‘Black Lives Matter’ e ‘A Revolução da (Nova) Consciência Humana’ ou de como ‘As Estátuas são as Inimigas da História’

‘Black Lives Matter’ e ‘A Revolução da (Nova) Consciência Humana’ ou de como ‘As Estátuas são as Inimigas da História’

Ana Koluki*| George Floyd. Esse nome ganhou uma entrada na futura História da Humanidade, simultaneamente pelas mais vergonhosas e as mais honrosas razões. A vergonha ficou por conta do seu brutal assassinato ao joelho de um policial branco em Minneapolis, EUA, filmado e visto praticamente em directo por todo o mundo, que provocou uma verdadeira “Revolução” – invocando a legendária canção de Gil Scott-Heron, ‘The Revolution will not be Televised’: “(…) porque todas as pessoas negras estarão nas ruas buscando dias melhores, a revolução não será televisionada… /a revolução não será uma repetição, a revolução será em directo e ao vivo (…)”. Uma revolução que, de facto, não foi televisionada nos ecrãs de TV ou de ‘smartphones’: foi uma revolução a nível global operada a nível individual nas mentes e espíritos de humanos de todas as raças e cores, que se uniram em protesto contra a discriminação racial e a injustiça social. Uma revolução que, apesar de, caracteristicamente, ter sido marcada por fogo, pedras e alguns excessos (também envolvendo humanos de todas as raças e cores) – trazendo à memória outras canções, também lendárias, como ‘Burnin’ and Lootin’ (“esta manhã acordei num confinamento/ como se também fosse um prisioneiro… não pude reconhecer as faces de pé sobre mim, estavam todas vestidas em uniformes de brutalidade… não dá para conter as lágrimas…/ essa não é a canção do ghetto… é por isso que vamos queimar toda a ilusão/toda a poluição esta noite…”)  e ‘Revolution’, evocando a ‘Revelation’: “(…) Revelação revela a verdade… É preciso uma revolução para fazer uma solução/ Muita confusão, quanta frustração… Nunca faça um político lhe garantir um favor: ele o quererá controlar para sempre…/Então se um fogo o queima e um sangue o faz correr… /Deixem a justiça cobrir a terra, como a água cobre o mar… /(ou) Serão raios, trovões, enxofre, pedras e fogo!… (…)”, ambas de Bob Marley e os Wailers – foi largamente uma Revolução Pacífica que trouxe ao de cima o que de melhor pode ter o ser humano: a ‘Consciência Humana’!… Esse foi o lado honroso do legado de George Floyd.

‘Consciência Humana’ – esse velho tropo que opositores do movimento da ‘Consciência Negra’ vinham apregoando como sendo o único capaz de erradicar o racismo da face da terra. E talvez estivessem certos, mas pelas razões erradas: nesta Revolução foi a ‘Consciência Negra’, seminalmente incorporada no movimento ‘Black Lives Matter’ – BLM (‘Vidas Negras Importam’), que convocou e empolgou uma ‘(Nova) Consciência Humana’ que, nas últimas semanas, se manifestou irreprimível pelas ruas e praças de várias cidades do mundo, com epicentro no RU, quebrando tabús e distanciamentos sociais, políticos e ideológicos, elevando o valor da vida, e o direito de todos os humanos a ela, acima dos confinamentos impostos pela pandemia do covid-19, num verdadeiro desafio à morte por asfixia – pela polícia ou pelo vírus!… Uma ‘(Nova) Consciência Humana’ que nos proporcionou uma imagem emblemática, que também ficará nos arquivos históricos para a posteridade: a do activista negro do BLM, Patrick Hutchinson, carregando ao ombro para lugar seguro um militante branco da extrema-direita ferido durante as manifestações e contra-manifestações que se registaram em Londres.

O BLM foi co-fundado, em 2013, por três mulheres negras americanas: as activistas Patrisse Khan-Cullors, artista e iniciadora da hashtag #BlackLivesMatter no Facebook, Alicia Garza, advogada de direitos civis e Opal Tometi, escritora e organizadora comunitária, em protesto contra a absolvição judicial do miliciano branco que, em 2012, assassinou o jovem negro de 17 anos Trayvon Martin na Florida, EUA, e a crescente brutalidade policial contra membros das comunidades negras, numa inequívoca manifestação de violência sistémica provocada pelo racismo estrutural incorporado nas instituições e mentes dos detentores do poder político, legislativo e judicial naquele país.([i]) Desde então, o movimento BLM cresceu para mais de 40 capítulos à volta do mundo, especialmente em países em que casos similares ocorrem com frequência, como RU, Brasil e Portugal. Esse crescimento foi tenebrosamente acompanhado pelo registo de cada vez mais casos, numa longa lista de que George Floyd era apenas o mais recente – reavivando memórias em cadeia dos linchamentos públicos de negros ao longo da história dos EUA, remontando ao período da escravatura – tendo entretanto já ocorrido um novo caso, escassos dias depois do seu funeral: o assassinato a tiro por dois policiais brancos do cidadão negro Rayshard Brooks em Atlanta, Georgia… E não, nem a melódica ‘Georgia in my Mind’ do inesquecível Ray Charles nos consegue apaziguar a alma!…

