Elias Isaac: “Na sociedade civil há gente contra a cidadania. Há gente sem ética…!” (Iª)

Elias Isaac: “Na sociedade civil há gente contra a cidadania. Há gente sem ética…!” (Iª)

Oiça a entrevista:

      Elias Isaac: “Na sociedade civil há gente contra a cidadania. Há gente sem ética…!” (Iª)

Pensei que o país mudaria com o novo homem. Enganei-me! A igreja angolana está ao lado dos poderosos e ainda sugam os membros; vivemos uma ditadura dos partidos políticos; na sociedade civil há gente sem ética nenhuma e obstaculizam o progresso das lutas cívicas. Estas e outras afirmações foram proferidas pelo reverendo e activista Elias Isaac.

Agostinho Gayeta ─ O nosso convidado é o Pastor Elias Mateus Isaac. Também foi o representante da Open Society em Angola. Primeiramente gostaríamos que se apresentasse.

Elias Isaac ─ Bom, muito obrigado Agostinho e muito obrigado á equipa que vos acompanha. Eu chamo-me Elias Mateus Isaac. Sou Pastor a quase 37 anos, e nasci no Lobito. Tenho uma paixão desde criança sobre questões sociais. Na verdade é um grande prazer falar para vocês, e estou disponíveis as vossas questões.

AG ─ Vamos começar com esta questão relativamente a uma nota que está no seu rodapé do correio electrónico. É uma frase de Tomás de Aquino e diz: “não se opor ao erro é aprová-lo, não defender a verdade é negá-la”. O que isso tem a ver com o engajamento cívico?

EI ─ Isto para mim representa um princípio básico e fundamental, daquilo que eu entendo como a essência da nossa humanidade, porque a essência da nossa humanidade enquadra-se num espaço de amor, de solidariedade, de justiça, por isso, quando nós somos pastores ou activistas sociais ou mesmo políticos, até um certo ponto, e entendermos esses valores humanitários, então, chegamos ao ponto que não podemos nos calar quando vemos erros. Não podemos pensar que somos imparciais em questões de injustiça, não podemos! A todo erro devemos ser opostos. Toda a injustiça deve ser combatida. E isto faz parte da agenda da sociedade civil e de um activista cívico como eu.

AG ─ Já que fala da sociedade civil, então gostava que fizesse um comentário de forma geral daquilo que sabe sobre a sociedade civil angolana. Como é que olha para sociedade civil, qual é o seu comentário geral?

EI ─ Na verdade, a sociedade civil, especificamente angolana, para mim é um espaço muito particular. É um espaço muito sagrado de consciência em primeiro lugar. É um espaço de luta. É o espaço de reivindicação e é um espaço de promoção. Durante algum tempo, a sociedade civil envolvida nesse nosso contexto, como qualquer outra instituição no país tem os seus altos e baixos. Ela enquadra-se neste espaço nacional e hoje em dia temos uma sociedade civil que está a procura de redefinir a sua agenda por causa da nova conjuntura política.

AG ─ Do ponto de vista técnico, como é que olha para a sociedade civil angolana? Está tecnicamente bem organizada, bem composta?

EI ─ Olha, sinceramente falando sobre este assunto já esteve pior. A sociedade civil angolana já esteve pior. Nos últimos tempos: há 10 ou 15 anos eu vi a sociedade civil a evoluir, a desenvolver-se, a capacitar-se. Existem vários exemplos. Na verdade o Hossi é um dos exemplos vivo dessa evolução da própria sociedade civil, mas ainda falta. Falta mais! A sociedade civil além de entender que o seu espaço é um espaço de consciência é um espaço de ideologia. É um espaço de cumplicidade de uma agenda humanitária. Tem que possuir técnicas e habilidades para poder articular todos estes fenómenos que fazem parte da sua agenda. Ainda falta um pouco.

AG ─ Ou seja, ainda se vê por parte da sociedade civil alguma incompetência do ponto de vista de saber fazer?

EI ─ Até um certo ponto, sim!

AG ─ O que falta ser feito, para entrar nos carris e nos eixos?

