O Observatório da Imprensa e da Comunicação/OI, ouviu o Pe. Maurício Camuto, antigo director da Rádio Ecclesia. Durante a conversa discorreu sobre vários assuntos ligados a midia, comunicação, democracia, liberdade artística entre outros de interesse nacional e universal. Em relação a rádio que dirigiu, afirma que hoje não se identifica com os sem voz, perdeu o seu rosto e está descaracterizada. Quanto a imprensa estatal, entende que ela está claramente contra democracia e o desenvolvimento. Entre várias ideias marcantes da entrevista proferiu esta: “quem veda o teu acesso à informação este não pode ser teu amigo no século XXI, é um inimigo”. Para além das facetas acima expressas, o Pe. Maurício é Mestre em Ciências da Comunicação, pela Pontifícia Universidade Salesiana de Roma, Itália, pelo que tem autoridade técnica e experiência profissional para pronunciar-se sobre as questões que propusemos.
Observatório da Imprensa – Que comentário faz sobre a liberdade de expressão e de imprensa de uma forma geral.
Padre Maurício Camuto – Acho que mesmo aos olhos dos menos interessados e os mais inocentes dá-se logo conta à primeira vista que ainda não estamos muito bem, à medida que aqueles órgãos que deveriam servir uma maioria, neste caso a pública, nem respeita sequer estes ditames, este desiderato que está até e encontramos na constituição do país. Nem sequer respeita isso porque nós vemos que fazem mais o jogo de quem está lá em cima, na mó de cima. E o que está na mó de cima, pois, faz tudo para que esta mesma liberdade de imprensa e de expressão seja praticamente anulada na sua acção, não tenha peso, não tenha força, e quem se atrever a partir para posições contrárias encontra dificuldades, tem problemas. Assistimos um dos espaços onde se manifesta grandemente a liberdade de expressão é nas manifestações. Vimos as manifestações onde as pessoas querem exprimir os seus sentimentos em relação a algo e não são autorizados. São reprimidos, são violentados, são agredidos. Então, só por esses dados nós podemos dizer que há aqui um problema em relação aquilo que a constituição prevê ou exara como lei e aquilo que é a prática no dia-a-dia da parte dos que detêm o poder e também da parte daqueles que têm os meios para permitir o exercício dessas liberdades, neste caso os órgãos de comunicação que, como vemos, são manietados. Esses que deviam dar abertura, permitir que as pessoas se exprimam, manifeste as suas ideias e seus pensamentos, estes não permitem pura e simplesmente.
OI – O padre acaba de fazer uma caracterização que nos parece inadequada para o contexto de Angola em relação a liberdade de expressão e de imprensa. Fala particularmente da imprensa que chamam de pública, tal como acabou de caracterizar, mas do ponto de vista técnico acha que efectivamente temos uma imprensa pública? Essa que a chamamos de pública, tendo em conta o papel que ela desempenha? Porque parece haver uma contradição na medida em que diz que ela porta-se de uma maneira inadequada, de acordo com as exigências constitucionais e democráticas, mas o serviço que ela presta não podemos considera-lo público. Nesse sentido talvez não poderíamos dizer que Angola tem uma imprensa pública. Talvez seria estatal. Não?
Pe. MC – Exactamente. Tecnicamente dizendo seria mais estatal porque está mais voltada para os interesses do Estado e, até indo mais pormenorizadamente, está mais interessada aos interesses de um partido, neste caso o partido maioritário. Mas é preciso salientar que a imprensa pública mesmo em qualquer parte do mundo tem sempre essa dificuldade. Há a tutela do Estado ou, aliás, o Estado procura sempre tutelar aquilo que é a imprensa pública, aquilo que é público. E vamos ler, a gente lê, vê, acompanha situações, por exemplo, na América, na Inglaterra, em que quando o Estado não quer também tem dificuldade. A imprensa tem dificuldade. Muita coisa vem à luz que parece ser de facto expressões democráticas mas não é. Não é. É qualquer coisa que já passou pela censura do Estado. Pronto. É pública. E a imprensa é pública. Há sempre este perigo.
OI – Esse comentário comparando com realidades que não da Angola pode condicionar as pessoas a achar que aqui o ambiente é normal. Portanto, se na Inglaterra acontece isso, é a mesma coisa.
