Padre Dionísio Mukixi: “Em Malanje, o povo diz que ir ao hospital é para morrer”

Padre Dionísio Mukixi: “Em Malanje, o povo diz que ir ao hospital é para morrer”

Penso que muitos cidadãos de Malanje têm receio de ir ao hospital, quando têm alguma enfermidade, chegando a afirmar que “quando se vai ao hospital, não se espera que a pessoa regresse viva”.

Agostinho Quimbanda (AQ): Iremos hoje conversar com o Senhor Padre Dionísio Mukixi sobre a situação dos Direitos Humanos em Malanje. Para começar, gostaria de convidar o Senhor Padre a apresentar-se.

Sr. Padre Dionísio Mukixi (PDM): Gostaria, em primeiro lugar, de agradecer por esta ocasião que nos oferece, para colher alguns subsídios sobre a situação da nossa província no que diz respeito ao cumprimento dos Direitos Humanos. Desejo-lhe as boas-vindas, assim como um bom trabalho neste campo, já que nem todos se dedicam a este tema e é de louvar ver jovens a dedicar-se a esta problemática.

Eu sou o Padre Dionísio Manuel António Mukixi, Vigário Paroquial do Sagrado Coração de Jesus, onde nos encontramos. Sou também Director Geral da Província Eclesiástica Malanje, Kwanza Norte e Uíge de Justiça da Comissão Episcopal de Justiça, Paz e Direitos Humanos.

AQ: Senhor Padre, há quanto tempo é responsável da Comissão Episcopal de Justiça e Paz?

PDM: Nós fomos indigitados pela Sua Excelência, o Senhor Arcebispo Dom Benedito Roberto, em 2017, momento em que começamos a acompanhar e a promover, a nível da Arquidiocese de Malanje, a Comissão Justiça e Paz. A provisão como director Arquidiocesano, foi no dia 11 de Novembro de 2019. Antes de mim, havia o Reverendo Padre Bumba que trabalhou até 2017. Faço também parte do Secretariado Nacional da Conferência Episcopal de Angola e São Tomé da CEAST, enquanto Conselheiro Nacional dos Direitos Humanos. Já sou um pioneiro muito antigo, em termos de Direitos Humanos. Comecei a minha formação quando ainda era muito jovem, na Paróquia de Maxinde, em 2004/2005. Fui progredindo, quando entrei no Seminário e depois, em Luanda, tive formação a nível da assistência jurídica em Direitos Humanos.

AQ: Qual é a situação dos Direitos Humanos em Malanje?

PDM: O que acontece em Malanje, em termos de Direitos Humanos, reflete o quadro geral do país. Saindo de uma guerra onde não se respeitou os Direitos humanos, o que vemos em Angola, e em Malanje não foge à regra. Vemos um país inteiro onde nunca se levou a sério o projeto dos Direitos Humanos. A Declaração Universal dos Direitos Humanos nasce em 1948, depois da I e II Guerras Mundiais, onde o desrespeito pela dignidade humana foi total. Ora, a Carta dos Direitos Humanos nasce, precisamente, no momento em que houve guerras que levaram a humanidade a não se desenvolver, a não progredir. Depois disso, o mundo tem feito uma caminhada, aprendeu bastante com estas guerras e passamos para outro contexto, enquanto humanidade.

A nível de Malanje, os direitos humanos nunca foram tidos nem achados. Depois do período colonial de 1975, em que negro não tinha direitos, esta mentalidade parece ter passado para dentro de nós mesmos, o que resultou numa guerra em que se violou, de forma muito violenta, direitos e liberdade fundamentais das pessoas. Depois da guerra, durante o período de paz, também houve défice no cumprimento dos direitos humanos, sobretudo no que diz respeito aos direitos civis, sociais, políticos e culturais. Atualmente, com a crise da covid19, um quadro que já era crítico, regrediu. Por exemplo, em questão da saúde, da educação, continuamos com um défice muito grande e que exige de nós, de todos os organismos, a conjugação de esforços. Uma conjugação de esforços que existe a nível do governo, em todos os municípios estão implantados os Comités dos Direitos Humanos, dos quais fui convidado para fazer parte, enquanto entidade da igreja. Tenho também acompanhado o Comité Provincial dos Direitos Humanos, onde se faz a monitorização da implementação dos comités. No entanto, em termos de actuação e de efectivação dos Direitos Humanos em Malanje, ainda estamos muito distantes do ideal.

