Lei de Imprensa e o exercício da liberdade de expressão

Lei de Imprensa e o exercício da liberdade de expressão

Manuel Ngangula* ǁ O artigo 44.º da Constituição da República de Angola (CRA), consagra a liberdade de imprensa na panóplia dos direitos, liberdades e garantias fundamentais. Para se efectivar na vida de um indivíduo, a liberdade de imprensa deve conjugar-se com a liberdade de expressão, consagrada no art. 40º da CRA.

Nos termos do Art.44º, nº1, da CRA, a liberdade de expressão é garantida, não podendo ser sujeita a qualquer censura prévia, seja de natureza política, ideológica ou artística. É obrigação do Estado assegurar o pluralismo de expressão, a diferença de propriedade e a diversidade editorial dos meios de comunicação. No Art. 40º, nº1, sob a epígrafe “liberdade de expressão e de informação’, consagra-se que “Todos têm direito de exprimir, divulgar e compartilhar livremente os seus pensamentos, as suas ideias e opiniões, pela palavra, imagem ou qualquer outro meio, bem como direito e a liberdade de informar e de ser informado, sem impedimentos nem discriminações”. No nº2, define-se que, “o exercício dos direitos, liberdades constantes no número anterior, não pode ser impedido nem limitado por qualquer tipo ou forma de censura”. Assim, os dois artigos referidos consagram, de forma explícita, a liberdade de expressão e imprensa. A liberdade de imprensa está consagrada na Lei nº 1/17, de 23 de Janeiro (Lei da Imprensa) (LI), precursora da Lei nº 22/91, de 15 de Junho e da Lei nº 7/06, de 15 de Maio. A LI estabelece os princípios gerais que orientam a comunicação social e regula as formas de exercício de liberdade de imprensa, nos termos do Art. 1, da LI, densificando o Art. 44º, da CRA.

A problematização da liberdade de imprensa exige a compreensão do conteúdo da liberdade de expressão e informação, para compreendermos melhor a censura prévia a que tal direito tem disso alvo durante o seu exercício.

A República de Angola é um Estado democrático e de direito, que se caracteriza pelo pluralismo de expressão, de organização política e a democracia representativa e participativa (Art. 6, CRA). O pluralismo de opinião é um desiderato que se concretiza pelo pleno exercício da liberdade de expressão e de informação que encontram o seu veículo de transmissão na liberdade de imprensa. É através do exercício da liberdade de imprensa que os cidadãos podem manifestar as suas opiniões e pensamentos sobre os mais diversos assuntos da vida pública nacional e internacional. É, também, por via da imprensa que os cidadãos e os grupos da sociedade civil organizada podem expressar a sua visão da sociedade, de acordo com os mecanismos que a LI estabelece.

O Art. 3º da LI refere, de forma explicativa, os meios de comunicação social – jornais, incluindo eletrónicos, revistas, radiodifusão e televisão. Sobre o conteúdo, o Art.5º responde ao 1º que “a liberdade de imprensa se traduz no direito de informar, de se informar e ser informado através do livre exercício da actividade de imprensa, sem impedimentos nem discriminações. A liberdade de imprensa não deve estar sujeita a qualquer censura prévia, nomeadamente de natureza política, ideológica ou artística. Como iremos ver, a censura prévia ao exercício da liberdade de imprensa decorre dos limites que a própria lei estabelece.

O Art. 6º, nº1, refere-se às garantias do exercício de liberdade de imprensa, nos termos da Constituição e da Lei. A lei prevê vários mecanismos para garantir a liberdade de imprensa, podendo-se destacar os seguintes: assegurar a informação ampla e isenta; o pluralismo democrático; a não discriminação; a garantia do respeito pelo interesse público, através de a) medidas que impeçam a concentração de empresas proprietárias de órgãos e comunicação social que ponham em perigo o pluralismo de informação; b) o reconhecimento do direito de resposta e de rectificação; c) o respeito pelas normas de ética e deontologia profissionais, no exercício da actividade jornalística, d) o livre acesso às fontes de informação, nos termos da lei.