Pe. MC – Não. Nem sequer chegamos lá. Não é a mesma coisa.
OI – Há vozes que afirmam que não há liberdade de imprensa no país. Partilha a mesma opinião?
Pe. MC – Dizer também que não há liberdade de imprensa, digamos a cem por cento, também é exagero, porque vemos até certo ponto que há jornais privados que saem, embora alguns, digamos, privados entre aspas que saem, onde as pessoas têm a possibilidade de exprimir os seus pensamentos. Jornalistas fazem o seu trabalho e achamos de maneira honesta e profissional, não é. Há jornais que saem. Uma ou outra rádio vai neste domínio. Então não podemos dizer que taxativamente não há liberdade de imprensa. Não podemos.
OI – A exigência no cumprimento das normas jornalísticas do ponto de vista ético, no contexto de Angola, podemos considerar que estamos bem ou nem tanto? Isenção, rigor, distanciamento em relação ao tratamento das matérias, e tudo mais.
Pe. MC – Infelizmente não. Assistimos a muitas aberrações aqui, em Angola. Sabe porquê? Porque se diz, e nós até dizíamos enquanto estudante, e os professores diziam que o jornalista é como um sacerdote ou como um médico, pode exercer a sua profissão em qualquer parte do mundo, se for de facto um jornalista profissional. Em qualquer parte do mundo. Desde que domine a língua do país.
Mas aqui, em Angola, há muitas… A gente vê… Sei lá. Pessoalmente digo que se eu fosse ministro da comunicação social amanhã, por exemplo, e o Estado democraticamente organizado, colocaria na rua muitos jornalistas que hoje dizem que são jornalistas, quer na imprensa do Estado e também alguns na imprensa privada. Estariam na rua porque constituem uma vergonha para a classe profissional jornalística. Porque nem sequer respeitam a ética do jornalismo, nem sequer respeitam os elementos básicos fundamentais do jornalismo, como vários aspectos: as questões das fontes, confrontar as várias partes para, digamos, fazer uma notícia que tenha o cunho de notícia como tal. Não são capazes de ir às várias partes. Contactar as fontes, digamos, trazer as notícias com uma distância que se requer. Não são capazes.
E muitas vezes que estão também ou como se eles fizessem já parte da notícia tomando partido da tal notícia. Esse é um aspecto. O outro aspecto é a promiscuidade que vemos também dos jornalistas e a questão das publicidades aqui, em Angola. Já houve até quem também falasse sobre isso. É jornalista, por exemplo está a fazer a apresentação de um jornal na televisão, depois, às tantas, no mesmo jornal está a fazer publicidade de um produto. Isso já é anormal. Temos o sindicato dos jornalistas, temos o Conselho Nacional da Comunicação Social que deviam, talvez, chamar um pouco atenção. Tentar colocar ordem no “poleiro” já que não há ninguém que fala. Isso continua assim, a arrastar-se e isso não é bom para a classe jornalística angolana porque o nosso país é visitado por muita gente, e muitos comentam. Muitos são amigos nossos, conhecidos nossos, e comentam sobre como os nossos fazem o jornalismo, mesmo a maneira como apresentam a notícia vê-se logo se ele está do lado de quem deu a notícia, do lado da oposição, ou do lado de quem deu informação, quer dizer, nota-se logo. Não há aqui aquela distância entre o indivíduo que noticia e o próprio facto, a própria notícia. Não há.
OI – Embora a liberdade de expressão e de imprensa seja fundamental para as sociedades, as liberdades comunicativas de uma forma geral, mas fala-se da necessidade de limites. Quais são os critérios para que haja limites no exercício da liberdade de comunicar, particularmente na imprensa?
