A Impregnação da Autocracia no Sistema Eleitoral Angolano

A Impregnação da Autocracia no Sistema Eleitoral Angolano

Angola não é, nunca foi e nunca será uma democracia plural através de eleições enquanto teimosamente perdurar o controlo, monopólio e a manipulação dos processos eleitorais e suas instituições pelo Partido-estado. A esperança da implantação da democracia em Angola não está na realização de eleições, não está na boa vontade política do partido-estado, porque nunca existiu, nem nos partidos da oposição, que não passam de discursos vazios sem acção e que foram acomodados e imobilizados com benesses materiais. A esperança está no povo (…) em particular os jovens de consciência livre e inconformados.

Elias Isaac* ǀ A 11 de novembro de 1975 Angola foi proclamada como um Estado de Partido-único, totalitário, com práticas e manifestações de intolerância a qualquer diferença de pensamento e ideal político, discriminatório e ideologicamente exclusivista, sustentando-se na eliminação física e sistemática de todo cidadão que pensasse e falasse diferente.

O país nunca teve uma transição e transformação política de governação de Partido-único para uma democracia plural, inclusiva e de todos cidadãos. Os processos eleitorais iniciados em 1992 estão até agora alicerçados e viciados no sistema de Partido-único e Partido-estado, com todas as expressões e manifestações políticas, sociais, económicas e culturais. Angola como estado continua de forma perversa a ser propriedade exclusiva dos partidos políticos, e particularmente do partido único e seus militantes que perdura no poder a quase 50 anos.

O espaço político, económico e social angolano é um monopólio exclusivo do Partido-estado que, por conveniência das circunstâncias, foi forçado a aceitar e acomodar os “chamados” partidos na ou da oposição. O Estado Angolano não se transformou nem evoluiu para um sistema democrático. A realização de cinco actos eleitorais e a constituição de um parlamento multipartidário não pressupõe a construção de um Estado com valores, princípios e práticas de um estado democrático.  

Os alicerces e tentáculos ideológicos de Partido-único continuam bem enraizados e presentes em todos os setores da sociedade, tanto nas instituições públicas como privadas. A vivência política, social, económica e cultural continua enjaulada na demência do obscurantismo totalitário, intolerância, exclusão, medo e eliminação do cidadão diferente. Quem é diferente, pensa, fala e age diferente é classificado pelo Partido-estado como inimigo dos seus interesses partidários e por isso, descartável.  Angola é um caso de estudo interessante por conta das suas expressões e manifestações de um sistema de apartheid partidário moderno.

O artigo nº 2 da Constituição consagra Angola como um Estado plural, de expressão e de organização política, e democracia representativa e participativa. Porém, a verdade é que o espaço político angolano continua a ser um monopólio do totalitarismo, intolerância e da exclusão, herdados do defunto Estado de Partido-único. Esta ideologia luta a todo o custo pela sua sobrevivência, camuflando-se em democracia com a acomodação de partidos “da” ou “na” oposição, que são corrompidos e outros imobilizados pelos benefícios materiais e financeiros que recebem.

O presente Estado Angolano está muito distante de uma democracia e mais próximo de um totalitarismo que ganha a sua legitimidade no Controlo Absoluto e Manipulação Violenta das Eleições, que se define como Autocracia Eleitoral. Houve uma transferência ideológica oportunista e perigosa do vírus do totalitarismo de Partido-único que usa o controlo e a manipulação das eleições para a sua sobrevivência e existência.

As manifestações presentes e visíveis da herança e do legado totalitário de Partido-único que tenta sobreviver a todo o custo são, entre outras:

  1. Esvaziamento Constitucional dos princípios e valores de um Estado de Direito Democrático;
  2. A negação, violação e repressão violenta, institucional e sistemática das liberdades e direitos fundamentais dos cidadãos pelas instituições do Estado (polícia, SIC e outros órgãos do Partido-estado);
  3. A falta de sensibilidade, empatia e solidariedade pela miséria e indigência da vida da maioria dos cidadãos angolanos;
  4. O controlo, monopolização, e a manipulação dos processos e das instituições eleitorais, especificamente o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) e o Tribunal Constitucional (TC);
  5. A divinização, idólatra e maligna do princípio da maioria, que é uma das maiores maldições e desgraças da política em Angola;
  6. A degeneração sistemática e propositada do sistema de educação, saúde e ciência;
  7. A degenerada e nefasta metamorfose do Partido Único e o Estado;
  8. A falta de independência e imparcialidade dos tribunais;
  9. A corrupção e impunidade em todo o sistema de governação, onde os próprios órgãos de justiça são os maiores e melhores promotores, e