AQ: Quais são os municípios que, de certa maneira, constituem maior preocupação?

PDM: Como disse, a preocupação é geral, mas existem alguns que geram mais cuidado, sobretudo no interior, como é o caso de Lukembo, onde o direito à alimentação não é salvaguardado. Quando há fome gritante, esta é uma violação de um direito, assim como existem violações do direito ao trabalho, à saúde, a uma habitação condigna. Estes direitos, não atendidos, não defendidos e não promovidos, impedem a criação de condições para exista bem-estar e desenvolvimento social que respeite a dignidade da pessoa humana. Aqui mesmo, no município sede, temos relatos de violação de direitos humanos nas unidades penitenciárias. Tenho tido contacto com a população reclusa que se queixa do excesso da lotação, dos prazos que caducam sem o processo da pessoa transita ser ouvida.

AQ: Que dados existem sobre pessoas que estejam nessa condição?

PDM: Existem alguns dados, sim. Visitei a comarca no mês de Abril e contactei com o Sr. António Banga, o Sr. Joaquim Mateus e o Sr. Hamilton. O Sr. António, foi preso em 2008, condenado a 24 anos e cumpriu 13 anos, ao fim dos quais requereu liberdade condicional. O juiz não aceitou, tendo indeferido o pedido por motivos desconhecidos. Faltam-lhe, agora, 4 anos para os 24 de prisão e na situação dele, há muitos que nunca foram ouvidos. Ele alega que pediu um recurso para ter liberdade condicional, uma vez que já cumpriu quase 20 anos da pena completa e está numa situação de fragilidade física, pois sofre de diabetes. Interpôs recurso, que não foi aceite e continua preso, sem ser ouvido. Este caso e outros semelhantes constituem a nossa preocupação.

AQ: Devido à situação pandémica, não são permitidas visitas aos reclusos. Tem alguma informação sobre a questão alimentar dos mesmos?

PDM: Procurei também me informar sobre isso e verifica-se que a alimentação é deficitária. A alimentação dependia muito das igrejas, referiram a Igreja Católica, mas outras, também. Falaram sobre o Padre Vladmir, da obra de Maria, na Kangambu Ocidental que, durante o tempo que ficou no Brasil, deixou a situação esquecida. Perante esta situação, pediram-me que fosse lá verificar o que se passava e dei-me conta que passavam necessidades alimentares, mas também em termos de acesso a materiais higiénicos. Nem se fala da saúde! Existe também muito analfabetismo, não existem formações profissionais que lhes possa prestar algum conhecimento para que, quando estiverem em liberdade, se possam reintegrar na sociedade.

AQ: Pode nos indicar alguns dados, registos de violações dos Direitos Humanos?

PDM: Tivemos o registo das demolições das casas da população de Carreira de tiro, sob a alegação de que estariam no cemitério. Estas famílias que perderam as suas casas, durante o estado de emergência, viam à sua volta outras casas, imponentes, que não foram demolidas, casas de grandes senhores. A própria administração assumiu, mais tarde, que estas famílias poderiam regressar aos seus terrenos. Fica por saber como ficam as casas, tudo o que perderam, quem é que vai indemnizar estas famílias.

Posso também referir o caso de uma senhora, viúva de um militar FAA, que trabalhava em Cabinda e a faleceu. A viúva, com cinco filhos, não conseguia retirar dinheiro do banco. A senhora chegou até nós para defendermos essa direito, pelo que fomos à região central do BPC. Contactamos com a gerente a nível de Malanje que nos explicou que o problema não era o banco, mas o tribunal, que teria de emitir uma declaração comprovando que a senhora era a primeira esposa do falecido. Fizemos uma cópia do bilhete de identidade da senhora e fomos, então, ao tribunal. Lá, foi-nos dito que “nós já temos conhecimento do caso” e que, portanto, teríamos de esperar. Voltamos lá novamente, mas foi uma luta com o tribunal para obtermos o papel. Fomos ao banco mais de quatro vezes. A senhora estava preocupadíssima, o salário vinha, mas não sabiam quem beneficiava desse salário que ela não conseguia usufruir.