Pe. MC – A Constituição da República de Angola dá limites, mas há países onde não há limites. Aqui temos a questão do bom nome, da reputação, do segredo de justiça, do segredo de Estado, segurança nacional. Na constituição isso está, mas há países que conhecemos, democráticos, onde esses aspectos não são tidos em conta. Parecem-nos não ser tidos em conta, mas os factos… Por exemplo aconteceu na guerra do Iraque. O que os americanos mostravam ao mundo não era aquilo que na realidade se passava no terreno em relação aos jornalistas. Houve até jornalistas que morreram lá. E porquê que morreram? Até essas são sempre questões assim, digamos…Talvez porque também eram parte do conflito e podiam trazer à tona ou revelar informações que não interessava à América ou que podia prejudicar a imagem da América. Então, esses limites normalmente os Estados procuram colocar balizas para o exercício desta profissão porque, como disse, pode pôr em causa a segurança nacional, a segurança do Estado, pode pôr também, no nosso caso, por exemplo a imagem. Aqui falamos muito de imagem. Os angolanos preocupam-se muito com a sua imagem. O Chefe de Estado aqui, em Angola, há esta preocupação, por isso acho que por causa disso é que colocaram na nossa constituição a questão da reputação e o respeito ao bom nome como limites do exercício da profissão jornalística. Mas como disse, noutros países nem tanto assim. Eu estive na Itália e os jornalistas vão e vão ao fundo. Colocam o prego ao fundo de tal maneira que os senhores viram com as coisas do Vaticano vêm muitas vezes à tona porque são jornalistas e o Estado não põe limites.
OI – Aborda o problema do limite numa perspectiva muito técnico-jurídica, mais no plano legal. Do ponto de vista da contradição no plano teórico, qual é a posição do padre? Prefere os que defendem a ausência de limites, teoricamente, ou aqueles que defendem que efectivamente tem de haver limites e que esses limites têm de se traduzir em leis? Por exemplo, Raoul Vaneigem, um teórico que tem uma obra interessante em que ele defende liberdade absoluta no âmbito da comunicação, outros partilham de posições diferentes. Só que o grande problema em determinadas realidades, como é o caso do contexto angolano, por exemplo, quando se evoca a problemática da segurança nacional como uma das razões para limitar a liberdade de expressão e de imprensa muitas vezes não é propriamente a segurança nacional mas o interesse de determinadas personalidades, ou seja: “vamos evocar a razão de Estado mas o interesse é pessoal”. Um exemplo simples está ligado à questão da terra. A terra é do Estado, mas na verdade há pessoas aqui que estão a ocupar terrenos, como é o caso da metade do município do Mussende, outros ocuparam terrenos com dimensão de 34 centralidades do Kilamba, mas o argumento era que a terra é do Estado. É só um exemplo para as questões dos limites.
Pe. MC –É um pouco difícil dizer que estou deste ou daquele lado, mas o é certo é que o exercício desta profissão sem limites o grande problema é depois… Há dias vi um filme sobre este senhor do Wikileaks Julian Assange. O filme termina mais ou menos mostrando que ele usa esses furos que ele teve, essa possibilidade de descoberta de grandes segredos, usava isso também para manipular as sociedades, manipular até mesmo Estados e grupos. Aí está o perigo também. O exercício desta profissão sem limites pode se cair também neste erro de aproveitamento pessoal ou de grupos também. Esse é o problema.
OI – Há realmente censura na midia estatal e privada?
Pe. MC –Olha, cada órgão de comunicação social deve obedecer ao seu patrão, e os patrões, pois estamos aqui a falar de limites, e muitas vezes sem querer até, determinam limites. Acho que isso é normal. Agora, falar de censura como tal, não sei. Mesmo na estatal não sei se há censura. Nunca ouvi assim casos concretos de censura. O grande problema é que, e até já falamos disso em vários encontros, os próprios jornalistas fazem a auto-censura. Já sabem o que agrada ao Estado, o que não agrada. O que agrada o patrão e o que não agrada e pronto, vai fazendo os seus cortes. Esse é o problema. Por isso é que vemos depois matérias não totalmente trabalhadas, não bem elaboradas porque nota-se que houve cortes. Nota que houve aí ingerências para a matéria passar assim.
OI – Mas auto-censura não é baseada no nada. Se um indivíduo estiver num ambiente de liberdade mínima claro que ele não vai olhar qualquer factor de pressão externa para auto censurar-se. Achamos que os jornalistas angolanos auto censuram-se porque sabem que estão num ambiente hostil e chegam até onde é possível, onde não ponha em causa interesses. Pelo que mais uma vez há sempre alguma força, mesmo que seja invisível.
Pe. MC – Então temos de dizer que há censura e a auto censura.
OI – Acrescentando, a auto censura é fruto da prévia censura.