EI ─Tem que existir uma agenda. As organizações da sociedade civil têm que existir perante uma agenda. O que nós vemos até agora é que uma organização da sociedade civil tende a fazer tudo. Isso não funciona assim. Uma sociedade civil tem que ter uma agenda; tem que ter um assunto, tem que ter um tema, tem que se especializar numa matéria para melhor contribuir. Eu penso que é aí onde vem as dificuldades que a maior parte das organizações da sociedade civil têm, porque querem fazer tudo. E não se especializam num tema ou num problema muito específico que querem abortar ou ajudar a resolver.

“…fiz discursos que apontavam para uma nova era, para um novo tempo para o nosso país. Na verdade nós caímos por causa do cansaço!”

AG ─A União Europeia em parceria com o governo angolano há alguns anos promoveu um programa ou um projecto que se chamou PAANE (Programa de Apoio aos Actores Não Estatais). Este era ou não um mecanismo de unidade da sociedade civil, já que falou da necessidade de uma agenda das organizações da sociedade civil? O PAANE não era um bom mecanismo para unir a sociedade civil e junto definirem uma agenda?

EI ─ Bem, até um certo ponto o PAANE era uma oportunidade, e isto agora aí dependeria das organizações da sociedade civil como iriam aproveitar esta oportunidade para poder fazer o seu trabalho. Aí é que está o segredo. Todas as organizações internacionais vêm com uma estratégia, vêem com um propósito de ajudar, mas depende do sector desta ajuda como vão utilizar esta ajuda. Eu não sou muito pela unidade das organizações da sociedade civil, porque cada organização tem uma agenda. Tem que haver consenso na acção, unidade na acção mas não unidade ou concórdia no tema ou no assunto porque tem que existir uma diversidade de assuntos. Uma diversidade na abordagem de vários temas que afectam a sociedade e cada um vai fazer aquilo que pode na sua área de actuação, mas tem que haver uma unidade. E temos de entender que a sociedade civil é um espaço de consciência, o espaço é de cumplicidade para o bem do ser humano porque este é que é o princípio da sociedade civil. Tem que haver um consenso na acção, essa cumplicidade nesta agenda humanitária. Também tem que haver a unidade deste princípio de unidade na acção. Isso vai fazer com que as organizações não percam a sua identidade, a sua essência e foco.

AG ─ Do ponto de vista do aprofundamento da democracia, há quem diga que a sociedade civil não tem estado a contribuir para o aprofundamento da democracia, mas contribui para o aprofundamento daquilo que se chama de tirania. Qual é o seu ponto de vista em relação a este aspecto?

EI ─ Eu não iria para este caminho. A minha observação é que a própria sociedade civil angolana tem deficiências. Tem limitações. E sofre muitas restrições. Muitas dessas limitações e restrições devem-se ao próprio sistema político que impõe sobre aquelas organizações da sociedade civil que não dependem do sistema de governação. Nós em Angola temos um sistema em que discrimina-se quem não concorda connosco; quem não pensa como nós. Em Angola, nós tivemos até um certo ponto e temos até agora um sistema de bajulação, de organizações da sociedade civil que surgiram para servir o Estado, para servir o partido. A sociedade civil não pode existir para servir um governo, nem para servir um partido, mas sim, para servir a sociedade, o povo.

Aquelas organizações da sociedade civil que deveriam desempenhar um papel na promoção da democracia, sofreram muita pressão. Sofrem muita restrição e não têm acesso aos dinheiros públicos. Não têm acesso aos dinheiros das instituições privadas que deveriam financiar acções sociais. Não têm acesso a nada. Existe um controlo político sobre o financiamento às organizações da sociedade civil, então, elas estão completamente desprovidas de meios para poder fazer o seu trabalho. Por isso, julgar e dizer que elas promovem até um certo ponto sistema totalitário não é bem isto. Não é bem isso!

AG ─ Mas até que ponto a sociedade civil trabalho consciente ou inconsciente para a manutenção das coisas quando estes compactuam com o discurso de que há democracia e vê-se claramente que não há democracia. Claramente, não há democracia no verdadeiro sentido da palavra.

EI ─ Absolutamente não há. Todos nós fomos apanhados. Fomos apanhados nesta onda. E nós acreditávamos que era uma onda de mudança que iria aconteceram no país. Nós aplaudimos muito. Incluindo eu fiz discursos que apontavam para uma nova era, para um novo tempo para o nosso país na verdade nós caímos por causa do cansaço, por causa do sufoco em que a sociedade civil angolana estava. Em especial as organizações da sociedade civil verdadeiramente engajadas.

