Pela era dos direitos concretos

Pela era dos direitos concretos

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O presente texto é a introdução do livrinho modesto que foi publicado hoje (24.02.18) no restaurante Jacaré. Este local foi a alternativa de última hora porque o local inicial, pertencente às Irmãs do S. José de Cluny (Igreja Católica), foi proibido pelo bispo de Luanda, “mas, sem nome”. Assim disse o transmissor do recado.

Volvidas cinco horas após o acto de censura da Igreja (uma prática secular da qual se orgulha), a Friends of Angola emitiu um comunicado onde fez saber duas medidas que serão realizadas nos próximos dias: 1) Dar a conhecer o sucedido ao Papa Francisco. Para o qual far-se-á chegar também um exemplar do livrinho; 2) Abertura de um processo judicial contra as irmãs do S. José de Cluny.

Os interessados que não tiveram ou não têm o material físico, também podem baixar via internet.

Eis a introdução integral:

No âmbito do projecto Zuela, enquadramos uma rubrica chamada «Conheça e Exija os Teus Direitos». Esta rubrica foi introduzida pela seguinte razão: nós entendemos que treinar as pessoas para que saibam usar o aplicativo Zuela, na denúncia e defesa dos Direitos Humanos, precisam de uma base legal interna e internacional mínima para que os cidadãos saibam de que é que estão a falar.

Porquê a rubrica se chama Conheça e Exija os Teus Direitos? Ela se denomina assim, porque não basta conhecer os direitos para mudar a realidade. É preciso que as pessoas sejam capazes de exigir a concretização desses direitos de forma pacífica, ou seja, não violenta.

Esta nossa visão cívica não violenta, e que informa todas as nossas actividades, norteia também o espírito desta iniciativa.28383412_2071402059544495_1783862862_n

O engajamento cívico é um grande desafio, dentro do qual perpassam desafios médios e menores. Talvez seja mais desafiador por tentar concretizar aquilo que está plasmado na filosofia política personalista. Ou seja, sair do texto de todo, teórico ou legal, para a realidade. Transformar o texto sobre os direitos em realidade vivencial e prática. Esta já não é a era da fundamentação metafísico-filosófico dos direitos do homem, mas sim, a era da criação de políticas públicas para a concretização dos direitos, dizia o pensador Italiano, Norberto Bobbio, na sua obra a Era dos Direitos.

Neste sentido, os homens e mulheres que deram e darão forma a história e influenciaram a vida das pessoas, são e serão também aqueles que com o seu engajamento procuram soluções, partilham soluções e desafiam sistemas instalados que mesmo com direitos plasmados nas suas constituições, a realidade é um oposto absoluto e negam a dignidade humana de forma indizível.

A Friends of Angola luta pelos direitos humanos e pela instauração da democracia porque os seus membros acreditam que a grandeza humana e sua realização como são possíveis quando estes direitos são respeitados. Mas em virtude da privação destes direitos no contexto onde actuamos, recusamos hastear a bandeira messiânica, porque a salvação de um povo e a concretização dos seus triunfos, só sabe bem quando é colectiva e participativa. Aliás, quando alguém ou um grupo se augura herói e salvador de um povo, a liberdade dali advinda é uma falsa liberdade, e não poucas vezes — como demonstra a história — o antropomessianismo se transformou em tirania do lumperadicalismo que se dizia libertário. Por isso, convidamos todas/os a conhecerem e a lutarmos juntos para a nossa libertação colectiva enquanto nação dentro de nações.28459281_2071388169545884_1541820214_n (1)

Lutamos pelos direitos porque somos defensores da democracia. Desejamos que esta democracia se instale em Angola num futuro próximo. Porquê? Porque de acordo com o consenso ético universal, os Direitos Humanos constituem o único fundamento válido para reconhecer um país como sendo democrático, ao lado da separação tripartite do poder.

A preocupação manifesta pela FoA (sobre Angola) em relação a situação geral dos Direitos Humanos e de aspectos específicos como sejam o índice de corrupção, liberdade de expressão e de imprensa, liberdade económica, direito á internet entre outros indicadores que fazem de um país uma sociedade aberta, também é manifesta pelas organizações internacionais.

Angola está entre os 10 países com pior avaliação do continente no Índice Ibrahim de Boa Governação Africana em 2017. A mesma organização reafirma esta posição no quesito liberdade de expressão. Relativamente a liberdade económica e burocracias para empresas no país pioraram nos últimos cinco anos.

De acordo com o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 2017, entre 168 países avaliados, Angola se situa na posição 150 com 0,533 pontos. Quer dizer, nível de vida baixo e precário. Para além das estatísticas e dos números, na prática isto significa que os angolanos têm privações graves de água, saneamento, alimentação, habitação, saúde, etc.28168468_751687911702617_9096600409436190487_n

Como se não bastasse esta desgraceira, Angola está entre os seis países considerados mais corruptos no novo Índice de Perceção de Corrupção da Transparência Internacional. Ficou na posição 163, só a frente do Sudão do Sul. Atrás ficam apenas o Sudão, Afeganistão, Coreia do Norte e Somália.

A Freedom House publicou no presente ano (2018), o mapa mundial sobre a liberdade. Este mapa coloca Angola na geografia dos países não livres. No período análogo, a Human Right Watch publicou outro relatório/análise que descreve a cultura política actual — do período de sucessão — como sendo semelhante ao consulado do antigo presidente, não obstante o surto incompreensível de esperança pelo facto do país ter um novo chefe do poder executivo.

Este quadro desolador que se degrada a vista desarmada todos os dias, coloca desafios a todos angolanos. Precisamos conhecer os nossos direitos e exigir a sua concretização em todos os sectores de forma simultânea para que a universalidade e a complementaridade dos direitos se possam traduzir no nosso Direito Colectivo ao Desenvolvimento.

Florindo Chivucute. Director Executivo da FOA.

Domingos da Cruz. Coordenador do Projecto.

 

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