AQ: Como é que olha a situação dos idosos e das crianças em Malanje?

PDM: A situação dos idosos é muito preocupante, há muitos idosos a viver na rua. Aqui mesmo na paróquia, trazem-nos constantemente os velhos aqui, abandonados. A Dra. Esperança, da MINARS, disponibilizou-se para nos ajudar, mas temos direcionado os casos existentes para os lares onde são acolhidos, mas nem todos, porque também não há espaço. Há cada vez mais velhos sem tecto, sem alimento. Sobretudo neste contexto pandémico, em que as pessoas ficaram sem nada. As pessoas que estão na rua, muitas delas foram acusadas de feitiçaria, não só os mais velhos. No Conselho de Auscultação do Governo, sugeri à Sua Excelência Senhor Governador para, no mínimo, termos duas cozinhas comunitárias a nível da província onde os mais velhos, as crianças de rua, pudessem comer um prato de sopa. Infelizmente, não fomos tidos em consideração e continuamos a ver muitos idosos em situações deploráveis.

AQ: E qual é a situação das crianças? As crianças que vivem na rua em Malanje, estão protegidas?

PDM: Existe ainda um défice do Estado angolano no que diz respeito à defesa dos direitos dos mais pequenos, dos indefesos. Existem, em Malanje, muitas crianças nos contentores. Algumas, segundo o Governador, dizem que os pais decidiram colocá-las na rua, tendo lhes chamado de ‘órfãos de pais vivos’. Sabemos que muitos pais ficaram sem emprego, embora isso não seja justificativa para abandonar as crianças nas ruas. Outras fogem por conta dos maltratos que sofrem, mas a maioria vive na rua por conta das condições sociais que não favorece a que estejam no seu lar em família. Hoje mesmo, se sairmos à rua, vamos ver muitas crianças nos contentores. Em termos de respeito e proteção dos direitos da criança, Malanje começa a entrar num quadro muito preocupante. Devemos estar entre a quarta província mais pobre a nível do país, inclusive a nível no analfabetismo. É preciso conjugar mais esforços para fazer com que os direitos das crianças sejam respeitados.

AQ: Noutro assunto, como é que o Sr. Padre vê os serviços ministeriais de abastecimento da água e energia eléctrica?

PDM: É lamentável. A nossa província está localizada entre os maiores rios de Angola. Temos o rio Kwanza, o rio Kuíge e ainda o rio Malanje e muitos outros. No entanto, muitas das nossas populações não têm acesso à água. Há dias fiz um períplo para Cambunde Catembo para ver as populações a subir as montanhas nos bairros, em busca de água que transportavam em bidons. Há municípios sem água potável, além do município sede, sei que Kalandula não tem, nem Kangandala e penso que a maioria dos municípios. De que servem, então, os recursos hídricos? O acesso à electricidade, à energia, não é melhor. Perguntei ao representante da administração de Cacuso, sobre o funcionamento das barragens e a produção de electricidade. Explicou-me que a região Sul é totalmente abastecida com a electricidade produzida pela barragem hidroeléctrica de Kapanda, Laúca, o que é impressionante. Confirmou-me que, sobretudo no Kwanza Sul, todos os municípios são electrificados. Malanje tem 14 municípios e desses quantos têm energia? Somente os municípios sede de Malanje, Cacuso e um pouco Kalandula, o que é injustificável. O representante explicou-me que o problema da energia não é deles, é do governo, “o senhor, se quiser, faça essas perguntas ao governador, porque este problema é de distribuição”, explicou-me. Segundo ele, o Sul investiu ou aceitou receber energia por ter capacidade de distribuição. Se Malanje continua a ter um défice de energia é porque não há uma política de distribuição, o que não é um requisito das barragens. Como não têm como distribuir, têm de devolver. Portanto, há uma violação de direitos por parte do Estado, que não fornece um serviço básico.

AQ: Não podemos falar de desenvolvimento sem energia eléctrica. As indústrias presentes a nível da província só poderão crescer quando tiverem uma corrente eléctrica de maior qualidade e potência!

