A mídia: um perigo para democracia

A mídia: um perigo para democracia
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Por Rui Seamba || Já é demais sabido o quão é importante a mídia na construção, na consolidação de uma sociedade democrática. Ela permite que os cidadãos obtenham maior número de informações, ou seja, o espaço de comunicação e de informação e um dos espaços onde o cidadão participa para o debate político que se instala em uma determinada sociedade. Contudo, àquela é uma face na qual existe outra ou outras, que muitas vezes é/são pouca abordada(s) sendo em alguns países ser tabu e noutros ainda pior, é proibido. E o presente texto pretende discutir este assunto do outro lado da moeda, que não se quer estudar, que não se aborda ou pouco visível aos olhos do cidadão e da sociedade em geral.

Esta intriga foi fruto da obra de Harbemas, “Mudanças Estrutural da Esfera Pública: investigação quanto a uma categoria da sociedade burguesa”. Numa das suas passagens, o autor diz que a mídia é um dos órgãos da esfera pública e serve para que o público se comunique (HARBEMAS, 2003, p. 15). Importa realçar que toda a sua discussão é em torno de uma classe, burguesia, que seria o detentor de todo o privilégio que o autor propõe nesta obra. Todavia, se assiste até aos nossos dias, o mesmo discurso, explícita ou implicitamente, factos que se pretendem demonstrar através de teóricos que a mídia é ou não a esfera pública? É ou não a opinião pública? Portanto são questões que já tratados por vários autores, vai-se na verdade dar continuidade neste assunto apaixonante para alguns e odiado por outros.

Se considerar a “esfera pública” na perspectiva de Habermas, pode-se também dizer que ela é excludente, pois que determinadas categorias não podem participar nela. Caso para dizer como forma de pronuncio mais não ainda uma idéia acabada do autor ser um democrata elitizado, não um democrata com idéias ontologicamente democrática, o indivíduo. O cumprimento de um rígido código de comportamento “nobre” que fazia parte da classe burguesa, estes sim tinham a possibilidade de se considerar como cidadão (HARBEMAS, 2003, p. 20). Se transportar esta ideia na modernidade notar-se-á que de facto ainda persistem os signos, códigos, condutas, padrões que vão delimitar quem e quais devem “desfilar” na esfera pública.

Exemplos de várias categorias que não têm a mesma oportunidade que os outros, fruto de uma história de preconceitos e estigmas são; os negros, as mulheres, pobre e analfabeto. Se ampliarmos para arena internacional de ponto de vista geopolítico, encontraremos África, Ásia (com excepção da China) e América Latina. Estas são às categorias que foram construídas ao longo da história e que a sua participação na esfera pública são um processo muito longo ainda.

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A comunicação social é o meio que a democracia utiliza para veicular as opiniões dos cidadãos, porém na real politik o seu papel tem sido muito questionada, facto que faz retirar o cidadão em participar na “esfera pública” porque a mídia toma posições como o único representante da opinião da sociedade.

No início, segundo Harbemas, a mídia seria o guardião da classe burguesa e lutava contra a manutenção do poder da situação, agora está invertido, sendo hoje um servidor da hegemonia e guardiães da tradição (SARTRE, apud MORAES, 2009, p. 17). A mídia tem sido usada como instrumento para a defesa de ideologia, de manutenção ao poder por parte do poder político.

Logo, os interesses obscuros e até mesmo claros, são encobertos pela mídia. E os tais interesses são económicos e também políticos. E sabe-se que a mídia é um elemento de extrema importância na dinamização da democracia, na qual o cidadão terá como uma das fontes para exprimir a sua vontade e também receber as informações que adicionam na sua vida como um ente da sociedade. No entanto, quando a sociedade se depara com uma mídia que tem como representação uma estrutura da sociedade, a democracia torna-se muito fragilizada.

Moraes na sua obra vai citar Karl Marx, quando este numa das suas passagens faz referência a signos, movem as idéias, recolhem, produzem e distribuem conhecimentos e ideologia (2003, p. 42). Em face da força que a mídia tem no cenário social, político e econômico de qualquer sociedade acabam por “assaltar” o espaço do cidadão em que permite o cidadão realizar as suas manifestações. Este, como qualquer classe, necessita de uma reserva ideológica ou teórica da classe, no caso, a mídia é a referência.