Pe. MC – Pode ser. Ou de experiências, infelizmente. Nos encontros que houve aqui de jornalistas falou-se muito disso, deste aspecto de auto censura. O jornalista já vê o que vai e o que deve fazer. O que deve ir ao ar e o que não deve. O que o chefe gosta e o que não gosta. Há isso. E mesmo na midia privada também há limites. Também há certas…O jornalista também não pode fazer tudo. Eu estava na Ecclesia. Claro que os jornalistas também não iam fazer tudo. Há uma certa, podemos dizer assim, ética jornalística. Tem de fazer isso. Não pode chocar contra os interesses do patrão, dos chefes.
Chinês que criou sistema de controlo de redes sociais esteve em Angola. Talvez…
OI – O que tem a dizer sobre o papel das redes sociais na pluralidade de expressão?
Pe. MC – Se há coisa que a gente deve agradecer hoje no mundo da alta tecnologia é justamente a criação de redes sociais.
Pessoalmente estou muito grato com o aparecimento das redes sociais porque permitem, digamos, acho que actualmente é o espaço onde há mais liberdade. Infelizmente muitas vezes alguns usam tão mal, mas pronto, como disse, onde não há limites depois corre-se o risco de manipulações e de maus usos, e todo o lixo pode passar por aí. Mas até ao momento é o espaço que considero mais vasto das liberdades de expressão onde as pessoas podem exprimir as suas ideias e os seus pensamentos. Estamos bem com as redes sociais. Mas também é claro há um certo risco porque se cada um pode dizer o que sente, se cada um pode escrever o que pensa, depois o risco é haver também atentados morais, à ética e ficamos assim, depois sem sabermos o que é e o que não é, onde está a verdade, porque todo o mundo fala, não há confrontos. Eu apanho uma notícia, só o meu lado, não vou confrontar aquela notícia com outros dados para enriquece-la ou para trazer de facto a verdade. Não faço isso. Trago só a minha parte e pronto.
OI – Exactamente pelo facto das redes sociais darem-nos essa possibilidade, talvez, como acaba de dizer, comunicarmos o que pensamos, de alguma maneira também tal comunicação alastra-se e põe em causa determinados interesses. E no contexto angolano, há bem pouco tempo, nasceu uma pretensão de controlo do mundo…
Pe. MC – Isso era normal. Era de esperar até. Cheguei a ouvir que esteve cá em Angola o técnico informático chinês que conseguiu criar um sistema de controlo que há na China. Esteve cá, em Angola, também. Com que objectivo? Não sabemos.
OI – Mais uma vez inviabilizar então a possibilidade dos angolanos trocarem ideias e comunicar…
Pe. MC – Infelizmente. Trocar ideias, trocar opiniões de maneira livre. Sim. Espero que não seja verdade. Que ele não tenha vindo cá para fazer ou ajudar a fazer esse controlo. Espero que não.
“A rádio Ecclesia está desfigurada e já não se identifica com os sem voz”
OI – Qual é a visão do padre em relação àquelas sociedades onde há menos possibilidades das pessoas comunicarem? Isso inviabiliza o desenvolvimento?
Pe. MC – Hoje não há desenvolvimento sem comunicação, sem informação. Não há. É impossível. E estas limitações que o Estado faz em relação à liberdade de expressão e de imprensa atrasam o nosso desenvolvimento. Por exemplo, quando saio de Luanda e estou no interior caio nas estrevas. O indivíduo fica sem informação. Há locais onde vou como o responsável missionário, não tens energia. Não tens internet. Não tens nada. Estás fechado do mundo. E então o povo que vive lá não sabe se há esta ou aquela doença. Se há este ou aquele problema que o Estado tem de resolver e que pode ameaçar as suas vidas. Não sabe. Não têm informação. Não têm comunicação. Este é um atraso para o desenvolvimento, ao progresso dos povos. A não comunicação. Aliás, já chegamos de fazer um artigo sobre isso na rádio Ecclesia. Uma crónica sobre isso. Quem não te garante, quem veda o teu acesso à informação este não pode ser teu amigo no século XXI, é um inimigo. E falamos isso em relação à rádio Ecclesia que é só limitada a Luanda, naquela altura, porque hoje também a rádio Ecclesia parece que não interessa há muitos. Mas naquela altura em que a rádio fazia o seu papel de voz dos sem vozes. Voz daqueles que não tinham voz. Havia aí uma expressão que a gente sempre dizia. Então a necessidade de levar a informação lá na Angola profunda para que todos os angolanos saibam o que se está a passar. Fala-se do VIH. Agora está a se falar outra vez da pólio. Fala-se do ébola. Muita gente no interior não sabe. Isso é um atraso. É contra o desenvolvimento das pessoas. Hoje um órgão de comunicação é um instrumento de suporte para o desenvolvimento de qualquer povo.