“A questão principal do problema de Angola é a mudança no sistema político…”

AG ─ Está a referir-se aos 38 anos de poder de José Eduardo Dos Santos?

EI ─ Absolutamente. Foi uma era muito difícil, muito complicada. E com o surgimento de uma nova pessoa, embora do mesmo do mesmo partido, toda a gente pensava que as coisas iriam mudar. Mas agora começamos a entender o que está em causa. A questão é que a sociedade civil tem de entender que não é a mudança da pessoa que altera a realidade. A questão principal do problema de Angola é a mudança na transformação política deste país, o sistema político deste país é que têm de ser mudado. Não importa quem estiver . Não importa quais forem as boas ideias desta pessoa, mas se esta pessoa não tiver a coragem de transformar, de restruturar os alicerces políticos deste país, nada vai mudar!

AG ─ Ainda em relação a esta questão, ultimamente tem surgido estudos de especialistas na matéria, a dizerem que do ponto de vista técnico e científico Angola ainda não é um país democrático ou seja, não há democracia efectiva em Angola. Qual é o seu comentário sobre isso?

EI ─ Absolutamente. Angola não é um país democrático. Eu tenho dito sempre o seguinte: Angola vive uma ditadura dos partidos políticos porque a nossa democracia é multipartidária. Nós temos que entender isso. A nossa democracia multipartidária que pressupõe a existência de partidos políticos para existir democracia. A democracia deve ser pluralista, que vai além de partidos políticos. A nossa vida em Angola está sendo controlada, está sendo instrumentalizada pelos partidos políticos com maior conivência, com mais força do partido que está no poder há 44 anos. Para que exista democracia em Angola, o sistema político não pode incidir nos partidos. Os partidos políticos não são os únicos que fazem opinião, não são os únicos representativos do povo angolano. Existem organizações da sociedade civil, existem outras instituições que até representam muito e mais fielmente as populações do que os partidos políticos. E é isso que nós estamos a ver durante 44 anos. Os partidos políticos que se dizem que representavam todo povo, roubaram todo o povo, empobreceram todo.

AG ─ Daí a necessidade da sociedade civil ser mais efectiva, tal como disse no princípio da entrevista?

EI ─ (…) A sociedade civil tem que se posicionar num nível não submissão. Nem aos partidos políticos, nem ao poder político que governa. A sociedade civil tem o seu próprio espaço de actuação e ela tem que usar esse espaço como um equilíbrio da política em Angola. Os governantes deste país, os ditos políticos deste país têm que olhar para a sociedade civil não simplesmente como parceiros, como eles dizem, mas como uma franja da sociedade que também conta nas deliberações, na formulação das políticas públicas para esse país. O contrário, nós continuaremos a viver numa ditadura de partidos políticos. E é nisso em que nós estamos.

AG ─ Como não estar nessa situação uma vez que a sociedade civil está dividida. Temos uma sociedade civil pró-governo e temos uma sociedade civil que não é pró nem encontra, mas tenta fazer alguma coisa para contribuição, tenta contribuir para a democracia que se espera no país. Como podemos fazer?

EI ─ É aquilo que que eu disse: a sociedade e o Estado angolano não podem continuar a viver numa ditadura dos políticos. A democracia não se faz com partidos políticos. Faz-se com todos. Quais são as entidades que podem concorrer ao governo segundo a Constituição do país e as leis? São os partidos políticos. Já não existe candidaturas de pessoas que não estão filiadas aos partidos políticos. Será que eu preciso ser afiliado num partido político para poder contribuir politicamente para o bem do meu país? Isso não é democracia. Isso é ditadura dos partidos políticos, então a Constituição e as leis ordinárias que existem nesse país, tais como a lei eleitoral e as outras leis devem ser revistas, mudadas para serem mais inclusiva, mais participativa. Para que todos os angolanos possam participar de igual modo na vida política da nação. Eu não preciso de um partido político para ser angolano e para poder contribuir para o meu país. Infelizmente a ditadura que nos foi imposta pelos partidos políticos nos põe nessa jaula.