PDM: Imagina quantos investidores poderiam vir para estes municípios, se houvesse um bom serviço de electricidade! Poderiam empregar muitos jovens, fazerem a transformação do produto produzido nestes municípios. Podemos também referir os hospitais, que precisam de electricidade e o direito à informação. As pessoas, sem electricidade, não assistem televisão, não escutam rádio, nem sequer podem aceder à internet. Num mundo globalizado, em que a cibernética, as redes sociais, são um meio importante de comunicação, estes cidadãos vêm esse direito negado. Imensos direitos que são violados por conta da dificuldade de aceder a um serviço básico.

AQ: No que diz respeito ao serviços de saúde, como pensa que está a situação em Malanje? Os cidadãos estão protegidos?

PDM: Penso que muitos cidadãos de Malanje têm receio de ir ao hospital, quando têm alguma enfermidade, chegando a afirmar que “quando se vai ao hospital, não se espera que a pessoa regresse viva”. Ora, o que é que está a faltar? Através das Comissões Justiça e Paz, temos feito alguma monitorização social, para podermos constatar a realidade. A verdade é que podemos ter estruturas, infraestruturas, mas temos falta de medicamentos, de técnicos. Exemplo disso foi o caso de um dos nossos sacerdotes, que ficou muito doente. O Padre Conceição Brandão foi acolhido pelo hospital geral, onde ficou internado num estado muito crítico. Foi acompanhado, medicado, mas era necessário um técnico de TAC. Malanje tem a máquina de TAC, mas não existem técnicos para a utilizar. Tem de vir um técnico de Luanda para poder fazer-se o exame, pelo que nos foi sugerido evacuar o paciente para lá ou entrar em contacto com o Director Provincial da Saúde, no sentido de contactar com o governador para autorizar que um técnico se possa deslocar de lá para cá. No fim de contas, o técnico não podia vir e tivemos de levar o paciente, que estava com tensão muito alta, para Luanda. Graças a Deus correu tudo bem, chegou a Luanda onde pode fazer o exame necessário. Isto para dizer, quantos dos nossos irmãos morrem porque não têm técnicos qualificados?  

Temos medicina geral, mas faltam-nos ortopedistas, dentistas, neurologistas, fazendo com que as pessoas tenham de procurar estes serviços noutros lugares. Em termos gerais, há um esforço por parte do executivo, de trazer medicamentos até cá, mas há outros factores que fazem com que os hospitais não tenham medicamentos, muitas vezes são desviados para o privado. No hospital dão as consultas, a receita e mostram onde é possível adquirir a medicação. Constatamos, também, que existe uma falta de stock de sangue nos hospitais, fazendo com que os pacientes ou os seus familiares tenham de ir procurar doações de sangue em centros privados.

AQ: Mas, as igrejas têm promovido campanhas de doações de sangue!

PDM: Sim, claro, há um grupo solidário, sobretudo por parte da pastoral juvenil. Temos um grupo muito grande de dadores, mas isso não é suficiente para criar um stock de sangue. Até pode haver vontade do Estado em melhor o sector da saúde pública, mas há muita coisa que não vai bem, porque os medicamentos não param nos hospitais. Quando as pessoas vão para os hospitais, muitas vezes não voltam mais. Daí que as pessoas têm medo, por não terem acesso a serviços humanizados. Há fome, desnutrição, pobreza, que contribuem de forma insatisfatória para agravar um quadro em que há ausência de um serviço humanizado, em que os centros médicos não têm medicamentos, talvez nem para o paludismo. É preciso alertar quem de direito, no sentido de protelar o direito à saúde, que não se compra, e deve ser garantido.

AQ: Qual é a sua opinião sobre o sector da educação a nível da província de Malanje?

