Malanje: catorze municípios e uma biblioteca pública

Malanje: catorze municípios e uma biblioteca pública

Com a problemática ´´Inexistência de Bibliotecas em 13 Municípios da província de Malanje“, o Observatório da Imprensa, propós-se ouvir a docente Filomena José Vieira Vunda, Mestre em Supervisão Pedagógica a olhar este factor de subdesenvolvimento, num contexto do calar das armas há 21 anos e 47 anos após da independência nacional.

OI – Qual é o vosso olhar ao tema proposto?

Filomena Vunda: O tema levantado é pertinente; a população, mesmo no seu silêncio, grita por existência de bibliotecas municipais. Há, apenas uma biblioteca a nível de toda província de Malanje; não existe bibliotecas nos outros 13 municípios da província de Malanje.

A biblioteca que existe na sede municipal, no começo esteve apetrechada e interessava aos estudantes mas, ultimamente, além de estar mais fechada duque aberta, os livros valiosos foram furtados, com alegações e culpabilidade aos utentes. A pesquisa pela internet tem sido a solução, para quem tem a possibilidade dos meios informáticos.

Além do fraco atendimento, o lixo constitui o cartão postal ao se chegar na biblioteca provincial.É mais conhecida como lugar de lixo duque parte da biblioteca, é disperdício de uma obra tão recente que seria muito bem aproveitada. Há professores por todos municípios mas não há rede de internet em todos os municípios, dificulta as preparações das aulas.

Urge a existência de bibliotecas em todos os municípios. Muitos têm o desejo para aprofundar temas, mas sem bibliotecas municipais, retrocede o processo de ensino-aprendizagem no século XXI.

Qual é o valor da Biblioteca na vida quotidiana do cidadão?

F.V: O valor da biblioteca é amplo. O professor sem o acervo bibliográfico pode ser visto como alguém incompleto. A biblioteca complementa os conteúdos ministrados; os livros permitem aprofundar os conhecimentos para a eficácia no processo da aprendizagem. O livro é parte inerente ao professor, não se dizassocia desta profissão; favorece qualitativamente o processo de ensino, e não se alcança desenvolvimento sem o conjunto de livros.

Para o cidadão comum, há que se ter em conta que, por meio da leitura, aprende-se muita coisa. Pode-se aprender a formar um lar, a consolidar uma relação conjugal, gestão financeira; aprimorar cursos e ampliar diversos conhecimentos. A leitura de livros favorece a transformação de uma sociedade, é indispensável para a melhoria da cultura social.

Com a cultura da leitura de livros, pode-se reduzir o nível de delinquência e barbárie que tem se registado até no centro da cidade, vê-se recorrentemente jovens a pedir esmolas e, substima-se este valor que alimenta a mente, com ideias positivas para melhor comportamento e enquadramento na sociedade.

 Consta da Constituição da República de Angola, Artigo 79º, no seu nº 2 que, ´´o Estado promove a investigação científica e tecnológica“. O Observatório da Imprensa entende que falar de bibliotecas nos remete à dimensão científica. Qual é a análise que a senhora professora pode tecer deste teor?

F.V: A análise seria positiva, se tivesse reflexos práticos. Ou seja, o teor que se apresenta na Constituição é bonito, seria bom que fosse real. Observa-se uma realidade contrária. Para se complementar este Artigo Constitucional, pode-se recorrer ao ponto nº5, Artigo 80º  do mesmo documento que sustenta que, ´´é proibido o trabalho de menores em idade escolar“.

Desde a tenra idade, o ser humano é curioso.A criança quando observa um livro, tende a conhecer o que nele contem; ansea em ler e sente o desejo de balbuciar algumas palavras que constam do livro. É fundamental que se ensentive o espírito da leitura, desde a primeira infância e se cultive o hábito pela leitura. Assim, se cresce em estatura e em conhecimento. Em Malanje verificam-se crianças em actividades de venda ambulante, carregam sacos pesados que somente um adulto podia suportar, além da esmola que pedem aos transeuntes em diversas ruas. Se torna doloroso aos olhos dos cidadãos que também são convidados a intervirem para a mudança do quadro social, porque, tem se notado que essas crianças têm mais apetência ao dinheiro duque à leitura; o gosto ao negócio e não pela aprendizagem.

Fica o repto aos conterrâneos desta província em cultivarem o hábito pela leitura: nunca ir à cama antes da leitura da (s) página (s) de livros.

 Senhora professora, há quem diga que, ´´não se entende, 21 anos depois do calar das armas e 47 ano após a independência, Malanje, com 14 municípios tenha simplesmente uma Biblioteca. Entende-se que, este é um dos comportamentos de um Estado que quer ver os citadinos com menos espírito crítico para que o mesmo governo continue“?  Qual é a vossa leitura à essas referências?

F.V: Também me lembrei duque o senso comum diz que, ´´malanjino nasce com a 4ª classe“ e outros até afirmam que já nasce com a 8ª Classe. Então, imagina-se do que seria se houvesse bibliotecas?, como estaria a capacidade intelectual de uma criança, de um adolescente e de um jovem?. Essas referências estão mais próximas da verdade.Realmente não se percebe, mais de 40 anos da independência, apesar da fase da guerra que o país passou, não se justifica a inexistência de bibliotecas municipais. 21 anos de paz, comparado à um ser humano de 21 anos de idade já teria alcançado a maturidade, com a formação, com conhecimentos, com a capacidade de projectar a sua vida, como fruto da leitura dos livros, além da escolarização.