OI – A rádio Ecclesia ainda é apontada como estando a passar por um retrocesso na sua real missão.
Pe. MC – Também constato isso, infelizmente. Não é porque estive lá que não posso falar, mas nós ajudamos a construir uma rádio e a dar um rosto à rádio da igreja que hoje, infelizmente, já não tem esse rosto. Está a ficar portanto desfigurada. E vai custar muito à igreja recuperar esse rosto que teve antes, infelizmente. E era aquela rádio que a gente queria que se estendesse a toda Angola. Agora esta rádio actual não sei se… Bom, pode ser do interesse de alguns que se estenda por toda Angola, mas se não leva a informação real do país, se não leva a verdade ao país, se não leva esse compromisso com a verdade, com a justiça e com a paz e até com a unidade nacional, se não leva o compromisso com o desenvolvimento não interessa a ninguém.
OI – Parece-nos que o padre subscreve a tese de muitos angolanos e também de católicos de que de facto ultimamente a Ecclesia se identifica claramente com o poder instituído.
Pe. MC – Infelizmente. Se não se identifica, também não se identifica com o povo. Infelizmente.
OI – Padre falava das redes sociais como um espaço privilegiado para o alargamento dessa dimensão comunicativa que nos é humano. O que dizer da liberdade comunicativa no âmbito das artes? Por exemplo no âmbito da escultura, da música, da pintura. Acha que a liberdade de comunicar influencia também nas artes, na qualidade do tipo de arte que um povo pode fazer, que os artistas fazem?
Pe. MC – Absolutamente. Sim. Porque é comunicando que vamos mostrando aquilo que sabemos fazer. E é também na comunicação que vamos aprendendo com os outros o que eles já caminharam a nível da arte, a nível da música, a nível da escultura. Infelizmente nas redes sociais, esse espaço a que chamo já nobre da comunicação que hoje temos, infelizmente só encontramos mais é a música como expressão artística. A escultura ainda não encontramos assim em grande presença, nem a pintura. Mas é comunicando que mostramos aos outros aquilo que nós já sabemos, que somos e que nós sabemos fazer, e também lá apanhar aquilo que os outros já sabem e, bebendo da experiência dos outros, podemos melhorar. É o tal desenvolvimento. É o tal progresso. Bebendo o que os outros sabem fazer vamos fazendo cada vez melhor.
OI – Mas as expressões artísticas do ponto de vista da cultura no sentido civilizacional, no sentido acadêmico, digamos um pouco elitista, parece que essas expressões culturais – a cultura, o próprio teatro ou a ópera, por exemplo – estão muito ligadas ao nível cultural ou espiritual de um povo. Parece o nível de estágio civilizacional em que nos encontramos não nos abre muito a esse tipo de expressões comunicativas.
Pe. MC – Sim. Aí há que ver os acadêmicos, os protagonistas desta área. Saber explorar talvez as facilidades que as tecnologias nos oferecem. Por exemplo, vi alguém a falar da questão do ébola. Houve essa preocupação em fazerem teatro para demonstrar ao povo o que é o ébola, causas e consequências desta doença. Mas isso vamos ver mais nas cidades, aqui, em Luanda e sei lá. E até se pode promover isso lá no interior, nas aldeias. Naquele tempo havia também já expressões teatrais. O povo fazia também teatro. Trabalhei muitos anos em Cabinda e quando fosse às aldeias e tivéssemos alguma festa lá fazia teatro, e povo que faz facilmente teatro. Era interessante. Então hoje também se pode fazer. Se pode aproveitar este lado para divulgar as situações delicadas, situações críticas, situações que ameaçam a vida do povo.
