Professor, escola e exclusão social

Professor, escola e exclusão social

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MutaSebastião Como abordar a questão das nossas diferenças na escola? A educação é um bem que a ninguém pode ser negada, é um bem público tal como sublinha o artigo 79º da CRA, público na medida em que se torna obrigatório, da parte do estado garantir a educação a todos os cidadãos de modos a serem aptos para melhor exercerem sua cidadania, verdadeiro dever cívico.

No contexto angolano, ainda de acordo com o que prescreve a carta magna, especificamente nos seus artigos 9º, 30º, 31º, 32º, 33º, 77º, 79º,  85º e outros a educação mais do que ser uma garantia do estado para com o cidadão é para ele um verdadeiro instrumento da emancipação democrática a todos os níveis da vida social.

Recentemente, fui confrontado com a triste realidade de exclusão social, numa escola pública do município do Ambriz onde as regras são claramente definidas pelos alunos à vista dos professores que, infelizmente entendem ser coisa de criança, quando na verdade é um cancro que depois irá se desenvolver.

Estando no pátio da escola do ensino primário, do referido município, dois grupos de crianças brincavam na hora do intervalo, mas o primeiro era numeroso e o segundo mais reduzido com apenas 3 meninos cujos os rostos denunciavam algum problema, embora o ambiente tivesse sido de diversão. Aproximando-me do segundo grupo, num tom irónico, depois de ter percebido algum comportamento estranho, perguntei aos meninos: Porque vocês não brincam com os outros? Responderam-me eles, com um português de quem fala lingala: os outros colegas não gostam de brincar connosco porque somos “langa”. Num tom de quem estava comovido disse aos meninos para que não ligasse ao que eles diziam, até contei-lhes a história bíblica que diz: a” amai os vossos inimigos”.

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[Pt|rmc] – Maria Teixeira, Ministra da Educação.

Para o meu espanto, um dos meninos disse que sempre foi assim até o professor sabe! Depois de alguns minutos os outros colegas perceberam que eu era estanho e aproximaram-se para ouvir o que estava falando para os outros. Um deles, depois de ouvir e parecia ser um pouco mais atrevido que os outros disseram: Tio eles estão a mentir. Pois, parece que em parte sabem da gravidade e dos efeitos da exclusão. De seguida perguntei quem era o professor e acho que foi a pergunta mais difícil que um estranho, que consola os excluídos, deveria fazer. Infelizmente ninguém me quis dizer. Daí resolvi ir à secretaria da escola para saber se poderia falar com o Director, o segurança que lá estava perguntou-me sobre o que é e como não era nada confidencial, disse a ele de que gostaria apenas saber como os langas são tratados na escola. Irónico olhou pra mim sorrindo como se a questão fosse engraçada! Em seguida, simplesmente eu disse: aqui vocês estão formando terroristas.

Para o segurança parece que a situação que aquelas crianças vivem é normal, assim como para o professor que vendo seus próprios alunos a criarem regras contra ou à favor entender ser normal que os “langas “ não merecerem do tratamento normal como as outras.

Este é o retracto de um situação ocasional que vivi durantes uns 30 minutos, aproximadamente, numa escola pública do Ambriz.

A história narrada remete-nos vários questionamentos uma vez que se percebe alguma negligência da parte de alguns professores que ainda não entenderam que a escola, por via da educação deve garantir o bem-estar social das pessoas independemente da raça, cor ou etnia.

Diante disso, as questões que se colocam são: Onde falhamos? E por onde começar?

Para respondermos estas questões e mostrar claramente como é importante falarmos sobre exclusão social na escola, causas e consequências, torna-se importante percebermos que a questão sobre ela (a exclusão),sobretudo, suas causas não se resumem apenas às questões económicas e financeiras. Ela dá-se também por outras vias ou áreas do convívio social.

A sociedade, por exemplo, rejeita o que é diferente, o que não é igual ou semelhante aos valores e conceitos estabelecidos por determinado grupo.

Aspectos físicos, morais, religiosos, raciais, culturais, étnicos, sexuais, enfim, qualquer traço que seja diferente daquele apresentado pelo grupo em que a pessoa pretende se inserir pode levar à rejeição, ao preconceito e à exclusão.