Neste contexto, a manutenção do poder a qualquer custo se torna uma questão de vida ou morte, e os fins justificam os meios. O objectivo principal das eleições em Angola nunca foi para o exercício da cidadania do soberano, o povo, nem a construção de uma sociedade livre, justa, democrática, solidária, de paz, igualdade e progresso para todos, mas sim para o controlo e manutenção do poder político, económico e social peara o exclusivo benefício dos militantes do Partido-estado.

Em Angola instituiu-se um sistema à margem da Constituição, que se define como Autocracia, que usa as eleições para legitimar a concentração e o controlo do poder em uma única pessoa ou um único partido. O presente sistema autocrático possui um “Governo por si Próprio e para si Próprio”. E tem ao seu dispor, controlo absoluto e uso exclusivo das instituições e dos instrumentos de violência e morte do estado (polícia, serviços secretos, exército, dinheiro público e privado e os tribunais); neste contexto não é possível pensarmos e muito menos acreditarmos que as eleições servem para a promoção de princípios e valores da democracia. Não é possível!

Angola não é um caso isolado, é o mesmo problema que enfrenta Moçambique, Zimbabué, África do Sul, Namíbia, Guiné-Equatorial, Gabão, Congo-Brazzaville, Hungria, Venezuela e outros. Felizmente os nossos irmãos do Congo-Democrático estão mais evoluídos e avançados.

A conveniência política e ideológica de partido-estado delimita e restringe o espaço das liberdades e direitos dos cidadãos e da imprensa com a fabricação desesperada de leis e decretos que golpeiam à constituição e nos fazem lembrar as atrocidades da colonização portuguesa. Em Angola, os herdeiros do Partido-Único reivindicam que as suas ideias são Verdades Absolutas para todos, mesmo quando estiverem a mentir e errar. Isto só pode ser uma outra coisa, mas nunca uma democracia!

A Democracia, segundo o filósofo Norberto Bobbio, é o poder do povo (soberano) (art. 3º da CRA). Em Angola, a democracia é o poder do Partido-estado, através de eleições sempre contestadas e nunca julgadas pelos tribunais. A democracia se concretizava através de eleições livres, justas e transparentes com o voto directo dos cidadãos e com alternância de governação. Em Angola a nossa “dita” democracia é feita através do controlo, monopólio e manipulação das eleições com todo o tipo de impunidade, apoio e protecção dos órgãos de justiça e segurança.

Existe em Angola um sistema de governação que elabora estratégias e leis para esconder dos cidadãos (os soberanos) a verdade dos processos eleitorais. Inúmeras leis, decretos e estratégias foram aprovadas pela maioria parlamentar e implementadas com a única intenção de esconder dos cidadãos a verdade dos processos eleitorais e tornar impossível a sua fiscalização e observação. A soberania do Estado não pertence ao povo, mas sim ao Partido-estado. Aos cidadãos, povo (soberano) é reservado mentiras publicadas pelos órgãos de informação públicos e pelas instituições eleitorais como a CNE e o Tribunal Constitucional. Informações que nunca são verificadas e certificadas pelo povo. O medo e a impotência face às instituições de repressão, violência e morte do Estado Autocrático, o que nos resta é aceitar as mentiras e fingir que está tudo normal.

Angola não é, nunca foi e nunca será uma democracia plural através de eleições enquanto teimosamente perdurar o controlo, monopólio e a manipulação dos processos eleitorais e suas instituições pelo Partido-estado. A esperança da implantação da democracia em Angola não está na realização de eleições, não está na boa vontade política do partido-estado, porque nunca existiu, nem nos partidos da oposição, que não passam de discursos vazios sem acção e que foram acomodados e imobilizados com benesses materiais. A esperança está no povo (soberano) em particular os jovens de consciência livre e inconformados com o status-quo.  

*Pastor e activista cívico.

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