Lûmbu: Instituição Democrática?

Lûmbu: Instituição Democrática?
Seamba
[Pt| OI|]

Por Rui Seamba|| Introdução. Este texto visa pura e simplesmente, analisar sobre os “sinais” de democracia ou não no antigo Reino do Kongo. O Lûmbu, apontado pelo autor angolano Patrício Batsîkama, na sua obra “Lûmbu: Democracia no Antigo Kongo, publicada em 2014.

Para esta reflexão, usar-se-à a ferramenta bibliográfica. Claro que o trabalho de campo seria a melhor via. Por escassez de tempo e de recursos não se seguiu tal procedimento. No entanto, isso não vai retirar o objectvo do presente texto. Não é cultura em Angola, as obras e autores deste país rebatê-los, o que eleva a valência deste artigo.

O pensamento endógeno africano e quiçá angolano será também a base de análise da presente pesquisa. Obviamente, buscar-se-á o pensamento ocidental, porque em ciência não há fronteira, por um lado. Por outro, a contradição e outros “olhares” dinamizam e enriquecem o conhecimento.

O continente africano, considerado berço da humanidade, foi palco de passagem de várias ideologias políticas, todas com o intuito de colocar a África no pedestal do desenvolvimento:

  1. A negritude (proposta de Leopold Senghor);
  2. A personalidade africana (promovida por Kwame Nkruma);
  3. A ujaama (agricultura baseada em cooperativas, de Julius Nyerere;
  4. Ouhuru (liberdade) de Jomo Kenyatta;
  5. O humanismo africano de Kenneth Kaunda e;
  6. A revolução cultural de Mobutu Sese Seko.

 

Aristoteles
[Pt|rmc| Aristóteles]
Infelizmente, nenhuma delas melhorou de forma significativa a situação social da população africana. Como refere o escritor Turaki, “ainda enfrentamos várias crises sociais, políticas, religiosas, económica e culturais” (2010, p. 814).

A democracia, em África, começou a ser “moda” após a queda do muro de Berlim e o fim da guerra fria. A economia de mercado e o multipartidarismo são alguns dos princípios da democracia, que começa a surgir a partir da década de 90. Não se resume em eleições. É um processo importante da democracia.

Infelizmente, há exemplo de países da África-Subsariana, como é os casos do Zimbabwe, Costa de Marfim, Congo Brazzaville, Somália, Serra Leoa, Nigéria e tantos outros países da região, cujos conflitos são os grandes obstáculos do desenvolvimento e do estabelecimento da democracia. Países como Cabo Verde e Bostwana têm vindo a reforçar este elemento, registando-se neles uma estabilidade política, social e económica, que são garantias do sucesso da democracia.

Voltando ao insucesso, a questão que se coloca é a seguinte: quais as causas desse insucesso? Conflitos étnico, sociais e políticos são os mais evidentes. Face a isso, muitos políticos e intelectuais vêm questionando se esta democracia é de África. Haverá uma democracia africana?

Vale salientar: a democracia gerida por homens não é um regime perfeito, mas é consensual que ela resista aos vários abalos, tanto externos, como internos, do próprio regime democrático. Segundo Dahl (2001, p. 35):

“hoje, o número de países democráticos é bem maior se compararmos com os não democráticos. A democratização não seguiu a trilha ascendente até o presente. Havia altos e baixos, movimentos de resistência, rebeliões, guerras civis, revoluções”.

Antes de se fazer uma análise sobre o objecto, Lûmbu, permitam-me “viajar” aos preceitos teóricos para os ajudar a perceber:

A participação máxima, a limitação, a partilha do poder e a solidariedade são aspectos que fazem moradas na democracia, conforme a perspectiva africana. A família é a base da discussão, para definir qualquer deliberação a favor do interesse colectivo: esse é um papel de extrema importância. Portanto, na questão da autogestão, os debates partem da base para o topo (KI-ZERBO, 1998, p. 65). Não se pode aferir a forma e a concretização da política em África sem que se olhe para o funcionamento da comunidade e do antepassado: “no momento da deliberação dos assuntos, o trabalho de consulta já se tinha efectuado, consulta às mulheres e às famílias; e muitas vezes, não se realizava a reunião em “assembleia”, porque as mulheres não tinham sido ouvidas, o que demonstra que o tipo de participação africana já tinha um carácter mais inclusivo do que a “famosa” e “modelar” democracia ateniense.