AG ─ Luís Araújo, numa entrevista ao Diário de Notícias, dizia que “os partidos políticos são ornamento da continuação do regime”. Esta frase se pode aplicar também a sociedade civil? Como sendo o ornamento da continuação do regime?

 EI ─ Absolutamente. Tem que haver.

“…as práticas, as atitudes e costumes dos partidos políticos da oposição não são diferentes daqueles que estão no governo”

AG ─ Um olhar para este contexto que acabou de anunciar…

EI ─ Certamente, tem que haver uma diferença. Deixa-me começar pelos partidos políticos da oposição. Deve haver uma diferença quando os partidos políticos da oposição passam a vida a criticar a corrupção. Passam a vida a criticar a má gestão da coisa pública mas, são entidades, são pessoas que aceitam contribuir e participar nesse processo da corrupção. Recebem carros que custam 200 e 300 mil dólares quando humildemente poderiam receber carros que custam 60 a 100 mil dólares. E o resto reverteria para os cidadãos que estão a morrer de fome. Tem que haver uma diferença. A diferença não está no discurso político entre oposição e o partido que está no governo, a diferença tem que aparecer nas acções e nas práticas e nas atitudes que os partidos políticos da posição apresentam perante o povo. Neste momento, as práticas, as atitudes e costumes dos partidos políticos da oposição não são diferentes daqueles que estão no governo, com uma excepção diferencial: é que eles não têm acesso directo aos cofres do Estado como têm os políticos do partido-Estado.

A sociedade civil é a mesma coisa. Até que ponto podemos aceitar os direitos sociais e económicos dos angolanos continuam ser adiados, existem pessoas que não têm alimentação, existe pessoas que não têm água, não têm energia eléctrica, não têm educação, não têm saúde. As pessoas morrem. Até que ponto é que nós podemos aceitar isso como normal e nos calarmos. Se pensarmos que o governo vai fazer quando todos nós, hoje sabemos que os governantes roubaram e roubaram muito bem. A sociedade civil não pode ficar calada. A sociedade civil tem que se distanciar, e ter uma posição bem clara em relação a esses fenómenos.

AG ─ Há uma sociedade civil que nunca está calada. É aquela que muitas vezes apoia quem está no poder, que está a praticar actos de corrupção, que sai fazendo passeatas. Como é que olha para esta outra forma de expressão da sociedade civil que existe em Angola?

EI ─ Bom, eu não tenho muitos comentários a fazer sobre esta sociedade civil porque nunca pertenci nela. É a realidade dos regimes ditatoriais, dos regimes da natureza que nós temos em Angola. Cria grupos desta natureza para poderem espelhar uma imagem que não é verdadeira. Isto é normal para os regimes ditatoriais como aquele que nós tivemos ou o que temos até hoje.

AG ─ Hoje já há organizações que recebem financiamento do Estado?

EI ─Muitas delas recebem financiamento do Estado. O meu imposto, o seu imposto. Isso não é só o dinheiro que vem do petróleo. E o petróleo não é propriedade de um grupo ou de um partido político. O petróleo é propriedade de todos, então todos deviam ter acesso e àquilo que eu disse. Há organizações que beneficiam dos fundos públicos de forma leviana e há outras organizações que são combatidas. Não recebem o dinheiro do Estado e são reprimidas.

As outras organizações foram criadas com objectivos claros: primeiro, não têm consciência cidadã, não existe uma cumplicidade ideológica. O que nelas existe são interesses. E estes interesses são imediatos, são interesses egoístas e não interesses para toda a nação.

AG ─ Ora bem, a outra questão é relativamente a escola. A formação que o cidadão deve ter, a escola deve preparar o cidadão também para vida cívica, para a paz, para a produção da própria paz e para a vida em comunidade. As escolas em Angola  preparam os cidadãos?

“O que existe é uma educação para servir o partido. Para servir a guerra, para servir a revolução, para servir o sistema e não para servir a sociedade.”