O mesmo acontece com a questão dos comportamentos, das aparências, especialmente com os adolescentes e jovens, quando, sobretudo, a necessidade de se sentir parte de um grupo faz com que se tornem homogéneos, usando as mesmas roupas, o mesmo corte de cabelo, frequentando os mesmos lugares e fazendo tudo o que o grupo determina. Ninguém quer ficar “de fora”, ninguém quer ser excluído.

Os primeiros sinais dessa necessidade se apresentam na escola, quando a criança está ou dá os passos iniciais para ingressar numa sociedade maior, que não se restringe ao âmbito familiar, onde é naturalmente aceita.

A escola representa o primeiro teste de sua aceitação social. É neste ambiente que a criança começa a perceber as diferenças: de raças, credos, culturas. E, principalmente, as diferenças de valores. A criança começa a perceber também que precisa fazer parte da maioria, precisa enquadrar-se no padrão socialmente estabelecido naquela escola.

Aquela que apresentar qualquer característica diferente do que maioria aceita, fatalmente será marginalizada. E estará a declarar a sua luta pela aceitação, tal como se pode perceber na estória narrada.

Num primeiro momento, as características físicas parecem chamar mais a atenção. Usar óculos, por exemplo, pode ser motivo de olhares feios da parte dos colegas e que o pode levar ao afastamento do grupo.

Crianças muito magras ou muito gordas, de raças diferentes, tímidas ou com problemas de aprendizagem tornam-se candidatas imediatas à exclusão. O ambiente passa a se tornar hostil a essas crianças e seu convívio com os demais torna-se tarefa difícil e complicada, provocando sérios danos à sua auto-estima. Muitas vezes, esses danos tornam-se permanentes, prejudicando a completa formação do indivíduo como ser humano e como cidadão.

Pois bem, se por um lado a escola parece ser a vilã, por ser o lugar onde esses problemas surgem inicialmente, por outro lado, não poderia haver lugar melhor para se trabalhar a inclusão.

Antes de tudo, é preciso reconhecer que o problema existe. A partir da aceitação do fato, pode-se buscar ferramentas para resolvê-lo.

O professor desempenha papel fundamental na formação do aluno. É ele quem conduz a criança nessa jornada inicial pela busca de uma identidade e por sua aceitação.

Os conceitos sobre diferenças individuais devem ser discutidos e esclarecidos, a fim de facilitar a participação de todos nesse processo, pois a informação ainda é a melhor maneira de se derrubar preconceitos. Nesse sentido, é preciso que também o professor se destitua de todos os preconceitos que ele mesmo possa ter, a fim de que seus ensinamentos possam ser transmitidos de maneira verdadeira.

Ao abordar este tema tão complexo, muitas dúvidas poderão surgir. Afinal, também o professor está inserido numa sociedade que valoriza a homogeneidade. Mas ao contrário do que se poderia pensar, não se trata de eliminar as diferenças, mas sim de valorizá-las.

27 September 2011, Quipungo, Huila, Angola. A common sight in Angola, teaching takes place in any available space, often outside under a Jacaranda tree. This school : Padre Leonardo Sikufunde School is located inside the church, Nossa Senhora Fatima.

Uma maneira de valorizar essas diferenças é fazer com que a criança se coloque no lugar do outro. Que ela sinta e veja o mundo como o outro o vê. Que passe pelas mesmas dificuldades e prazeres oferecidos por este suposto mundo diferente.

Vivenciar situações que o outro experimenta em seu dia a dia, pode fazê-la compreender que, afinal, também ela vive e enfrenta situações que, em outro grupo, seriam consideradas diferentes.

Estabelecida essa compreensão, fica mais fácil explorar temas como solidariedade, igualdade e aceitação.

Intrinsecamente, você, professor, estará a trabalhar a auto-estima de seus alunos, formando futuros cidadãos sem preconceitos e contribuindo para uma sociedade mais justa e feliz.

O resultado desta reflexão é fruto do que aconteceu no Ambriz, interior de Angola, mas pode e tem acontecido nos grandes centros urbanos daí que importa salientar que a todos os níveis estamos certos de que os sinais visíveis da exclusão lá estão plantados. O importante é que os educadores e outros atores sociais entendem que o problema é geral assim como os seus resultados. Por isso, a luta deve ser de todos.

Seja mais um exemplo e ajude a mudar o rumo do país!

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