Outra característica da democracia tradicional africana é a distribuição equilibrada do exercício do poder, muito antes do pronunciamento dado por Montesquieu, com a sua famosa divisão trienal de poder: executivo, legislativo e judiciário. O poder, em África, é comparado a um ovo: quanto mais, apertá-lo, maior será a probabilidade de ruptura; se não for agarrado com segurança, ele escapará(1). O respeito dos direitos e deveres do cidadão na comunidade já era tido em conta, mesmo na sua perspectiva. Por outro lado, o adágio pode-se interpretar da seguinte maneira: não se pode exercê-lo com muita severidade, nem com demasiada negligência, porque o poder é exercido sob e sobre a pessoa humana.

Na constatação sobre o Poder Tradicional há de referenciar as seguintes figuras: Makotas, Seculus, Soba, Soma, N´totila e Mwata, etc.  Nomes(2) de reis ou similar próximo que constituem a herança cultural angolana e africana de modo geral. A eles cabia o direito de dirigir os destinos da comunidade sob a sua jurisdição.

Esfera pública lumbo
[Pt| rmc| Nas democracias contemporâneas, as redes sociais concretizam e alargam a esfera pública]
As monarquias angolanas funcionavam sob a base da hereditariedade electiva. O rei, em Angola, era eleito pelos grandes chefes, só eram eleitos aqueles que tivessem laços consanguíneos matrilineares. Esta atitude democrática, segundo Pinto (2004, p. 8) demonstrava uma cultura política elitista, legitimada pela comunidade. Na África Bantu, a figura de Mani ou Mwene está associada à governação do grupo. Normalmente, outorga-se a direcção do governo a um sucessor, que é quase sempre um irmão, pela linha materna, tio, sobrinho ou alguém da sua confiança.

Se partir do pressuposto que os povos do antigo Reino do Kongo pertence a comunidade Banto, então há necessidade de se falar, em função do assunto que se está a analisar, nos fundamentos da Cultura Tradicional Bantu: a participação ─ é o princípio-base da cultura bantu. É pelo princípio que fluem, com rigor lógico, todas as instituições políticas, sociais, económicas, artísticas, e nele se fundamenta a Religião Tradicional. Dito de outro modo, a participação é um elemento identitário do Bantu, quer de ponto de vista individual, como colectivamente. “A participação é a razão última, não somente pessoal de cada homem, mas desta unidade na multiplicidade, desta totalidade, desta unidade concêntrica e harmónica do mundo visível e invisível” (Altuna, 2006: 53).

Matriz da democracia hegemónica 

Antes de fazer referência às abordagens democráticas, minimalista, deliberativa e constitucionalista, propostas por Schumpeter, Harbemas e Bobbio respectivamente, vale antes, abordar a noção de democracia nos seus “primórdios”.

Assim, do ponto de vista etimológico, a palavra democracia provém do grego demos (que significa povo) e kratía (governo). Entendia-se que o poder político era exercido pelo povo e para o povo. Já Aristóteles (1998, p. 121), defendia que apenas os homens livres tinham o privilégio de exercer o poder político. Além disso, não se imputava a categoria de cidadão por naturalização, mas somente por nascimento: “[…] falemos aqui apenas de cidadãos de nascimento, e não dos naturalizados” (ARISTÓTELES, 1998, p. 41). Nessa perspectiva, estavam fora da esfera de cidadania os estrangeiros, os escravos e as mulheres; os filósofos, também, rejeitavam a categoria de cidadão ao idoso “[…] por causa da sua decrepitude” (ARISTÓTELES, 1998, p. 41). Cidadão seria, então, aquele que tinha o direito de voto nas assembleias e de participação no exercício do poder público na sua pátria.