Assiste-se, hoje, uma concentração dos meios de comunicação social televisivos nas mãos de um único proprietário: o Estado que, por via do Ministério da Comunicação Social e Tecnologia de Informação, exerce igualmente a tutela do sector, o que não garante o livre exercício da liberdade de imprensa, ao não permitir o pluralismo de informação, em detrimento de outras forças vivas do país. Nomeadamente, os partidos políticos na oposição e outros sectores da sociedade civil que não alinham com quem detém o poder político e que tem definido o que constitui interesse público. Pode considerar-se como limite ao exercício da liberdade de imprensa a ausência de espaços, nos meios de comunicação social públicos, para expor livremente as suas ideias, sendo-lhe coartado um direito fundamental estruturante.

As restrições ao exercício da liberdade de imprensa encontram-se respaldadas no Art. 7, da LI e têm como base os princípios, valores e normas da Constituição e da lei. O referido artigo explica que os limites ao exercício da liberdade de imprensa visam salvaguardar a objectividade, rigor, isenção da informação, defesa do interesse público e da ordem democrática, proteção da saúde e da moralidade pública. A LI institucionaliza a Entidade Reguladora da Comunicação Social (ERCA), enquanto entidade responsável por assegurar a objetividade e isenção da informação e salvaguardar a liberdade de expressão e do pensamento na imprensa, segundo o Art. 8º, da LI.

A Lei nº 2/17, de 23 de Janeiro, regula a organização e funcionamento da ERCA. Por conta da sua composição, baseada em critérios político-partidários, não têm tido a capacidade de puder garantir a isenção de informação na imprensa, fundamentalmente na pública, pelo que o seu papel de garante do exercício da liberdade de expressão tem sido nulo. O interesse público, como um dos principais limites ao exercício da liberdade de imprensa, resulta do disposto nos Art. 9º, 10º e 11º da LI. Define-se por interesse público como a informação que tem os seguintes fins gerais: informar o público com verdade, independência; assegurar a livre expressão de opinião pública, contribuir para a promoção da cultura nacional; promover o respeito pelos valores éticos e sociais da pessoa e da família, a boa governação, entre outros. O interesse público que se apresenta, para explicar o limite que constitui, não encontra na prática diária, pois não se pode admitir como se vê. Determinados sectores de opiniões, cuja livre expressão deve ser assegurada em condições idênticas como as que detém poder, continuem sem espaço na comunicação social, fundamentalmente pública, ou com acentuadas limitações.

As restrições à liberdade de imprensa, previstas na lei, podem ser enquadradas em dois grupos, a censura de natureza preventiva e as de natureza repressiva, sendo que estas podem ser administrativas e judiciárias. A censura de natureza preventiva, por exemplo, pode acontecer quando, para se constituir uma agência notícia se exige o montante de Kz. 35.000.000,00 (trinca e cinco milhões kwanzas) como capital mínimo, o que não permite a criação de televisão ou radiodifusão comunitária, acrescido dos entraves burocráticos (Art. 46º, da LI). A censura repressiva administrativa reside, fundamentalmente, na aplicação de multas por parte do departamento ministerial responsável pelo sector, no caso do incumprimento de algumas normas impostas pela LI, sem possibilidade de recurso judicial na fase da fixação de montante da multa a pagar e que dá lugar à execução fiscal (Art. 82º, da LI). Já a censura repressiva judiciária, está relacionada com a possibilidade de responsabilização dos seus autores, no exercício da liberdade de expressão, que sejam lesivos aos interesses e valores protegidos por lei, nos termos dos Art.78º e 81º da LI, que remete para o Código Penal.

O exercício cabal da liberdade de imprensa pelos seus destinatários, vai depender da definição do interesse público, que de tempo em tempo e em função dos interesses dos grupos e que em determinada conjuntura histórica, controlam o poder.

*Jurista.

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