País sem futuro e o retorno do bom selvagem

País sem futuro e o retorno do bom selvagem

Domingos da Cruz ǀ Pode um país ter futuro se desde 1975 a esfera pública e as acções entre os “cidadãos” gira somente em torno do elementar? Em outras palavras, todas as instituições que constituem uma sociedade (a família, a escola, a imprensa, a administração pública, entre outras), no contexto de Angola limitam-se àquilo que é primário. Aquilo que não requer qualquer acto criativo − no sentido civilizacional − porque imana da natureza. Alguns exemplos que me ocorrem referente a categorias primárias são o comer, o defecar, o dormir, o abrigar-se, o vestir movidos por instintos primários de extensão e prolongamento da vida no tempo.

O oposto do primário são as manifestações da civilização e da tecnologia como é o caso do digital, da arborização, da robótica, da nanotecnologia, da medicina de alta precisão, de sistemas de transporte e de eletricidade funcional 24 horas e 365 dias ininterruptos.

Dito isto, lembro-me de uma conversa tida com um amigo com o qual partilhei a ideia fundamentada de que Angola não tem futuro. Discordou! A resposta foi inteligente dizendo: tendo em conta o povo e os recursos que temos, o país ainda é viável. Bastará o afastamento da política destes bandidos pertencentes aos movimentos de libertação cuja batalha de ódio e atraso civilizacional de ambos inviabiliza o país.

O bom selvagem de gravata bloqueou o progresso, de tal modo que não faltam indicadores irrefutáveis de que enquanto a elite do atraso prevalece no poder, jamais os indicadores e métricas internacionais trágicas sobre o país mudarão, como demonstrarei a seguir.   

Neste ano (2024) o país está na 121ª posição do Índice da Perceção de Corrupção da Transparência Internacional. Nada honroso. Este lugar no ranking destrói a criatividade e inviabiliza qualquer possibilidade de os cidadãos confiarem nas instituições. Por outro lado, este nível assustador de corrupção afugenta os investidores e desencoraja outros que desejassem fazer negócio em Angola, tal como prova a 177ª posição no Índice do Ambiente para fazer Negócios do Banco Mundial. Sem investimento não há criação de riqueza, não haverá novos empregos nem poupanças decorrentes do trabalho e impostos pagos por entidades coletivas e singulares. Esta realidade expande a miséria, tal como os dados oficiais confirmam. Segundo o Instituto Nacional de Estatísticas de Angola um em cada dois angolanos (51,2%) vive na pobreza multidimensional, com uma taxa de pobreza de 88,2% nas áreas rurais e 29,9% nas áreas urbanas. Existem regiões do país onde o nível de pobreza atingiu 98%, tal como sucede no município de Curoca, província do Cunene.

O investimento é também (dependendo do contexto) resultante da qualidade das instituições e da liberdade política. Uma vez que as instituições em Angola estão capturadas pela necro-elite que concentra para si o poder económico, não viabiliza o exercício da liberdade económica. Por esta e outras razões adicionais, Angola figura na 118ª posição no Índice de Liberdade Económica da Heritage Foundation e Wall Street Journal.

No terreno das liberdades civis e políticas, o país está na 125ª posição no Índice de Liberdade de Imprensa da organização Repórteres Sem Fronteiras. Esta pobre performance associada a privação de outros direitos e liberdade fundamentais, justificam as métricas e relatórios internacionais que classifiquem Angola como sendo um regime autoritário, tal como atestam as organizações Freedom House e o think tank pan-africano Afrobarómetro, o qual afirma que Angola está longe de ser uma democracia.

Uma análise mais detalhada da cultura política foi feita por outras instituições que revelaram sinais preocupantes: posição 115ª no Índice de Estado de Direito da World Justice Project de 2023. Esta posição significa que Angola ainda não é um Estado Democrático e de Direito; E a Scholars At Risk, organização sediada na universidade de Nova York, cujo fim é monitorar as liberdades académica e científica no mundo, colocou Angola entre os países onde não há liberdade académica, nem de ensino e de pesquisa.

Como se não bastasse, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, PNUD, no seu Índice de Desenvolvimento Humano de 2024, Angola figura na posição 150ª com tendência de queda se as políticas públicas continuarem semelhantes às actuais.

Por sua vez, segundo o Índice de Capital Humano, as crianças angolanas que nasceram e que hão-de nascer nas condições actuais de má qualidade dos “sistemas de saúde” e “de educação”, têm as suas capacidades  intelectual e de produtividade comprometidas em 64%. Por isso, o país está colocado na posição 166ª do respectivo Índice com 0,36 pontos. Abaixo estão somente 7 países. Para que se possa ter uma ideia da gravidade da situação, em termos comparativos, um adolescente que termina o ensino médio em Angola, tem conhecimentos equivalentes a 8ª classe de uma criança namibiana.

Segundo previsões do Standard Bank, a recessão económica pode prolongar-se durante dez anos consecutivos. Para quem duvida desta previsão, basta olhar a situação do Zimbabué, cuja economia decresce desde 2000. Uma vez que a sociedade funciona em certa medida como um sistema vivo, onde todas as dimensões se relacionam, por isso mesmo, entre 152 países avaliados pelo Boston Consulting Group, com vista a identificar a capacidade dos países de traduzirem a riqueza bruta em bem-estar, Angola está classificada na posição 145ª, entre os piores do mundo.

Sem surpresa, no Índice Global da Paz de 2023, do Institute for Economics & Peace, Angola está na posição 84ª. Teve melhorias em 2018 e 2019. Sendo certo que a paz não se resume ao calar das armas, esta posição é facilmente percetível, uma vez que o país não garante o bem-estar necessário aos cidadãos. Este último ─ e a justiça social ─ são as variáveis mais importantes para a paz. O que Angola jamais alcançou há 49 anos.

Face a indicadores tão trágicos, não é surpreendente que Angola nem sequer consta no último Índice Mundial da Felicidade de 2024, tal como sucedeu nas edições precedentes. Analisada esta importante métrica internacional, o país está entre as nações que não disponibiliza dados. Ou seja, sem informação fiável que propiciariam a sua classificação. Mas se houvesse dados, é fácil inferir qual seria a posição do país no Índice Mundial da Felicidade. O Relatório Mundial da Felicidade é uma parceria entre a Gallup, o Oxford Wellbeing Research Centre, e a Rede de Soluções para o Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas.

A visão externa sobre Angola para lá da propaganda é outra, tal como confirmam os indicadores referidos. Os indicadores internacionais acima, combinados com mais três internos: vontade generalizada de transformação e discredibilidade do grupo hegemónico; alguns (ainda que pouquíssimo) líderes religiosos expressam o seu mal-estar em relação as injustiças sociais; e a carência financeira do regime que o inviabiliza de corromper e comprar consciências em grande escala, como fazia no passado recente, constitui uma oportunidade única para levar a cabo a revolução popular em grande escala. Somente uma revolução colectiva salvará os angolanos! É urgente e necessário o afastamento do bom selvagem de gravata. O povo unido precisa mostrar-lhes que o triunfo da selvageria terminou! O armagedon da resistência popular precisa chegar ao palácio presidencial!

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