Como se pode depreender, o conceito de democracia na perspectiva da Grécia Antiga estava ancorado numa democracia directa sem intermediação. A prática democrática antiga, participação directa, só convinha às cidades-Estados. Hoje, com os Estados modernos territorialmente extensos e demograficamente elevados, esse tipo de democracia torna-se impraticável.

Por outro lado, em Roma, o direito de participar na “coisa pública” era prerrogativa de patrícios e aristocratas (DAHL, 2001, p. 22). As mulheres ainda não tinham conquistado esse direito; eram excluídas das decisões públicas.

A democracia do tipo grego já não corresponde à realidade vivida pela sociedade moderna, a qual criou a representativa. Nesta, é imperioso trazer Rousseau com a sua obra “O Contrato Social”, onde defende que as principais decisões políticas sejam tomadas pelas elites políticas, as quais cheguem ao poder por intermédio de eleições livres (ROUSSEAU, 1996, p. 32). Ademais, “[…] se as opiniões forem harmoniosas e aproximadas, melhor será para a assembleia, porque haverá vontade geral” (ROUSSEAU, 1996, p. 129). Com isso, esse pensador defende o princípio da vontade geral em detrimento da vontade individual. Defende, também, a aplicabilidade do pacto social, a partir da aprovação de todos os membros da comunidade, mesmo quando for contra a vontade de um determinado grupo. De facto, nas palavras do mesmo autor:

Lumbo minoria
[Pt| rmc|Nas democracias respeita-se e promove-se as minorias…]
O cidadão consente todas as leis, mesmo as que são aprovadas contra a sua vontade, assim como as que o punem quando ousa violar algumas delas. A vontade constante de todos os membros do Estado é a vontade geral; por ela é que eles são cidadãos e livres. Quando se propõe uma lei na assembleia do povo, o que se lhe pergunta não é precisamente se aprovam a proposta ou se a rejeitam, mas se ela está ou não de acordo com a vontade geral que é a deles; cada qual, dando o seu sufrágio, o seu parecer, e do cálculo dos votos extrai-se a declaração da vontade geral (ROUSSEAU, 1996, p. 130).

Spinoza é considerado por alguns teóricos – a exemplo de Schumpeter – como o primeiro teórico da democracia moderna. Na sua obra “O Tratado Político”, publicada na década de 70, define democracia como o regime que envolve todos os cidadãos que apresentam condições cívicas e que nasceram num determinado território. Eles devem poder exercer todos os direitos que lhes cabem: sufrágio e o acesso às funções públicas; direito de reclamar, desde que não tenham cometido nenhuma infração que restrinja o exercício do seu direito na sociedade (SPINOZA, [197?], p. 231). Para este autor, somente a lei é o fundamento da escolha dos governantes, e não o capricho das pessoas; diferenciando aqui que numa democracia, o que vale são as normas, a lei, e não a pessoa. Tal pensamento chegou a influenciar outros autores, como Schumpeter, Dahl, Lijphart, Habermas e Bobbio, nas suas postulações com as suas perspectivas de democracia.

Com a Declaração do Homem e do Cidadão e com a Revolução Francesa (1789), a democracia colocou o indivíduo como o fundamento principal. Na perspectiva africana, o poder tem como base a comunidade e os seus antepassados; ao contrário das sociedades modernas que esperam das autoridades políticas o uso do poder para preservar e proteger os direitos, os indivíduos e não o grupo (TURAKI, 2010, p. 814).