Mas a revolução pacífica continua em marcha imparável e já obteve pelo menos uma assinalável conquista: Boris Johnson, Primeiro Ministro do RU, afirmando “Black Lives Matter”, num pronunciamento oficial dirigido, a 8 de Junho, aos activistas do BLM, ao país e ao mundo, do qual transcrevemos esta passagem:

“A morte de George Floyd aconteceu a muitas milhas de distância – num outro país, sob outra jurisdição – e no entanto não podemos simplesmente ignorar a profundidade de emoção provocada por aquele espectáculo, de um homem negro perdendo a sua vida nas mãos da polícia. Neste país e à volta do mundo as suas últimas palavras – I can’t breathe (não consigo respirar) – despertaram uma revolta e um generalizado, incontestável e inegável sentimento de injustiça, de que pessoas negras e de grupos étnicos minoritários enfrentam discriminação: na educação, no emprego, na aplicação da lei criminal. E nós que lideramos e governamos não podemos simplesmente ignorar esses sentimentos porque em demasiados casos, lamento, eles baseiam-se numa fria realidade. Este país fez  enormes avanços. Lembro-me dos anos 70s e o horror da Frente Nacional. Eu realmente acredito que somos uma sociedade muito, muito menos racista do que já fomos e, em várias formas, muito mais feliz e melhor. Mas também temos que francamente admitir que há ainda muito por fazer – na erradicação do preconceito, na criação de oportunidades, e o governo que lidero está empenhado nesse esforço. E, portanto, eu digo sim, vocês estão certos, estamos todos certos, ao dizer que Black Lives Matter. São as comunidades BAME (Black, Asian and Minority Ethnic Groups) que têm estado na linha da frente da luta contra o coronavírus – seja nos serviços de saúde, nos transportes ou na assistência social e outros serviços essenciais que mantiveram o nosso país a funcionar durante a pandemia. E são essas mesmas comunidades que, tragicamente, têm pago o preço desproporcionalmente. Este mês, a 22 de Junho, celebramos a chegada do Empire Windrush em 1948, e relembramos a contribuição dos trabalhadores Afro-Caribenhos – no NHS (Serviço Nacional de Saúde) e em todos os serviços públicos – que ajudaram a reconstruir este país depois da guerra. E hoje, mais uma vez, enfrentamos uma grande tarefa: relançar este país depois do Coronavírus. Vamos, portanto, trabalhar pacificamente, legalmente, para derrotar o racismo e a discriminação onde quer que a encontremos.(…)”([ii])

Foto// MANDEL NGAN / AFP.

Ao que, para dar corpo à sua declarada intenção de “mudar a narrativa” sobre a questão racial, se seguiu a criação no seu gabinete de uma comissão inter-governamental para se debruçar sobre a discriminação contra as comunidades BAME nos sectores da educação, saúde e sistema judicial e criminal. Designada ‘Comissão sobre Raça e Disparidades Étnicas’, deverá apresentar as suas recomendações até ao final deste ano. Embora, tanto para activistas do BLM, como para políticos e parlamentares representantes dessas comunidades, a implementação das medidas anunciadas ainda seja pouco credível – especialmente tendo em conta que comissões similares, e até com a mesma designação (e.g. ‘Unidade para Raça e Disparidades Étnicas’ criada pela sua antecessora, Theresa May), foram estabelecidas no passado sem que tivessem produzido os resultados esperados – Jonhson terá muita dificuldade, desta vez, em escapar ao escrutínio cerrado do BLM e de outras partes interessadas no cumprimento das suas promessas, pelo que podemos considerar-nos perante o enunciado de medidas estruturais para um problema com várias vertentes e consequências igualmente estruturais. O que não podemos esperar é que Johnson aceda a todas as demandas que se geraram à volta do BLM, nomeadamente as que requerem uma abordagem mais profunda das raízes estruturantes do racismo e exigem uma revisitação crítica da história da escravatura, do imperialismo e do colonialismo: no mesmo pronunciamento, ele manifestou-se irredutível na sua condenação da remoção de quaisquer estátuas, especialmente a de Churchill que tem estado ameaçada devido ao racismo que é atribuído a esse icónico líder da WWII (Segunda Guerra Mundial). Adicionalmente, alguns dos seus escritos passados são totalmente contrários a tal revisitação – e.g. num artigo de 2002 afirmava que “o continente africano pode ser um borrão, mas não um borrão sobre a nossa consciência. O problema não é termos estado no comando, mas termos deixado de estar no comando.”([iii])