 

Por outro lado, nota-se que a fatia do orçamento geral do Estado para Malanje tem sido inferior e menos racionalizado para o sector da educação.E, também demonstra claramente o quanto a província anda esquecida do Aparelho Geral do Estado; parece filhos-enteados de um pai que não se importa e, posteriormente apanha-se migalhas para a satisfação. Com esta grande falta, há uma mentalidade anémica, falta de nutrição ao cérebro para crescimento social.

Observa-se que, aproximadamente, entre os anos 2014 / 2015, quase sempre que recorria-se a biblioteca ou mediateca móvel, não se permitia entrar e nem se entendia se haviam mesmo livros, diante das preocupações que os bibliotecários apresentavam. Sempre havia uma desculpa, um pretesto e, a mesma anda estática, defronte ao Parque Pioneiro Zeca, em gesto decorativo.

Falta criatividade, dinâmica e os responsáveis pelos serviços devem fomentar, seguindo o bom exemplo do ex.responsável da biblioteca provincial, o senhor Marcos que, nos primeiros meses, após a inauguração da mesma, publicitava os serviços da biblioteca aos cidadãos. Ainda haviam livros de interesse dos leitores. Notavam-se presenças de grupos de Benguela, Lubango e não só. Com a saída do senhor Marcos à Portugal, começou-se a notar uma deterioração.

Não se vê uma gestão animadora, motivante para se fazer pesquisa na biblioteca provincial. Parece que a nova responsável só marca presenças formais burocráticas. Seria alguém com carisma para despertar os jovens e outros ao gosto pela leitura.

Tem notado alguma interferência do poder político?

F.V: Quando o partido político que governa, não se preocupa pela supervisão, as consequências negativas que s constata na biblioteca, deve se responsabilisar este grupo partidário, não existe outro culpado. Eles são os dirigentes e podiam se importar pela fiscalização / supervisão dos serviços que são prestados aos cidadãos. São os cúmplices dessas falhas. Um governo sério, podia exigir e conferir as diversas actividades úteis para os cidadãos.

De lembrar que, após a fase da pandemia (COVID-19), além das salas de conferências que têm sido ocupadas com diversas actividades, não se vê mais outras actividades úteis. Ela está mais fechada duque aberta.

E, com as chuvas frequentes, a mesma estrutura poderá acabar por se decompor. É mesmo um disperdício.

Sublinha-se que, assim como os pais devem acompanhar o comportamento dos filhos, os governantes sérios, supervisionam os serviços das instituições do Estado, além de fiscalizar o sector privado.

Deve haver registos, controlo do acervo bibliográfico.A perda dos livros, deve-se da irresponsabilidade dos que podiam gerir com eficácia o bem público.

Que comparação faria da realidade mexicana que vivenciou, durante o seu percurso formativo?

F.V: É imcomparável. Por exemplo, lá, para além das bibliotecas provinciais (ou de cada Estado), municipais, comunais, existem campos de bibliotecas escolares, com todas as condições possíveis, ao contrário da realidade de Malanje e da Angola. Há muitas escolas sem bibliotecas, e quando se fala em bibliotecas, confunde-se com uma pequena colecção de 20 livros numa estante. Lá no México não! A teoria é acompanhada com a prática. Há muitos livros físicos e virtuais que estimula a leitura. As aulas começam as 7horas e vão até as 15horas. O aluno tem horas obrigatórias para fazer pesquisas na biblioteca (chamam de momento de Investigação, leitura e pesquisa). Há muitos espaços para os estudantes, ao contrário daqui, onde deve se aguardar para o dia seguinte. Lá há condições para o consumo da água, café e para o descanso e ninguém pensa em furtar um livro, porque está tudo supervisionado com câmeras, desde o ponto de entrada até as salas dos bibliotecários, ao contrário da biblioteca provincial de Malanje onde acusam-se os usuários de terem furtado os livros.

Assim, pergunta-se: como é que nem se consegue controlar a saída de tantos livros da biblioteca?…….. não se compara.Aqui parece estarmos há 200 anos atrás da civilização. Há muita dor de cabeça. Por isso, muitos angolanos que lá foram já nem querem voltar em Angola, seria perda de tempo.

Por tanto, não vejo palavras para comparar.São mundos diferentes.

Para fecharmos a nossa comunicação, qual é a última palavra que deixa ao Observatório da Imprensa?

F.V: A palavra vai para o director provincial da educação, no sentido de que não enquadrem passoas por afinidades, por amiguismo.Tem de se enquadrar pessoas competentes, com amor de servir os interesses dos cidadãos que tem buscam a pesquisa. Estou arrependida quanto aos livros que ofertei em prol do interesse colectivo e já não se encontram na biblioteca.Os cidadãos também devem defender o interesse deste bem comum para a preservação e conservação, e que se crie bibliotecas municipais, comunais para que se ensentive o espírito à leitura e Malanje deixe de fazer parte ao último lugar do Plano Geral do Estado.

Entrevista por: Agostinho Quimbanda.

RELACIONADOS:
Miséria infantil em Malanje: Reflexo de um país “governado” por criminosos

António Salatiel*ǁ Crianças de rua é entendido como um fenómeno social que designa um grupo vulnerável de crianças que têm a rua como único lugar para a sua sobrevivência. Elas Leia mais

Kipenas, escombros e o vazio: para os governantes estas são “escolas” em Malanje

António Salatiel* ǁ Escolas da “cor do abandono”, em Malanje, são o resultado da falta de investimento no ensino. Entende-se por escola, a instituição que se dedica ao processo de Leia mais

Medo e incerteza em Malanje: cidadãos residentes em zonas de risco

António Salatiel* ǁ O direito à habitação é um direito que faz parte dos direitos fundamentais, ou da primeira geração, consagrado tanto na Carta Internacional dos Direitos Humanos, como na Leia mais