Schumpeter, na sua obra “Capitalismo, Socialismo e Democracia”, publicada em 1942, faz uma incursão sobre os precedentes; porém, antes, faz um reparo, de forma indirecta, alegando que a democracia não é a solução de todos os males da sociedade. Para ele: “[…] a democracia é um método político, ou seja, é um tipo de arranjo institucional para se chegar a decisões políticas (legislativas e administrativas) e, portanto, não pode ser um fim em si mesmo”. Ele avança e torna mais claro quando diz que é “[…] o método que uma nação usa para chegar a decisões” (SCHUMPETER, 1984, p. 304, 305). Assim, a vontade da maioria seria expressa por meio de eleições: este é o arranjo institucional proposto pelo autor. É, portanto, chamada de “minimalista”, porque as eleições seriam a base fundamental para a verdadeira conceptualização da democracia.

Dahl é um dos continuadores do pensamento democrático de Schumpeter. Porém, ele não se prende somente às eleições como a base da democracia: acrescenta a questão da liberdade de escolha dos cidadãos. Assim, o autor apresenta, na sua obra “Poliarquia”, uma lista de preferências que o cidadão deve ter como garantia da democracia:

  1. liberdade de formar e aderir às organizações;
  2. liberdade de expressão;
  3. direito de voto;
  4. direito dos líderes políticos disputarem o poder político;
  5. fontes alternativas de informação.

Para que os cidadãos exprimam as suas preferências, além das cinco garantias citadas, o autor acrescenta outras duas:

  • ser votado e buscar apoio para tal;
  • existir garantias de eleições livres e idôneas (DAHL, 1997, p. 27).

Lumbo voto
[Pt| rmc]
Diversos são os autores que concordam com o postulado, segundo o qual o cidadão é ou deve ser o principal sujeito de direito, chamando para si a participação na vida pública, a fim de controlar os seus representantes. Dentre os pensadores que seguem essa linha de pensamento, pode-se citar Dahl (2001, p. 99-100). Ele apresenta seis critérios importantes, necessários para uma democracia mais inclusiva:

1) funcionários eleitos; as decisões de governo devem ser investidas constitucionalmente a funcionários eleitos pelos seus concidadãos;

2) eleições livres, justas e frequentes: funcionários devem ser escolhidos em eleições frequentes e justas;

3) liberdade de expressão: todo o cidadão tem direito de se expressar sem risco de sérias punições em questões políticas amplamente definidas às críticas aos funcionários, ao governo, ao regime, à ordem socioeconómica e à ideologia prevalecente;

4) fontes de informação diversificadas: os cidadãos têm o direito de buscar fontes de informação diversificadas e independentes;

5) autonomia para as associações: na prossecução dos seus objectivos, os cidadãos têm o direito de formar associações e organizarem-se autonomamente, em partidos políticos e grupos de interesses;

6) cidadania inclusiva: garante o direito de votar e ser votado para os postos eletivos; e ter direito a outras liberdades e oportunidades, necessárias a um bom funcionamento das instituições democráticas.

Nesse contexto, surge Lijphart que, após estudar exemplos de democracia em 36 países, apresenta dois modelos, com duas modalidades de democracia. O primeiro modelo é chamado majoritário; parte do pressuposto da definição clássica: “[…] governo pelo povo e para o povo”, levantando assim questões importantes como: “Quem governará?” e “Quais os interesses que o governo deverá atender, quando houver discórdia?” A resposta única e simples: provém da decisão da maioria popular. Essa é a chave do modelo democrático maioritário: o número. Como se pode observar, com esse modelo, pretende-se chegar a um ideal pleno do conceito de democracia.