Mas ainda voltando às redes sociais, hoje os grupos podiam organizar-se para fazer teatro e colocar numa rede social o seu teatro. Seria muito bom. Não esperar só que as salas de cinema estejam abertas para eles e seus trabalhos, ou então outros lugares, mas aproveitar esses lugares. E é um modo de se dar a conhecer não só a Angola mas ao mundo. E em Angola é importante porque cada vez mais jovens aderem a isso. Estou a vir agora do Lubango e fiquei admirado de ver a quantidade de jovens que pelo móvel já seguem as redes sociais. Seguem o facebook. Já estão no facebook, estão no twitter. Isso é interessante. Então, os protagonistas das artes têm de aproveitar também esses espaços e não se deixar sufocar pela pouca vontade política do regime ou do Estado. Não pode. Tem de criar espaços. Tem de se abrir.
OI – Achamos que o problema da liberdade artística muitas vezes condiciona também o tipo de narrativa, o tipo de obras que os artistas fazem. Um exemplo: Há uma obra famosíssima chamada o “Beijo da reconciliação ou Beijo Mortal”que foi feita por um pintor Russo-alemão, Dmitri Vrubel aquando da queda do Muro de Berlim e deu-se a união da Alemanha do Leste e a Alemanha democrática, e quando olhamos para o contexto americano tem um poema famosíssimo, o “uivo”, que enquadra-se perfeitamente no âmbito da liberdade artística e aí podíamos falar da literatura como fonte de liberdade comunicativa, em que os artistas dessas sociedades usam a arte para narrar e construir narrativas. Questionar a realidade. Propor novos caminhos. Nos livros daqui vê-se obras de arte que não têm nada a ver com a nossa realidade. É como se o artista estivesse a pensar a partir do céu. Quer dizer, ele está numa realidade mas as obras não retratam a realidade. Está relacionada a falta de liberdade ou é incapacidade ou formação desses artistas?
Pe. MC – Acho que a nossa experiência como povo, o nosso caminhar político nos está a coarctar um pouco ou a inibir um pouco nas nossas acções. Porque os artistas normalmente, em qualquer parte do mundo, são homens livres. O que nos falta muitas vezes é liberdade. Liberdade de pensar, liberdade de ir mais além. Que na falta não é liberdade, é sentirmo-nos livres. A liberdade não é o outro que te virá dar. Tu mesmo tens de te sentir livre. É como o jornalista. Tem de se sentir livre para fazer o seu trabalho. Se não há esta liberdade interior no indivíduo é difícil crescer, porque você vai ficar fechado depois a padrões estruturais, esquemas já padronizadas e ficas por aí. Não sais desses esquemas. Acabou.
É o que vemos pelo que acabou de falar. Obras aqui de gente que escreve que não tem nada a ver com nossa realidade. Infelizmente esse depois não ajuda sequer as nossas culturas a crescer. Não ajudam o nosso acervo a dar um passo mais além. Andamos sempre a girar na mesma coisa. Parece que já é um hábito do angolano. A gente vê o discurso do Presidente da República sempre a girar na mesma coisa. Nós não avançamos. Não saímos daí. Um político diz alguma coisa… Estava aí a ver o debate da tv Zimbo de anteontem e estava a comentar com um colega que parece que há gente que fala parece que não vive em Angola. Fala de uma outra realidade. Parece que está sendo hábito do angolano de falar de coisas que não sabemos se viveram alguma vez já num outro mundo ou quê e agora estão aqui e vão exprimindo ou vão falando desse mundo onde eles viveram, mas não falam da realidade.
Os políticos não falam da realidade. Falam de outras coisas. Porquê? Não sabemos. Talvez é preciso ver a nível da educação, a nível do ensino. E também é porque começamos muito tarde a despertar para a arte, para a cultura, para esses aspectos todos. Começamos muito tarde e também isso não é bom. A gente tem de ter cada vez mais bagagem. As escolas deveriam investir mais nisso. No teatro, na música, na dança até. As escolas a partir do ensino primário e desenvolver nas crianças o gosto por aquilo que é nosso e é bom.
OI – Por exemplo, do ponto de vista artístico hoje há um movimento no âmbito da arte contemporânea que são os movimentos urbanos que saem a pintar paredes de cidades e muitas dessas pinturas são pinturas que questionam valores da sociedade, que solicitam reformas. Porquê isso não chegou aqui?
