as fronteiras nacionais até chegar ao patamar em que se encontra o Direito Internacional Público (Valerio Mazzuoli, in Direito Internacional Público pp. 804 e seguintes).

Os direitos humanos e direitos fundamentais, se confundem, querem significar uma mesma realidade vista de vários pontos de vistas.

Direitos Humanos é a expressão de cunho mais naturalista do que jurídico-positivo; série de direitos naturais ainda não positivados aptos à protecção global do homem e válidos em todos os tempos. Os Direitos Fundamentais correspondem a expressão mais afecta à protecção constitucional dos direitos dos cidadãos, esta ligada aos aspectos constitucionais internos de protecção, porque já se encontram positivados nas Constituições contemporâneas, ou seja, são direitos garantidos e limitados no tempo e no espaço, vigentes numa ordem jurídica concreta. Já os Direitos Humanos são, por sua vez, direitos inscritos (positivados)) em tratados ou em costumes internacionais. São aqueles direitos que já ascenderam ao patamar do Direito Internacional Público (Ob. cit.). Sem sombra para dúvidas, neles se enquadra o direito de reunião e de manifestação amplamente difundidos em diversos instrumentos jurídicos internacionais sobre a matéria.

O Estado angolano vincula-se a toda a matéria que se insere no quadro dos direitos fundamentais consagrados na Constituição da República de Angola, CRA, constantes em leis e regras aplicáveis ao direito internacional, nos termos do art. 26.º, n.º 1 da CRA.

Para já, por força daquele preceito constitucional, os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretadas e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, a Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos e demais tratados internacionais sobre a matéria de que Angola seja parte (ratificado), nos termos do art. 26.º, n.º 2 da CRA.

No capítulo II da Constituição da República de Angola, CRA, está inserida a matéria da panóplia dos Direitos, Liberdades e Garantias Fundamentais. É neste quadro onde encontramos, entre outros, a garantia da liberdade de reunião e de manifestação no art. 47.º que reza no seu nº1: “é garantida a todos os cidadãos a liberdade de reunião e de manifestação pacífica e sem armas, sem necessidade de qualquer autorização e nos termos da lei”. Sendo que o n.º 2 refere que as reuniões e manifestações em lugares públicos carecem de prévia comunicação a autoridade competente nos termos e para os efeitos estabelecidos na lei”.

Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias fundamentais, são directamente aplicáveis, prescindindo assim da necessária intermediação de norma da lei ordinária e vinculam todas as entidades públicas e privadas (art. 28.º, n.º 1 da CRA), incluindo nesta panóplia os princípios e regras aplicáveis sobre a matéria constantes nos instrumentos internacionais de que Angola seja parte, e não podem ser restringidos por lei senão nos casos expressamente admitidos pela Constituição, nos termos do art. 57.º, n.º 1 da CRA.

Quais são esses instrumentos jurídicos internacionais que tratam dos direitos humanos, internamente entendidos como direitos fundamentais?

Já dissemos que a Declaração Universal dos Direitos do Homem situava-se no topo da hierarquia. Temos ainda o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, de 4 de Novembro de 1950, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, de 1969, a Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos em destaque, havendo outros instrumentos na ordem internacional que, igualmente, versam sobre a matéria mas que, por economia de tempo não nos debruçaremos, fazendo apenas uma estatística deles.

É no âmbito dos Direitos do Homem, diríamos direitos humanos, onde encontramos um manancial de princípios que enformam o direito de manifestação e de reunião que nos debruçaremos detidamente para entendermos seu regime.

Existem por conta da existência destes Direitos Humanos, no plano internacional, consagrados e recepcionados nos diversos ordenamentos jurídicos internos dos chamados Estados soberanos, instituições internacionais que servem de garante à concretização e protecção contra a violação desses direitos – como são o caso da própria Organização das Nações Unidas, ONU, O Tribunal Internacional de Justiça, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, a Comissão Africana dos Direitos do Homem e dos Povos, que actuam, quanto a sua competência, no âmbito global e regional, reservaremos algumas considerações sobre o estatuto destas instâncias judiciais internacionais.

A ONU é a principal organização global cujo objectivo é manutenção da paz, a cooperação e amizade entre as nações, nos termos do art. 1 da Carta das Nações Unidas, tendo instituído o Tribunal Internacional de Justiça como principal órgão judicial das Nações Unidas, nos termos do art. 92.º da Carta fundadora.