O segundo modelo, consensual, caracteriza-se pela abrangência, a negociação e a concessão, o que, em outras palavras, é chamado de democracia da negociação (LIJPHART, 2003, p. 17). No modelo maioritário, o poder político está nas mãos da maioria, sendo este relativo; no modelo consensual, busca-se a maioria absoluta. Outra diferença: o modelo maioritário tende a ser exclusivo, competitivo e combativo. No que diz respeito a Angola, são essenciais ambos os casos, pois, sendo a democracia ainda recente, está-se prestes a realizar a terceira eleição no país, e é salutar que a regra de número seja de facto efectivada, mesmo que a experiência africana, como também em Angola, não seja boa. Onde há eleições, o clima de guerra é iminente, porque a escolha pelas urnas corre sempre o risco de ser desrespeitada, através da violação.

bobbio 1
[Pt| rmc| Norberto Bobbio]
Habermas (2007, p. 28) define democracia deliberativa como o processo que envolve negociações e formas de argumentação. Ele é defensor da democracia da fala, do diálogo, da retórica, enfim, da argumentação: fios condutores da democracia deliberativa, ou seja, a capacidade de convencer o público. É o elemento chave desta teoria, a qual direciona a sociedade jurídica, com sujeitos livres e iguais.

Para Habermas (2007, p. 28), reunião colectiva, é a argumentação pública, na qual os cidadãos devem resolver os problemas resultantes da escolha colectiva, se considerarem as suas instituições básicas legitimadas, na medida em que estas consigam formar o quadro de uma deliberação pública, conduzida com liberdade. Desse modo, a participação do cidadão na coisa pública será real, se os princípios de igualdade e de liberdade forem salvaguardados. Porém, faz-se necessário salientar que a democracia deliberativa só é viável em contextos, em que todos os pressupostos básicos estejam preservados, em todos os níveis e condições de participação: paz, bem-estar, liberdade e outros.

A última corrente sobre o conceito de democracia, sugerido por este trabalho, é a Constitucionalista. Para Bobbio, democracia “[…] é o conjunto de regras que estabelece quem está autorizado a tomar as decisões colectivas e com quais procedimentos” (BOBBIO, 2000, p. 30). O autor defende o primado da lei, o suporte do exercício legal democrático. Onde estão consignadas essas regras? Justamente na Constituição: ela baliza, por meio dos actores políticos e sociais. A eles cabe desenvolver as suas actividades, em função de um quadro juridicamente estabelecido.

Os pressupostos que definem quem está autorizado a tomar as decisões devem estar escritos, ou em forma de costume. Como se pode observar atentamente, para Bobbio (2000), a lei fundamental, no caso, a Constituição, deve ser o espaço onde os direitos da pessoa humana estão consagrados; ninguém deve estar acima dela. Assim, se constituirá, legitimamente, um Estado Democrático de Direito(3).

Lucas (1975, p. 4) apresenta algumas questões que ajudam o leitor a ter uma ideia se um sistema político está ou não a trilhar no caminho da democracia; quem toma as decisões? Se a resposta for aproximadamente todos, então temos um factor positivo. A segunda é: como a decisão é tomada?  Esta será feita de maneira democrática, segundo o autor, quando for alcançada por via da discussão crítica. Uma decisão é democrática, prossegue o autor, se visar o interesse de todos e não apenas os de uma facção, ou de um partido.

Análise crítica

Como já foi dito acima, o presente texto, somente, pretende aferir se de facto Lúmbu foi uma instituição de democracia. Analisámos, por um lado, os preceitos tradicionais de democracia, por outro, daqueles escritos pela democracia hegemónica (Ocidental). O Lúmbu era dividido em quatro (4) compartimentos ou órgãos de execução:

  1. Mpôlo `a Lêmba consiste em acompanhar a campanha dos candidatos ao órgão ou cargo social/executivo; a expulsar os pseudocandidatos; tornar pacífico o país e apurar os candidatos para a fase seguinte.
    Habermas b
    [Pt|rmc| J. Habermas]

Este órgão executivo baseia-se mais na triagem dos candidatos ao trono do Lúmbu, do país. Portanto, tem como missão, evitar que cheguem ao poder aqueles que não possuem as condições exigidas pelo Palácio. Nos tempos actuais, pode-se equiparar com as leis que regem um país democrático como: Constituição e a lei eleitoral como no da República de Angola.