Pe. MC – Você vai fazer isso aqui e vai morrer como o jovem Ganga. Por colocar um panfleto na rua foi baleado. Só isso já inibe qualquer um de fazer uma coisa dessa. Acabou. Esse é o problema.
OI – E em determinados países, isso agora está a ter um valor económico. Por exemplo em Portugal atrai turistas.
Pe. MC – Claro. Como não? Vi na Itália isso. Chamam graffiti. Os jovens que fazem isso… Antes, de facto, a polícia estava sempre contra eles mas depois tiveram de aceitá-los. Eles se impuseram. Hoje são artistas reconhecidos. É o tal espírito livre que eu dizia. O artista tem de se sentir um homem livre. Não esperar que alguém te dê liberdade. Tu tens de ser livre.
OI – Parece que também está mesmo relacionado com o nosso nível de compreensão da realidade e do mundo. Somos relativamente atrasados, usaríamos essa expressão um pouco mais dura. O que se passa?
Pe. MC – Podes ter razão porque nós, aqui ao nível da nossa congregação, estamos sempre a falar de que o país está a cair numa mediocrização. Temos aqui um colega que é decano e dá aulas na católica [Universidade Católica de Angola], e até a católica está baixando de nível, é a nossa apreciação. A universidade Católica que já no passado foi referência até a nível de África, está baixando de nível. Isso porquê? Por causa do… À medida que você vai recebendo grupos cada vez mais fracos, mesmo estando lá em cima, vocês são obrigados a baixar. Porquê? Porque depois vai ter muitas reprovações. Vão ter problemas de acumulação de estudante que andaram sempre a reprovar todos os anos. É este o problema. E também está a entrar esse problema, infelizmente, nos seminários. Há uma mediocrização dos estudos, da intelectualidade, do rigor. Tudo medíocre. Até nos seminários. Infelizmente. E nós, por exemplo, eu tenho a responsabilidade de chamar atenção aos colegas. Estou constantemente por cima deles. Os colegas que estão na formação para evitar. Nos seminários ou se sabe ou não se sabe. Mas isso vem da base. Vem do ensino primário onde actualmente não se reprova.
Depois vem de métodos ou qualidade de ensino péssima, onde até vimos a televisão uma vez, nem sei porque mostraram aquilo, se calhar nem se aperceberam, houve uma vez passou uma informação no noticiário que uma criança corrigiu o professor na sala, e o professor bateu a criança. E a criança depois a chorar e a explicar na televisão. Aquilo foi uma vergonha porque os professores não sabem. O que é que vão ensinar às crianças? E como é que as crianças vão aprender com os professores que não sabem? E vão passando de classe. Vão avançando. Depois estão no médio e continuam com essa mediocrização, com esse minimalismo. Tudo mínimo a avançar mesmo assim e pensa que é normal. E depois viram também professores. Querem dar aulas e fazer como o professor fez, porque o professor de qualquer maneira é modelo, e vai fazer como o professor fez também.
Então vamos sempre avançando, quer dizer, um avançar que na verdade é recuar. E não há esforço. Por exemplo há pouco empenho para as questões matemáticas, para as questões científicas. Há pouco empenho.
Conheço jovens que estão decepcionados com o Estado porque são cientistas e não têm o apoio do Estado. Estão por aí perdidos. E muitos jovens que vêem isso… “epá, ele que sabe tanto, é técnico não tem apoio”, isso desmoraliza, mas se verem que há uma classe de jovens que é apoiada pelo Estado para fazer as investigações que eles acham que devem fazer os outros jovens também vão aplicar-se.
OI – Como analisa a imprensa online que tem surgido ultimamente no panorama angolano?
Pe. MC –A gente segue. São também meios por onde se pode pôr em prática a tal liberdade de expressão. Tenho acompanhado. Parece-me que, por exemplo em relação ao Club-K, parece que algumas informações carecem de mais ou melhor elaboração, cuidado técnico e não só, ao contraditório. Parece-me que falha um pouco aí. Mas é bom. Ao menos dão a conhecer os problemas que temos. Levantam problemas. E isto já é bom. Quem está atento pode depois de ler aquilo ir ver de facto o que se está a passar em relação a essa questão. Já é bom.
OI – Há pouco falava de um técnico chinês que esteve aqui para controlar ou bloquear algumas redes sociais. Ainda quanto aos órgãos de comunicação online, como encara o futuro desse segmento comunicacional?
