O papel dos “mass media” no terrorismo

O papel dos “mass media” no terrorismo
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Por Benjamim Formigo|| A definição de terrorismo varia consoante os interesses políticos e conjunturais do poder instituído. Nas palavras do padre Leonardo Boff, teólogo da libertação, “a singularidade do terrorismo (está na) ocupação das mentes.

Nas guerras e nas guerrilhas precisa-se ocupar o espaço físico. No terror não. Basta ocupar as mentes e activar o imaginário através da ameaça de novos atentados e do medo que então se internaliza nas pessoas e nas instituições”. Este é o conceito e definição mais independente do terrorismo, ao englobar num único ambiente a violência física e psicológica e a intimidação.

Esta definição basta para o tema em abordagem: o papel dos Media na estratégia terrorista. A mediatização dos conflitos criada pelas televisões americanas na primeira Guerra do Golfo trouxe uma nova dimensão à notícia. Uma dimensão que pouco teve, e tem, de objectivo num noticiário. Em paralelo a imprensa escrita adoptou uma nova estratégia noticiosa partindo do princípio de que o leitor não quer ler textos longos. Daí que o noticiário se tenha reduzido a escassas 500 palavras – uma grande notícia – que não dão conta do contexto em que um facto ocorreu.

Para a rádio, a situação sempre foi diferente: é o meio de informação que mais rapidamente pode noticiar um acontecimento sem quaisquer explicações. A televisão tornou-se um verdadeiro órgão de propaganda ao serviço dos interesses accionistas sempre que estes o queiram. Em Portugal as televisões privadas, em horário nobre, têm serviços noticiosos de 90 minutos artificialmente criados para poderem pôr no ar 30 ou 40 minutos de publicidade que rende uma enormidade.

Se reduzirmos esses noticiários ao importante, ao que efectivamente tem impacto no cidadão, dificilmente obtemos mais de 15 minutos. Mas deixemos o caso português para regressar à abordagem geral.

Na competição por uma notícia muitos canais de TV aproveitam uma mensagem lançada no Twitter, para dar “em primeira mão” uma notícia que sublinham “não estar confirmada” (salvaguarde-se a ética local) e que muitas vezes é de extremo alarmismo e se vem a revelar infundada.

Para os grupos terroristas, mais ou menos sofisticados, o recurso aos Media Sociais tornou-se uma forma de comunicação extraordinária e em tempo real. Uma forma de comando e controlo, de recrutamento, de propaganda, de disseminação de ideias e notícias que de outro modo acabariam no espeto dos pendentes de um editor.

O Facebook é o meio privilegiado para as páginas oficiais dos movimentos terroristas, como por exemplo o chamado Estado Islâmico (EISL).  Já não se trata de recrutar militantes entre os jovens revoltados dos campos de refugiados palestinianos. É uma incursão na própria classe média.

O Twitter, segundo um relatório do 30º Batalhão de Informações Militares do Exército norte-americano, serve para, em curtas frases, dar ordens de execução, coordenar acções no terreno, como teria sucedido para prevenir da iminência de ataques aéreos americanos contra o EISL na Síria em Agosto de 2013.

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O YouTube, uma comunidade de partilha de vídeos, tem servido ao chamado exército do Estado Islâmico para divulgar acções indescritíveis, desde espancamentos, violações e execuções em massa de aldeias no Iraque até às decapitações de ocidentais por um tal “JihadJohn”, esta semana identificado como um homem de nacionalidade britânica e que se tornou uma espécie de porta-voz do EISL. Ainda esta semana os radicais revelaram um vídeo mostrando a destruição de preciosidades históricas que se encontravam no museu de Mossul, a segunda maior cidade do Iraque e que está nas mãos desse grupo.

Ora esses vídeos, desde as decapitações à destruição de relíquias históricas foram retransmitidos pelas grandes cadeias de TV, sempre com a origem identificada e a ressalva de não ter sido possível confirmar.

Isso não basta para evitar o terror desencadeado pela imagem da decapitação – a cuja cena final (a separação da cabeça) o espectador foi poupado – e o medo que ela transmite no Ocidente e, sobretudo, no Médio Oriente. A primeira mão não chega para divulgar com destaque as imagens do Museu de Mossul. O terrorista teve objectivos claros na divulgação destas imagens. As decapitações infundem o terror, em Mossul – onde se conjugavam com ataques contra aldeias cristãs assírias na região – precipitam uma intervenção militar, mas sobretudo levam as opiniões públicas revoltadas a apoiar uma intervenção da Infantaria. Haveria divisões na opinião pública, é um facto, mas se é inegável que estas imagens medievais são intoleráveis nos dias de hoje, também é incontestável o receio que elas infundem.

Em qualquer dos casos, os Media cumpriram uma missão que deveriam ter evitado: ser agentes activos na difusão do terror. Apenas por causa da luta por audiências.

A encerrar, recordo Novembro de 1982. Acordei com notícias de que Leonid Brejnev tinha morrido. Muitas estações de rádio interrompiam as suas emissões para acrescentar algum detalhe no que era ainda uma especulação com bases sólidas é certo. Estava perto do noticiário das sete, hora de Lisboa, e como habitualmente, sintonizei a BBC que apenas falava num ambiente anómalo em torno do Kremlin.

Ao fim de uns 20 minutos, chegou a hora do noticiário e a BBC abriu categórica: Leonid Brejnev tinha falecido, acrescentando que a confirmação fora feita havia segundos por um porta-voz do Kremlin. Não havia lugar a qualquer especulação. A notícia foi dada porventura depois de outros, mas a BBC nunca teve de se contradizer naquela noite em que abundaram rumores e faltaram factos.

Fonte: JA.

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