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Denis Moraes, na sua obra “A Batalha da Mídia”, apresenta uma série de críticas aos órgãos de comunicação social, apresentando Gramsci que foi um dos principais teórico sobre a matéria no século XX. Dizia aquele autor, que no passado, na Itália os jornais actuavam como verdadeiras forças política, pois que influenciavam a formação da opinião pública e nos modos de assimilação dos acontecimentos. Se por um lado cumpria a missão de informar, por outro, fazia o trabalho de direcção política, cultural e científica, ou seja, actuavam como se fosse os dignos representantes dos cidadãos. (MORAES, 2009. p. 43). E se analisar com rigor, constatar-se-á nos dias actuais, certos órgãos da mídia a comportarem-se da mesma forma como os jornais italianos viveram.

Será que existe opinião pública? Ou existem várias opiniões públicas? A publicidade e a manipulação deixam em crer que a existência do mesmo é uma autêntica farsa. Porque o principal sujeito e destinatário desta opinião não é o formador desta, mas a opinião pública, como refere Habermans, “no lugar da opinião pública surge à disposição subjectiva, em si indeterminada” (2003, p. 275). Se a mídia chama por si a posição de ser opinião pública, fere o princípio democrático no qual o cidadão é o principal artífice do poder, logo a opinião pública deveria caber aos cidadãos e não a grupos como sugere Harbemas.

Na medida em que esses grupos se valem pela defesa de interesses subjectivos que impõe uma opinião dominadora na cena política ou pública. E se fazer uma análise no interior de cada grupo, de cada mídia, por exemplo, vai-se constatar que os seus membros, mormente, jornalistas não têm a mesma liberdade de (expressão) enquanto indivíduo. Portanto, os grupos em nome dos interesses muitas vezes pouco claros valem mais que a liberdade de pensamento dos escribas.

A opinião pública continua a ser objecto da dominação mesmo lá onde esteja obrigada a fazer concessões ou se reorientar: ela não está presa a regras do debatedor público ou, de um modo geral, a formas de verbalização, nem precisa estar envolvida com problemas políticos ou endereçada à instância políticas (2003, p. 282-283).

Como se pode notar não há espaço de liberdade, de cidadania por parte do cidadão, ficando refém do “roubo” de espaços no qual possa emitir as suas opiniões de forma livre e que estas suas opiniões sejam ouvidas e atendidas por um auditório não manipulado.

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Aqui entra outro problema que os teóricos tomam imensas dificuldades de operacionalizar e dividir: a liberdade de expressão e de imprensa. Partiu-se do pressuposto de que a democracia tem o indivíduo como o sujeito principal, algumas culturas como africana e asiáticas vão realçar o colectivo, por que o cidadão como pessoa (humana) só é “humano por intermédio da humanidade dos outros” (MANDELA apud STENGEL, 2010, p. 9).

A liberdade de imprensa, como refere Venício de Lima (2010, p.21), tem há ver com a liberdade de sociedade, empresas comerciais. Como se pode depreender a partir desta noção do autor referido, deslumbra-se que a isenção da mídia na relação com outros grupos de interesse supra importante de qualquer sociedade é, tênue. O que vem confirmar até então toda essa denúncia que o espaço do cidadão em participar na coisa pública é cada vez mais distante em época moderna, ocupada e exercida pela mídia. Sendo a democracia representativa confundido todo o sentido da participação do cidadão na “coisa pública”.

Num Estado democrático de Direito o poder pertence ao cidadão, embora exercido por seus representantes, mas que na realidade somente um grupo, que através da mídia acaba por exercer e influenciar as actividades políticas e desenha a conduta do cidadão quanto ao seu posicionamento na sociedade. Ora a democracia tem que ser visível. Para que o cidadão tenha condições de participar de forma mais eficiente. Um governo democrático é um governo público e em público (BOBBIO, 2009, p. 98).

E quando se refere em público, estaria no âmbito da publicidade dos actos, da divulgação das acções. E aonde se faz então estas emissões dos actos governamentais que possibilitam a accountability das actividades políticas governamentais que possibilitem uma democracia viva? A mídia pode ser uma das respostas.

