

Vivemos numa sociedade em que aos poucos temos acompanhado certas mudanças mesmo que muitas delas não tragam grandes sinais de desenvolvimento social e/ou político, mas elas estão a acontecer e devemos aceitá-las não para nos tornarmos reféns, mas a partir delas criarmos uma estratégia de acção e de luta contra a ignorância que conduz a auto-negação do Eu social, político, religioso, etc.
A experiência filosófica é fundamental para compreendermos a importântcia das mudanças que ocorrem em nossas sociedades e em particular em nossas vidas e com base nela que nossa reflexão será feita, esperando que isso sirva para a compreensão do Eu que se desenvolve e susceptível à mudança.
As mudanças fazem parte do nosso dia a dia e de qualquer paradigma que tende para o progresso individual ou colectivo. Ninguém foi feito para ser o mesmo.
Constantemente somos chamados a assumir uma postura real para dizer sim ou não. A nossa vida é feita de perguntas e respostas, todos os dias somos convidados a fazer alguma coisa, e isso é uma autêntica mudança. Mudamos porque a nossa vida é corrida, não somos os mesmos como éramos há 5 anos e destas mudanças ninguém escapa porque a vida se consome a medida que o tempo vai passando, e a mudança acontece no tempo.
Neste peritatus cognitivo encontramos o filósofo Heráclito (1) que para ele “tudo flui, nada persiste nem permanece o mesmo. Tudo se faz por contrastes, completo e incompleto, harmonia e desarmonia, afirmação e negação, ordem e desordem, e da luta dos contrastes se faz a mais bela harmonia”. O autor faz-nos entender como as mudanças nos ajudam a encarar o mundo e perceber, sobretudo como a nossa perspectiva do mundo é determinante para interpretarmos as mutações por meio da inteligência humana, embora algumas vezes e fruto das mudanças cedemos nossa liberdade aceitando o determinismo e a alienação resultante da vontade alheia.
A matrix, produto da inteligência humana, representa o sistema em que todos estão envolvidos, alienados e escravizados, tanto um quanto o outro retiram do homem o poder da autonomia fazendo-lhe crer na possibilidade de uma força externa que o pode orientar enquanto o mesmo repousa nas mãos do Morfeu.
Na tentativa da luta pela liberdade surge o personagem neo despertador que, acreditando na mutação das coisas e no poder da auto descoberta faz entender ao homem que o essencial é que ele “conheça-se a si mesmo” não por frequentar a academia de Delfos, mas por entender que pela autoconsciência ele torna-se o protagonista das mudanças, um legado socrático que se tornou o modelo de pessoas destemíveis e que encaram as mudanças como algo normal em suas vidas.
Com este exercício introspectivo acredita-se que o ser humano possui um espírito que, a priori, representa a capacidade da busca pela renovação e aí dá-se início da batalha pelo novo, retractando as nossas constantes lutas por dentro e por fora pela boa consciência e racionalidade, isto é, a superação da nossa própria inteligência.
Assim também desperta Sócrates em sua geração com um espírito contestador e seus combates mentais, sendo perseguido e dando notoriedade a filosofia. É a mudança que nos acompanha e a podemos perceber se, por exemplo fizermos a analogia com o mito da caverna em que as percepções da maioria se limitam ao que observam de forma acrítica, e somente os que provam a luz da verdade com racionalidade desfrutam da verdadeira realidade.
Essa é a trajectória da vida humana, com a qual devemos aprender a encarar a vida e interpretar os sinais dos tempos.
Para Heráclito, “a vida considerada como algo imutável é uma ilusão”. Para ele, “tudo se movimenta, nada se fixa na imutabilidade. Apesar de nossos olhos nos darem a impressão da (estaticidade) das coisas, a realidade é fruto da mudança. Ou seja, a única realidade que existe é a mudança”. O “Logos”, para a filosofia heraclitiana, é o princípio de inteligibilidade, é a razão, o princípio maior da unificação, é a mudança e a contradição que se harmonizam.
Mais uma vez entra em cena a força da inteligência humana que sendo ela importante para a compreensão das transformações que ocorrem, aduzem-nos ao retorno interior e pessoal de modos a compreender a realidade, e mais uma vez Sócrates reaparece com o seu “conhece-te a ti mesmo”, e assim, seguem-se as batalhas entre as nossas crenças e o saber estabelecido, dando início ao momento de crise ou conflito existencial e que na definição do cogito ergo sum somos obrigados a tomar uma atitude humildemente filosófica que de forma singular te faz entender que “só sei que nada sei”, ou seja, um convite ao esvaziamento quotidiano de si e procurar validar ou estabelecer racionalmente os valores e a visão do mundo — mundividência.
Finalmente a utilidade da filosofia é enxergada quando abrimos os olhos do nosso coração e abandonamos o velho homem com suas corrupções e enganos e demos lugar a um novo homem, movido por um espírito novo que deseja a liberdade, a felicidade e paz para todos. Aqui poderíamos apelar todas as formas de entendimento humano e as heranças da tradição cristã, mas concretamente as expressões, “ conhecereis a verdade e a verdade vos libertará (João. 8:32) ”, mas a verdade só liberta quando temos consciência dela e ter consciência dela implica conhecer as razões das nossas descobertas pois, só isso permite a ataraxia e o gozo da plena felicidade summum bonum — a libertação do Eu — que na extensão do seu gozo percebemos que a vida é dinâmica e não podemos permitir que o tempo nos consuma, mas acreditar que é no tempo que as mudanças acontecem.
A realidade nunca é a mesma e as pessoas também não, todos sujeitos às mudanças, somos resultado dos “postos”.
Aceite à mudança e deia um rumo diferente a sua vida.
Nota
(1) Heráclito foi um filósofo pré-socrático que viveu em Éfeso, cidade da Grécia Antiga, situada na costa ocidental da Ásia Menor, por volta dos anos de 535 à 475 a. C.