Nos termos do art. 34.º do Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça, só os Estados é que poderão ser partes em causas, sendo que a competência do Tribunal abrange todas as questões que as partes lhe submetam, bem como todos os assuntos especialmente previstos na Carta, em tratados e convenções em vigor.

Foto/rmc.

Quer isto dizer que qualquer violação à Declaração Universal dos Direitos do Homem e demais convenções sobre a matéria podem ser submetidas à apreciação do Tribunal Internacional de Justiça, cabendo legitimidade ao Estado em causa, o que tratando-se de direitos intimamente ligadas às pessoas, consideradas individualmente tem reduzido a eficácia do referido instrumento de garante dos Direitos do Homem no plano internacional, em caso de violação dos direitos pelo próprio Estado em que o cidadão é nacional.

A Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos criada junto da união Africana, designada como “a Comissão” está encarregada de promover os Direitos Humanos dos Povos e de assegurar a respectiva protecção em África (art. 30.º da Carta).

Quanto as competências da Comissão, ela tem como missão, nos termos do art. 45.º da Carta, a) promover os direitos humanos e dos povos, nomeadamente, reunir documentação, fazer estudos e pesquisas sobre problemas africanos no domínio dos direitos humanos dos povos (…), dar pareceres ou fazer recomendações aos governos e, b) assegurar a protecção dos direitos humanos e dos povos nas condições fixadas pela Carta.

A Comissão só pode deliberar sobre uma questão que lhe foi submetida depois de ter assegurado de que todos os recursos internos, acaso existam, forma esgotados, salvo se for manifesto para a Comissão que o processo relativo a esses recursos se prolongue de modo anormal. Vê-se aqui nesta instância, diferente do tribunal Internacional de Justiça, que as pessoas individualmente consideradas podem recorrer à Comissão, quando vêm violados os seus direitos fundamentais consagrados nos instrumentos internacionais e recebidos nas respectivas ordens internas, depois de esgotados os mecanismos internos de defesa destes.

Na apreciação destas matérias são aplicáveis princípios inspirados no direito internacional relativo aos direitos humanos e dos povos nas disposições da Carta das Nações Unidas, a carta da ONU, Declaração Universal dos Direitos do Homem e disposições dos instrumentos adoptados pela ONU, a título de exemplo, o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos.

Nos termos do art. 1.º da Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos, os Estados membros da União Africana, Partes da presente carta reconhecem os direitos, deveres e liberdades nesta Carta e comprometem-se a adoptar medidas legislativas ou de qualquer outra natureza…

É ao abrigo do art. 11.º da Carta Africana dos Direitos do Homem, onde está consagrada no plano regional, no direito internacional, o direito a manifestação e reunião. Toda a pessoa tem direito de se reunir livremente. Este direito exerce-se sob a única restrições necessárias estabelecidas pela lei, necessária à protecção e segurança nacional, da ordem, da moral ou dos direitos e liberdades das pessoas.

Nos termos do art. 20.º, n.º 1 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, toda a pessoa tem direito à liberdade de reunião e de associação pacífica. Em termos precisos, fica consagrada de forma universal o direito de reunião e manifestação no plano global.

Nos termos do art. 21.º do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, é reconhecido o direito de reunião pacífica. O exercício deste direito só pode ser objecto de restrições previstas na lei, necessárias numa sociedade democrática no interesse da segurança nacional (…), a moral ou os direitos e liberdades de outrem.

A Convenção Europeia dos Direitos Humanos, no seu art. 11.º estatui que “qualquer pessoa tem direito à liberdade de reunião pacífica e a liberdade de associação, incluindo o direito de, com outrem, fundar ou filiar-se em sindicatos para a defesa dos eus interesses. O exercício deste direito só pode ser objecto de restrição que, sendo previstas na lei, constituem disposições necessárias, numa sociedade democrática (…)”.

Todas estas normas relativos aos Direitos Humanos, relativas do direito à reunião e manifestação têm reflexo na nossa ordem interna por via da Constituição da República que as recepciona na ordem jurídica interna, bem como na legislação ordinária, mormente a Lei n.º 16/91, de 11 de Maio – Lei de Reunião e de Manifestação – que traça o regime do exercício da liberdade de reunião e de manifestação na República de Angola, devendo ser interpretada em harmonia com os demais preceitos internacionais sobre os direitos e liberdades fundamentais consagradas nos tratados internacionais de que Angola seja parte.

*Jurista.

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