Pessoalmente, tenho estado envolvida no BLM e na campanha associada ‘Standing Up to Racism’ (‘Enfrentando o Racismo de Pé’) desde o inicio de 2017, tendo criado o grupo CRIK (Conversando sobre Relações Inter-Kulturais/Raciais) no Facebook, em finais daquele mesmo ano. Dada a natureza do grupo e a sua temática e objectivos, as questões com que nos confrontamos neste momento a nível global sempre estiveram presentes nas nossas conversas mas, naturalmente, com muito mais acuidade e acutilância nas últimas semanas. Entre elas, a mais perene e recorrente tem sido o uso do termo ‘raça’. Sendo para nós ‘um constructo ideológico datado no tempo histórico’ e já falsificado cientificamente no rescaldo da WWII, mantém-se ainda como um ‘instrumento analítico operativo’ na abordagem normativa e prescritiva das relações sociais contemporâneas. No entanto, confrontamo-nos frequentemente com o ‘credo’ de que “falar em ‘raça’ é em si mesmo racista, porque raça há só uma: a humana!” – e com isso cala-se todo e qualquer debate sobre o racismo…

Essa questão assumiu uma nova dimensão pelas suas implicações para a rationale do “Black Lives Matter”: a ela, indivíduos e grupos têm oposto o ‘contra-slogan’ “All Lives Matter”. Alicia Garza, co-fundadora do BLM, explica o problema: “Mudar ‘Black Lives Matter’ para ‘All Lives Matter’ não é um acto de solidariedade. O que é, é uma demonstração de como na verdade não se entende o racismo estrutural. Quando dizemos ‘All Lives Matter’, isso é um dado. Claro, somos todos seres humanos – todos sangramos vermelho – mas o facto é que algumas vidas humanas são mais valorizadas do que outras e isso é um problema.”([iv]) Na mesma senda, o activista Femi Oluwole, fundador da campanha ‘Our Future, Our Choice’ (‘Nosso Futuro, Nossa Escolha’) no RU, afirmou: “Se você diz que vamos tratar as coisas como se tudo fosse igual, quando não o é, você está simplesmente a apoiar um sistema que já é desigual. Portanto, é por isso que dizer ‘All Lives Matter’ quando você vê uma situação em que pessoas negras estão a ser mortas desproporcionalmente, é efectivamente contribuir para o problema do racismo.”([v])

Um debate relacionado que se gerou no grupo Crik foi sobre a remoção de espaços públicos de estátuas de figuras perpetradoras e representativas do tráfico de escravos, do imperialismo e do colonialismo, como Edward Colston, Cecil Rhodes ou Leopoldo II. Um evento marcante desta revolução foi o derrube, em Bristol, da estátua de Colston, dono de uma companhia que traficou perto de um milhão de pessoas africanas escravizadas, homens, mulheres e crianças, tendo cerca de vinte mil delas perecido na travessia do Atlântico: depois de derrubada e antes de ser jogada ao rio, um manifestante ajoelhou-se sobre o pescoço da estátua durante 8 minutos – recreando simbolicamente o espectáculo da morte Floyd. O que me levou a tecer as seguintes considerações: “(…) Estátuas em qualquer país servem para glorificar personagens da história que honram esse país, o mundo e a humanidade e em que os seus cidadãos se revêem ou devem rever-se. Ora, quando os cidadãos, ou parte significativa deles, deixam de se rever em racistas, fascistas, colonialistas e escravocratas, como acontece agora, derrubam as suas estátuas, real ou simbolicamente … Se é correcto fazerem-no desta forma ou não, essa é uma outra questão. Seja como for, há lugares destinados à preservação da memória histórica dos povos: em museus, filmes, livros e bibliotecas, por exemplo, onde esses personagens continuarão certamente a figurar. (…) Estátuas não são artefactos – artefactos são objectos, qualquer que seja o seu significado simbólico, não são seres humanos e não representam ideias políticas ou ideológicas; são kultura, não apenas iconografia ou culto de personalidade, como são as estátuas.”

foto/rmc.