  1. Mfûmu `a Lêmba ou Kimfûmu tinha o papel de educar os candidatos. Ensinava os tipos de governos, as suas vantagens e desvantagens, o significado das insígnias do poder; a retórica no sentido de advocacia; a utilidade dos provérbios na vida; as leis e a sua aplicabilidade na história geral do país;
  1. Lûmbu (Yêmbe): é o órgão que tem o papel de examinar e julgar o candidato: se conhecem as leis e o direito que regem o “país”.
  1. Mobôngi: este último, tem como missão, preparar a investidura do eleito.

Ao esfolhar o livro “Lûmbu: a Democracia no Antigo Kôngo”, observam-se três elementos fundamentais da democracia: diálogo, paz e união. Ainda assim, nas perspectivas da democracia tradicional africana e de Angola em particular, bem como a do Ocidente, em função dos princípios demonstrados, conclui-se que os argumentos apresentados pelo autor na defesa de que o Lûmbu era uma instituição democrática são insuficientes para se confirmar tal pretensão.

Na África tradicional, o debate permanente realizava-se debaixo das árvores, onde cada um tinha não só liberdade de expressão, mas também a obrigação de exprimir-se. As mulheres e os mais velhos eram consultados pelos chefes das famílias que participavam das reuniões. Portanto, era mais do que um simples diálogo.

Shumpter
[Pt|rmc]
Há países como Cuba que têm presente estes factos, mas ainda assim, não é considerado e nem se considera um Estado democrático. Hitler chegou ao poder por via do voto, mas a Alemanha, na altura, não era considerada um país Democrático. Saddan Houssein, antigo Presidente do Iraque, era reeleito por via do voto – e de sangue ─ também não se considera que esse país tivesse tido um regime democrático.

 

Notas

(1)       Eis um exemplo tipicamente africano, quando se quer criticar o exercício do poder pelos tiranos, autoritários, ditadores, ou seja, fazer reflectir sobre este sistema em que o poder exige  respeito à  dignidade.

(2)       São designações de autoridades do Poder Tradicional em Angola. Os diferentes nomes são designados em função de cada região do país: todos eles têm a mesma função e importância.

(3)       Em função à definição de Bobbio, a pesquisa considera que é uma redundância dizer Estado democrático e de direito. Porque, no quadro da definição do autor, todo Estado democrático moderno tem o direito como a regra. Logo, dizer “Estado democrático” é o suficiente.

 

Bibliografia

ARISTÓTELES. A Política. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

ALTUNA, Raul Ruiz de Ansúa. Cultura Tradicional Bantu.. Águedas: Paulinas, 2006.

BOBBIO, Norberto. O Futuro da Democracia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000.

DAHL, Robert A. Poliarquia: participação e oposição. São Paulo: EDUSP, 1997.

_____. Sobre a Democracia. Brasília: UNB, 2001.

KI-ZERBO, Joseph. Para quando a África? Entrevista com René Holenstein. Luanda: Caxinde, 2006.

LIJPHART, Arend. Modelos de Democracia: desempenho e padrões de governo em 36 países. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.

LUCAS, Randolph. Democracia e participação. Brasília: UnB, 1975.

PINTO, João. As Constituições e as Identidades Políticas. Jornal de Angola, Luanda, 28 Nov. 2004. Secção Vida e Cultura, p. 8.

ROUSSEAU, Jean Jacques. Do Contrato Social. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

SCHUMPETER, Joseph. Capitalismo, Socialismo e Democracia. Rio de Janeiro: Zahar, 1984.

SPÍNOLA, António. Portugal e o Futuro. Lisboa: Arcádia, 1974.

SPINOZA, Benedictus de. Tratado político. Rio de Janeiro: Tecnoprint, [197?].

TURAKI, Yusufu. Democracia. In: ADEYEMO, Tokunboh. Comentário Bíblico Africano. São Paulo: Mundo Cristão, 2010. p. 814.

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