EI ─ Na verdade, há algum tempo, nós fizemos um trabalho com o Domingos da Cruz sobre a questão da democracia nas universidades, liberdades, e chegou-se à conclusão que não há liberdade científica! Não vamos falar mais do ensino primário. Olha, no ensino de base, não existe uma reforma educacional séria! O que existe é uma educação para servir o partido. Para servir a guerra, para servir a revolução, para servir o sistema e não para servir a sociedade. E é aí onde você consegue entender que até hoje, depois dos 44 anos de Independências, as universidades angolanas no seu curso de Direito não dão a matéria de direitos humanos. Isso já é um indicativo de que há uma decisão política para vedar a população, os estudantes de todo este conhecimento. Alguém disse a mim que os estudantes depois de terminarem os seus cursos nas universidades, reproduzem conhecimento. Tudo que os estudantes fazem é reproduzir literatura. Não produzem pesquisas.

F/rmc

AG ─ Ou seja, a aqui há uma dicotomia entre aquilo que deve ser a Universidade e o que é a Universidade. O que deve fazer é produzir conhecimentos e quilo que de facto é a realidade de Angola…

EI ─Neste país as universidades não produzem conhecimento. As universidades não são espaços críticos do pensamento. Tenho pessoas amigas que trabalham nas universidades e muitos deles estão lá porque é emprego. Estão convictos que aquele espaço universitário, que aquelas universidades estão completamente controladas em termos políticos, pelos comités do partido. Isso existe ainda hoje. É um controlo absurdo, doentio e demente. É patológico. (…) a estratégia é controlar os espaços universitários; controlar os espaços de educação para que as mentes das pessoas estejam completamente vazias do compromisso cívico. Devem ser somente servidores do Estado; fazer dinheiro e servir o sistema e mais nada. Tudo o que é público não lhes interessa. O que interessa é trabalhar e ganhar e ponto final. Esta é a situação.

“Eu não acredito que com o presente sistema político as universidades vão mudar.”

AG ─ Nesta situação, que futuro teremos na formação de cidadãos com princípios cívicos e mesmo morais?

EI ─ Olha, há uma amiga que está na Suíça. Numa conversa que tive com esta pessoa está semana, ela dizia que acreditava muito na nova geração que está integrar o governo e eu dizia a esta pessoa que eu tenho um ponto de vista contrário. Eu tenho muito mais medo desta nova geração que está a integrar o governo porque os últimos roubos que foram feitos nesse país foram feitos por pessoas novas no Banco Nacional e nos outros bancos. Nas outras instituições foram também os jovens que fizeram esses assaltos porque o próprio sistema de educação, o próprio sistema político promoveu este pensamento. Nesta carência está a necessidade de roubar. Até tornou-se uma necessidade de roubar para um indivíduo sobreviver. Eu não acredito que com o presente sistema político as universidades vão mudar. Não mudarão! Ainda anteontem fui à uma conferência que se realizou no Cacuaco onde se falava da introdução de Direitos Humanos no currículo. Mas isso não é matéria de discussão. Isso é uma necessidade imperiosa para um país democrático e de Direito. As questões sobre Direitos humanos fazem parte e não é uma questão ou motivo de discussão.

AG ─ Qual é a realidade de outros países da nossa região neste capítulo?

EI ─ Angola está muito mal. Mesmo comparando com os nossos irmãos do índico, Moçambique, Angola está muito mal. Nós temos uma sociedade muito repressiva. Nós temos uma sociedade muito controlada politicamente. Hoje, em Moçambique já não é tabu falar-se dos Direitos Humanos e há até centros de Direitos Humanos nas universidades. Angola não tem.

AG ─ Mas há organizações da sociedade civil que têm estado a fazer alguma coisa. Refiro-me a AJPD e inclusivamente a própria Open Society também vai promovendo algum debate. Não é suficiente?

EI ─ Não é suficiente. E isto não é o meio principal. O espaço principal onde se pode ensinar e promover os princípios de direitos e princípios cívicos, princípios de interesse público são as escolas. Essas organizações da sociedade civil não têm acesso às escolas. Esta é uma questão política. Não é uma questão de vontade da sociedade civil. A sociedade civil pode ter vontade, mas se não existir uma decisão política, um posicionamento político do governo sobre esta matéria nas universidades, não se faz nada.

Angola está muito bem para o inglês ver, para o estrangeiro ver. Não está e não se entende porque é que até hoje as universidades privadas e públicas não conseguem ter cursos específico de direitos humanos nas faculdades de Direito ou outras faculdades de ciências humanas.