Nos dias que se seguiram, essas minhas afirmações encontraram eco em dois artigos publicados por dois académicos de gerações e ‘backgrounds kulturais’ diferentes, um negro e o outro branco: o primeiro, no The Guardian, por Simukai Chigudu, professor associado de Política Africana na Universidade de Oxford, o segundo, no Financial Times, por Simon Schama, alumnus da Universidade de Cambridge e actualmente professor de História e História de Arte na Universidade de Columbia, New York. Do artigo de Chigudu (intitulado “Como um dos poucos professores negros de Oxford, deixem-me dizer-lhes o que sinto sobre Rhodes”), membro fundador do movimento ‘Rhodes Must Fall’ (RMF), iniciado na África do Sul em 2015 (que resultou na remoção da estátua de Rhodes na Universidade de Cape Town, almejando o mesmo com a sua estátua em Oxford – para onde, dias depois do derrube da estátua de Colson em Bristol, convergiram mais de um milhar de pessoas para o efeito), destacamos o seguinte:

“(…) Sendo um antigo campo de treino imperial, Oxford está repleta de tributos aos grandes homens do império. O RMF chamou atenção para essa iconografia como parte de uma agenda que incluía vários itens, entre os quais reformar os curriculae eurocêntricos que dominam o ensino na universidade. (…) Quando aqui cheguei, como Zimbabweano, foi-me difícil ver Rhodes apenas como um homem de ideias odiosas se comparadas aos nossos standards contemporâneos – como se fossem apenas as suas palavras e não as suas acções que estivessem sob escrutínio. O imperialismo de Rhodes fez emergir um modelo de colonialismo de povoamento na África Austral, baseado na dominação racial nas esferas política, económica e social. Na Rhodesia, 8 milhões de negros desapropriados tinham que sobreviver ao nível da subsistência, ou abaixo, enquanto 250,000 brancos, cerca de 3% da população, se apropriaram de mais de metade da terra disponível e de virtualmente todos os negócios e indústrias, antes da independência em 1980. (…) Portanto, a estátua de Rhodes não é um mero artefacto físico. Ela está imbuída de uma história tóxica. (…) Ela pertence a um museu, onde pode ser apropriadamente historicizada. Mais importante do que isso, tanto em 2015 como agora, os apelos para a remoção dessas estátuas abrem discussões sobre como falamos das dinâmicas de raça e racismo, inclusão e exclusão e do ser e pertencer identitários. (…) O trabalho de desafiar o racismo em todas as suas vertentes estruturais, institucionais e interpessoais deve e irá continuar, mas desta vez contando com uma maior massa crítica. (…)”([vi])

Do artigo de Schama, sob o título lapidar “As Estátuas são as Inimigas da História”, retivemos esta ‘lecture’: “Estátuas não são história, mas sim o seu oposto. História é argumento; estátuas não toleram ninguém. Toda a honra da história repousa na sua irrepressibilidade do contraditório; na sua função de perfurar as devoções do poder, caso elas contradigam a verdade. Os horrificados pelas de-pedestalizações nos últimos dias clamam que tais actos “apagam” a história. Mas a verdade é o contrário. É mais usual que sejam as estátuas, presidindo sobre o espaço cívico, a calar o debate através do seu convite à reverência. Frequentemente é apenas quando são ameaçadas que elas são notadas. (…) Quantos americanos beneficiários de bolsas Rhodes têm noção de que o fundo que financiou os seus estudos em Oxford foi a expressão da missão de Cecil Rhodes de reverter a independência; que a sua presença na universidade era parte do seu plano de re-unir a América e a Bretanha, assim selando a supremacia imperial da raça Anglo-saxónica? (…) Por todas as suas pretensões de perpetuidade, a estatuária é vulnerável às imprevisíveis mudanças da opinião publica. (…) É, portanto, de se esperar que a dramática e atrasada mudança de atitudes sobre a injustiça racial que estamos agora a testemunhar terá um efeito sobre quem pode ser considerado tolerável e quem é intolerável de memorializar. (…) Deixemo-las então desaparecer, mas não em actos de destruição arbitrária, que são capazes de calar o debate tanto quanto a reverência acrítica. Melhor, seguramente, relocalizá-las em museus onde, apropriadamente curadas, podem provocar o debate genuíno e a educação histórica. Uma coisa que a pausa da pandemia suscitou foi o confronto com grandes questões da História: quem somos nós como nação, o que fomos e para onde vamos? Se os Homens de Pedra (e eles são predominantemente homens) podem aprofundar esse entendimento terão servido o seu propósito melhor do que alguma vez o fizeram do alto dos seus pedestais cobertos de ‘dejectos pombalinos’.”([vii])