Voltando ao debate da liberdade de expressão e de imprensa, verifica-se que não há liberdade de imprensa que tem a função de imprimir as opiniões às idéias emitidas pelos jornalistas e cidadãos sem que estes estejam livre, ou seja, que a liberdade de expressão esteja garantida. A imprensa é uma língua para os olhos, assim não adianta pretender uma imprensa, mídia de uma forma geral livre senão haver uma liberdade do indivíduo o quanto ser, o sujeito no geral.

McChesney  já tivera constatado que o mercado de comunicação social é segurado por um grupo de empresas directa ou indirectamente associados que o fim é defender os seus interesses quando estiverem em causa. Cerca de cinco grupos empresariais concebíveis vão dominar a imprensa tradicional, à internet, conquistando quer a rádio, televisão, vídeo-games, não só nos Estados Unidos, mas provavelmente em todo o mundo. (…) Isso é a aceleração de um processo triste e bem familiar: a consolidação vertical e horizontal das diferentes formas de mídia, resultando em simbiose cada vez maior com o poder político e económico, diluição de conteúdo e autocensura (LIMA, 2010, p. 92).

Ora, assim feito cria-se por parte desta mídia uma autocensura na medida em que neste canal não vai passar as informações que porventura coloca em risco o interesse do empresariado, embora sejam importantes para o cidadão. Logo não interessa que os oligopólios abram o jogo, infelizmente, mau para a democracia.

O Brasil de acordo com Lima, “a propriedade e o controle das nossas telecomunicações, até recentemente monopólios do Estado foram transferidos para uns poucos oligopólios privados (…), consolida-se por meio da presença no mercado dos global players da área (LIMA, 2010, p. 95). A crise financeira no mundo e acrescentando com a questão da globalização, a estrutura familiar que o Brasil possui que já vem desde um tempo atrás veio dar, mais ênfase a esta questão. Porém, a presença hegemónica de um grupo nacional no sistema brasileiro de comunicação: as Organizações Globo (OG) veio reforçar ainda o que se tem discutido.

Cada uma destas ou outras instituições que estão numa determinada sociedade devem e tem este papel de representar um determinado sector ou segmento da sociedade e jamais são o espelho de toda a sociedade e/ou indivíduo. Nessa óptica é importante, que haja canal de participação do cidadão.

Porém, o que a realidade mostra é que cada um dos segmentos da sociedade procuram e sempre a satisfação das suas identidades e interesses. Cada cidadão tem o seu modo de analisar, verificar, perspectivar o modo de como se deve executar uma determinada política pública, por exemplo.

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Pierre Bourdieu na sua obra “Sobre a televisão”, o autor faz um estudo profundo na televisão de como a mídia actua como instituição empresarial. O autor desmitifica de como a televisão faz para censurar e ou condiciona a participação eficiente do cidadão neste órgão de comunicação social. Utiliza certos condicionantes que de forma subtil beneficia claro a empresa. E três aspectos são deveres importantes que a mídia usa para limitar a sua acção. Estas condições servem para os jornalistas, telespectadores, ouvintes, leitores e de uma forma geral o cidadão, são: tempo, assunto ou tema e alguém ou um terceiro que dá ordem para direccionar o assunto. Portanto, quando um participante dentro dos órgãos de comunicação está rígido a essas variáveis, então existe uma limitação da sua participação.

Mas face ao poder “sedativo” que a televisão em particular e outros meios em geral apresentam, o cidadão em aceitar a participar mesmo sabendo das condições que lhe é posta, por que na verdade quer aparecer ao público para poder mostrar na arena a sua opinião, idéia, enfim, manifestar os seus intentos pela via da mídia. “Ao aceitar participar sem se preocupar em saber se poderá dizer alguma coisa” (BOURDIEU, 2007, p. 16).

Portanto, em democracia o aparecer em público é muito importante porque a democracia pressupõe mesmo em participar na coisa pública. Como Berkeley dizia citado por Bourdieu, “ser é ser percebido”. E coloca-se a pergunta, percebido aonde? Na mídia. Porque esta abocanhou o espaço do cidadão. Quem não aparecer através da mídia não aparece na cena política, não faz parte do modelo que o capitalismo selvagem programou, assim faz com que exista um auto-afastamentos, significa uma apatia política ou mesmo que há directamente um afastamento por parte dos órgãos de comunicação social.

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