AG ─ Ainda ligado à própria sociedade civil, a igreja tem um importante papel. Nesse sentido a Igreja pode ajudar na promoção de temáticas ligadas aos direitos humanos e até influenciar o poder político?

EI ─  Olha, a Igreja é uma autoridade que não precisa da autorização do governo para fazer as suas coisas. Infelizmente, em Angola não sei qual é a razão. Não sei por que razão, parece que as Igrejas dependem da autorização do governo para poder fazer as coisas. Não deveria ser assim. As Igrejas por si próprias são autoridades e são uma autoridade que está acima do governo político. Este é o meu entendimento. A Igreja em Angola não consegue entender: primeiro, a sua identidade e a sua missão. Por que é responsabilidade da Igreja, assim como a Igreja fez, segundo dizem no tempo colonial. O mal não tem cor. Se naquela época de posicionaram contra a injustiça, devem fazer também hoje.

AG ─  E é isso que dizem os livros proféticos?

EI ─  Parece que as Igrejas entenderam que só é injustiça quando é o branco contra o negro, mas quando é negro contra o negro já não existe injustiça. Isso não é uma outra coisa. Há mais pessoas pobres hoje do que houve no tempo colonial. Existe mais musseques hoje do que existiu no tempo colonial. Existem mais sanzalas hoje do que existia no tempo colonial.

F/rmc

AG ─  Ou seja, a teologia devia casar muito bem com as questões ligadas a própria sociedade civil, o activismo cívico?

EI ─ A teologia é o pensamento de Deus para o ser humano. A teologia não é o pensamento de Deus para Deus. A teologia é o um pensamento de Deus para nós. E o pensamento de Deus para nós, é para que vivamos nesta terra em paz, em amor, com justiça e bem-estar social. Esta é a teologia de Deus. Esta é a teologia bíblica. E esta teologia parte do antigo testamento. Vem desde Moisés, parte com os profetas, vai nos Evangelhos de Jesus Cristo. É todo um percurso do princípio até ao fim. Então, a Igreja é útil cá na terra. A igreja não é útil nos céus. A missão da Igreja é aqui na terra. Muitas vezes é revoltante quando a gente vê pastor e sacerdotes a exigir do membro certas coisas: dízimos e outras coisas, sem eles próprios entenderem que este membro não tem emprego; esse membro da Igreja não tem água em casa; não tem energia; não tem alimentação os seus filhos estão doentes.

 A teologia serve aqui na terra. Serve a vida aqui na terra. A teologia não serve a vida nos céus, serve aqui na terra. As igrejas perderam o rumo: primeiro, da sua identidade; segundo, a missão da Igreja é ser sal da terra e luz do mundo aqui na terra. Infelizmente a igreja em Angola por conveniência política, por conforto, por segurança física e material despiu-se da sua responsabilidade e age contra os membros da sua comunidade. Enquanto aqui se vive a miséria isto é contra o evangelho de Jesus Cristo. Isso é contra os princípios bíblicos.

Nota: A segunda parte será publicada entre 23 a 27 de Setembro.

 

RELACIONADOS:
Fraude eleitoral inevitável. Onde está a fúria do povo para travar

Manuel Luamba* ǁ As próximas eleições gerais em Angola, estão previstas para 2022. Os angolanos já foram às urnas para escolher os deputados e o presidente da república por quatro Leia mais

Fraude eleitoral em Angola: Como os cidadãos podem contribuir para evitar?

Nelson D. António* ǁ "O maior castigo para aqueles que não se interessam por política é que serão governados pelos que se interessam" – Platão. O cidadão e a política. Leia mais

Totalmente fraudulento

  Luzia Moniz* ǁ A fraude eleitoral, longe de constituir um acto isolado, faz parte de um processo dinâmico ancorado na gigantesca fraude que é o Regime do País. De Leia mais

1 Comentário

  1. Prata Pedro

    SE HÁ UM HOMEM CORAJOSO, UM DELES É O PASTORA ELIAS MATEUS ISAAC.
    FOI NOSSO PASTOR POR MUITO TEMPO.
    TEM UMA BOA COISA. MANTÉM A SUA POSIÇÃO DE SIM SIM, NÃO NÃO.
    FORÇA 💪! ÁGUA MOLE EM PEDRA DURA TANTO BATE ATÉ QUE FURA.

Comments are closed.