O que nos leva a uma Mulher de Pedra (ou melhor, de bronze): a Rainha NZinga MBandi. E a questões como: Que mudanças de atitudes da opinião pública angolana, muito antes da actual revolução, presidiram à sua “pacífica” remoção do pedestal que herdara da Maria da Fonte (e do Blindado) no Largo do Kinaxixi em Luanda?… Terão as motivações e a medida da sua participação no tráfico de escravos sido equivalentes às de um Colson, por exemplo?… Quem melhor representa o que somos como nação, o que fomos e para onde vamos – ela ou a Maria da Fonte?([viii])…Porque está ela jazendo de pé ao lado de tombados ícones dos colonialismo, como Paulo Dias de Novaes, D. Afonso Henriques ou Luís Vaz de Camões, igualmente derrubados dos seus pedestais em Angola no pós-independência?… Quem é mais memorável ou intolerável de memorializar – ela ou eles?… Sendo que um deles, Camões, foi entretanto repositado no Museu Regional da Huíla…

foto/rmc.

O debate que essas questões suscitam (sim, a estátua de NZinga, no Largo do Kinaxixi ou na Fortaleza de São Miguel, não cala o debate: não é, nesse sentido, uma inimiga da História) poderá certamente ter como referência o trabalho do artista contemporâneo angolano Kiluanji Kia Henda (que sobre as estátuas na fortaleza, afirmou na Tate Modern de Londres, em 2010, que “são como cidadãos aos quais os vistos expiraram e não sabem o que fazer com eles… tendo de retornar ao local de origem”)([ix]) nas áreas da ‘pós-colonialidade’, ‘pós-memória’ e da ‘descolonização mental’, com incidências sobre a redefinição e refundação das narrativas históricas, que assumem especial relevância nas suas séries ‘Balumuka (Ambush)’ e ‘Redefining the Power’.([x]) Porque é à volta de questões de ‘Redefinição do Poder’ que movimentos como ‘Rhodes Must Fall’ e ‘Black Lives Matter’ se juntam, estruturam e erguem: redefinir o poder dos cidadãos face ao da polícia e dos políticos, redefinir o poder da ‘consciência humana’ face ao do ‘racismo estrutural’; redefinir o poder de Henriques e Cão face ao dos ManiKongo, redefinir o poder de Rhodes face ao de Mugabe; redefinir o poder de Leopoldo face ao de Lumumba; redefinir o poder de Pessoa face ao de Luandino; redefinir o poder da Mulher Afrikana NZinga face ao da Mulher Europeia Maria… e redefinir as zonas de intersecção entre os seus respectivos poderes. Enfim, redefinir o poder da (re)Independência face ao da (re)Colonização.

*Mestre em História Económica e Economia do Desenvolvimento, Especialista em Integração Regional e Implementação de Políticas Económicas e Sociais, Escritora.

[i] https://inews.co.uk/news/long-reads/black-lives-matter-co-founder-patrisse-khan-cullors-i-want-abolish-prisons-119248.

[ii] https://www.theguardian.com/us-news/2020/jun/08/i-hear-you-boris-johnson-to-black-lives-matter-protesters.

[iii] https://www.independent.co.uk/news/uk/politics/boris-johnson-colonialism-africa-british-empire-slavery-a9564541.html?fbclid=IwAR1op9NlfEgG0h29jJUN__RUnysDrSojOmdOmyKCYQp1ZJml16gkVF0SZZc.

[iv] https://inews.co.uk/news/uk/all-lives-matter-why-dismissive-racism-black-people-441086/amp?fbclid=IwAR2j5jAXCcOvViCIR_-1ZLiSY7qPBV_nMjev-cpBMnqkuSO6JPlXfemjW1k.

[v] idem.

[vi] https://www.theguardian.com/commentisfree/2020/jun/12/oxford-black-professors-cecil-rhodes-british-empire.

[vii] https://www.ft.com/content/1117dfb6-8e51-46ec-a74b-59973a96a85a.

[viii] http://koluki.blogspot.com/2010/03/kinaxixi-e-seus-amores.html.

[ix] http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1647-61582014000100007.

[x] idem.

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