OS MENDIGOS DE PRAGMATISMO

OS MENDIGOS DE PRAGMATISMO

Joaquim M. A. Manuel*| Até parece antropológico a forma reiterada de como se tem ovacionado uma simples opinião. Isto remoto desde o tempo não tão distante assim, sobretudo, com o advento do programa “Debates Livres” na TVZIMBO (o canal televisivo quase independente na altura). É óbvio que a sociedade em momento algum vai admitir de que padece deste síndrome de Estocolmo, porque o quadro patológico de amnésia voluntária que se lhe caracteriza é endémico.

O atraso civilizacional  quanto a cultura da participação  activa,  do ponto de vista do exercício da cidadania,  interfere bastante neste quesito, se não vejamos: o maniqueísmo foi a grande máquina fotográfica pela qual se definiu a imagem de quem quer que seja face a simples opinião emitida.  Regra geral, todos que ousam em opinar o contrário da visão inculcada pelo status quo, acabaram rotulados e reduzidos a militantes da oposição, porque o «sensato» é concordar com a práxis e, adular a opinião convencional mediante a sujeição  a uniformização do pensamento vinculado desde a sinagoga ao coliseu, da universidade a catedral.  Ainda que não se faça de modo pragmático, mas só pelo simples facto de se deter o arcabouço discursivo que traduz  sofisma de ponta, isto é, ao participar dum debate e, de modo destemido,  elencar as consequências que reflectem todo o esquema de degradação social  face a condição periclitante em que o país está.

Falando nos termos que coincide com a expectativa das massas, é motivo bastante para se ganhar um minuto de fama brusca, porque o normal para nós, é não se ouvir sobre coisa do género,  atendendo o modo pelo qual o silêncio voluntário reproduz a alienação a opinião uniforme por mais absurda que seja. Eis o fundamento da lógica antropológica pela qual construímos a mediocridade colectiva e  nos vimos obrigados a aplaudir e idolatrar aquelas pessoas que falam abertamente sobre a fome, analfabetismo, desemprego, falta de saneamento básico, etc. Por isso é que o Brigadeiro 10 Pacotes por longos anos foi a referência máxima da consciência crítica no subconsciente das massas. Tem tudo a ver com a raridade de jovem capaz de emitir uma opinião paralela ao discurso sistemático coberto de demagogia, ironia, estupidez, irracionalidade, impulsão, daquele que gere a coisa pública.

Desenvolveu-se  essa sociedade opaca alicerçada no maniqueísmo onde é comum ir ao debate para debater ideias e defender agendas “pessoais” (e interesses de grupos),  quando o debate deveria promover diálogo cujo desafio objectivo visa sugerir soluções pragmáticas que serão acolhidas para serem implementadas num período  a curto, médio e longo prazo.

Porquê um académico aceita emitir uma opinião  técnica só por emitir ou para parecer elegante quando não se preocupa com o devido acolhimento  dessa opinião do ponto de vista  da concretização prática?

Pergunto-me  se depois desses aplausos da multidão por causa de falácias,  em breve teremos oficialmente a data para a realização das autarquias locais em todos os 164 municípios de Angola? Sei que sabeis de que hoje por hoje nenhum crescimento local se regista sem a implementação  das autarquias locais, não é reduzir isso apenas a questões político-jurídico com maior realce a descentralização do poder administrativo  e a desconcentração das decisões administrativas,   fazer disso um mero debate político entre a UNITA e MPLA, entre gradualismo funcional e geográfico, isso é talvez a solução imediata para a resolução de diversos problemas locais.

 As autarquias locais podem ser   o início da vitalidade para o crescimento e/ou desenvolvimento em todos os níveis civilizacionais do ponto de vista local, quer seja do ponto de vista ético-moral,  a mudança de mentalidade cívica, da consciência política, ambiental, social, económica, etc; do ponto de vista do crescimento económico, a valorização da força produtiva activa local, os programas locais de apoio ao empreendedorismo,  tudo parte da microcultura local em conformidade com a realidade.    .
Convém que se reflicta objectivamente o que se quer afinal? Partindo duma leitura franca e desapaixonada sobre o regime, como é que concebemos este regime à luz da nossa perspectiva de mudança? Como vamos racionalizar as energias para a curto prazo discutirmos este grupo dominante (como afirmou Domingos da Cruz, na Live do dia 25 de Novembro na tv raiar). Ainda sobre essa Live, Cruz emitiu opiniões claras em como se deve destruir democraticamente o regime. Em termos jurídico-legais, advertiu a oposição para que se readaptasse aos reais desafios partindo duma agenda mono-temática, isto é, exigir que se faça a reforma da lei eleitoral para que os resultados eleitorais sejam a manifestação real dos votos depositados nas urnas. Por outro lado, indicou a realização das autarquias locais em 2021 como solução concreta para a inversão desse quadro nefasto em que o país se encontra. Razão pela qual, o encontro com o presidente João Lourenço, ao invés de um espetáculo, devia ser uma oportunidade para se redefinir o caminho correto por melhoria de Angola, rumo a mudança por que lutamos, de outro modo, não se sai desta condição catastrófica.

*Activista.

 

 

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