PDM: Os problemas são transversais em Angola. Em Malanje, o governo estancou, pelo que os problemas nunca vão acabar. No entanto, embora a passos tímidos, Malanje está a tornar-se uma cidade universitária. Agora, a qualidade que almejamos, depende de cada um de nós. A nível da qualidade dos professores recrutados, há um défice muito grande, no sentido em que não são valorizados. Um mau salário é destruir o futuro de uma nação, porque faz com que os professores não se dediquem. Há professores que fazem quilómetros, todos os dias, para dar aulas, mas o salário não compensa o esforço. O custo de vida em Angola é elevadíssimo e em Malanje, pior ainda. Aumentou a pobreza, há cada vez mais desemprego e o profissão de professor é vista como última, parece que na lei geral do trabalho é a menos considerada. Por muito que se construam escolas com qualidade, sem a valorização do capital humano acabamos por ficar sem estrutura. Em Malanje, por causa da covid19, mais de 40 mil crianças ficaram de fora do sistema de ensino e cada vez mais se fala na falta de professores. É preciso, em primeiro, valorizar o capital humano no sector da educação e, depois, equilibrar os salários. Há desmoralização, geral, nos quadros nacionais. Sobretudo quando vêm, como é no caso da saúde, que um expatriado ganha o dobro ou o triplo em termos de salário. É preciso que o Estado valorize os nacionais, que promova os seus quadros, sobretudo na educação.

Aquilo que muitas vezes chamamos de escola, são somente salas de aulas. Uma escola tem campos de futebol, um multiusos para o desporto. Ora, uma sala de aula construída na relva, sem casa de banho, sem campo multiusos, não é uma escola. É preciso mais esforço por parte do governo e das instituições de forma a garantir a qualidade dos professores, um bom salário e boas condições a nível das infraestruturas.

AQ: Com que olhos o Sr. Padre vê a presença dos responsáveis das instituições escolares?

PDM: Angola tem uma tendência para ter pessoas em cargos directivos que não são líderes, mas sim chefes. Ora, a posição de chefia coloca barreira. Se quisermos chegar ao director, temos de enviar não sei quantas mensagens. Para se pedir uma declaração, um certificado para possíveis actividades, para um concurso, ou para prosseguir para o ensino superior temos de contactar com o director, que tem de assinar o documento e essa responsabilidade não é tida como liderança. Líder é aquele que instrui. Estes directores, estas chefias, vêm quando querem, assinam os certificados quando querem. Por conta disso, muitos podem ficar em dificuldade, podem até nem ir para a universidade porque o director não assinou o certificado e a instituição não sabe dizer se o perdeu, ou não. São lideranças que não agem como servidores públicos que são, uma vez que sem nós não poderiam trabalhar. Os cargos que ocupam, o dinheiro que ganham, é do povo angolano. Há ainda muita burocracia, muita mania de chefia, em que o director nem entra em contacto com o seu estudante. Nunca me vou esquecer do exemplo de um director da Escola Osvaldo Serra Vanduném. Tinha-me convidado para uma conferência, na companhia do MPLA, na qualidade de responsável dos Direitos Humanos. O director parecia-me mais amigo dos estudantes, chamava-os pelos nomes, com muita intimidade e animação. Nunca mais vi um director de escola como aquele, que também exercitava matemática com os seus estudante, que era próximo deles. Não era improviso, inclusive alguém que faz parte da família contou-me que ele era muito querido, preocupava-se em saber porque é que um aluno estava triste, caso desse conta. O que encontramos hoje, nos nossos directores de escola, são mais chefes e isso impede que se aproximem dos estudos e dos professores, transformando-se nos inimigos destes últimos. Os professores ficam a ideia de que não podem contactar os directores de qualquer forma, têm de escrever, com formalidade e através de uma grande burocracia que só dificulta o processo.

AQ:  O que é que está em causa? Os professores, os estudantes, não se revêm nesses directores e mesmo assim continuam na direcção?

PDM: O sistema político que vigora em Angola protege e conforta estas falcatruas. Director de uma escola é um cargo político, excepto nos privados, embora também haja lá infiltrados. Para se ser director, é preciso ser-se do partido. Portanto, é o partido que os nomeia e se os nomeou, não têm um compromisso para com o cidadão, não têm compromisso com os colaboradores. Cumpra quem tem juízo, desobedece quem não tem juízo – como eles dizem. O fim é trágico. Eu penso que, se nós ultrapassarmos isto, se as direcções das escolas deixarem de ser cargos políticos, teremos de facto directores muitos mais humanos do que temos hoje.

*Esta é a primeira parte de uma extensa entrevista sobre a situação dos Direitos Humanos em Malanje. Nas semanas seguintes, publicaremos o resto.

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