Pe. MC –Em sistemas como o nosso onde o poder ou o Estado fez uma Constituição à sua medida tudo também é possível. Amanhã podemos vermo-nos de facto limitados na nossa inserção neste mundo da comunicação ou das redes sociais. Podemos nos ver limitados. Tudo é possível num sistema como o nosso.
Mas acho que o Estado não vai até aí porque também poderá estar a dar um tiro no seu próprio pé à medida que as redes sociais também permitem ao Estado conhecer muita coisa que na imprensa pública, nos órgãos de comunicação seja estatal ou privada não passa. Vimos situações como por exemplo daqueles presos, daquelas agressões ou violências feitas contra aquelas senhoras, os prisioneiros também como foram violentados ou agredidos pelos guardas prisionais. O Estado tomou medidas. Então há coisas também que passam pelas redes sociais que o Estado precisa conhecer e se colocar limites, como disse, pode estar a dar tiro contra o próprio pé.
OI – Nota interesse por parte do Estado em conhecer as informações que as redes sociais algumas vezes publica?
Pe. MC – Acho que sim, porque há coisas que são postadas na internet, por exemplo no facebook, que vimos e depois houve evolução, houve qualquer coisa que se passou reagindo justamente àquela informação que foi veiculada.
OI – O acesso à internet ainda é bastante deficitária…
Pe. MC – Há dias estava a ler uma informação de que Cabo Verde é o primeiro nos PALOPs [Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa]. É o nono em África e primeiro nos PALOPs em relação ao uso da internet. E Angola ainda está muito longe. E estamos longe sobretudo porque acho que o Estado não fornece uma banda suficiente que permita a todos, embora se tenham criado mediatecas e mais outras estruturas para facilitar aos jovens o acesso à internet, esta internet ainda não tem nem abertura nem a velocidade desejada, o que aborrece muitos jovens. Para além disso é muito cara. Mesmo para aqueles que usam no telefone.
OI – O padre dizia que encontrou miúdos no Lubango com acesso à internet, mas essa internet que eles têm acesso nem sequer conseguem ver imagens. Mas é propositado também. O pessoal limita-se a ver frases.
Pe. MC – Eles liberalizam uma banda muito fraca. Não é uma banda de grande velocidade. Não podem ver vídeos no youtube, por exemplo.
OI – Fazendo jus de que a imagem tem mais força que mil palavras.
Pe. MC – Pois claro. A imagem fala mais. Um dos jovens nosso… Eu recebo sempre informações, nem sei quem me manda aquelas comunicações, mas prontos, são notícias gerais de Angola e vem com imagens também e envio para os colegas. Um dos jovens nosso, um dos colegas, tinha aquilo e disse “mas como é, o padre manda-me sempre essas notícias e olha como aparece aqui então”, de facto não aparece as imagens, só o texto.
“A imprensa estatal está do lado do autoritarismo e não da democracia…”
OI – De acordo com a concepção liberal do ponto de vista teórico sobre a imprensa, efectivamente a comunicação social é um factor fundamental para o nascimento e aprofundamento de uma democracia. Essa é a visão liberal. Mas a teoria crítica da liberdade sobre a comunicação diz que não – a imprensa é uma faca de dois gumes – e diria que esse é um pensamento bem presente dentro da igreja. Ela é um instrumento de moralização ou de desmoralização. É um instrumento de democratização ou de autoritarismo, dependendo da forma como ela é usada. Então, por exemplo: para o contexto de Angola nós diríamos que a imprensa angolana está ao serviço do autoritarismo ou do aprofundamento do Estado democrático?
Pe. MC – Mas é preciso fazer a distinção entre a imprensa estatal e a privada. Se for assim de maneira geral, o grande peso está na midia estatal que tem os maiores meios e que pode fazer tudo, e que sufoca praticamente os outros. Mas esta não podemos dizer que esteja, actualmente, ao serviço da democracia. Não podemos dizer. Então tem de estar do lado… A tendência, o que a gente vê é estar do lado do autoritarismo. Claramente. Uma coisa que me choca bastante é ver as manifestações que se passam aqui. Se mostram imagens é onde os jovens talvez estejam a fazer algo de mal, mas quando é a polícia que está a agredir isso não passa, nunca passou na televisão. Aí já se vê que estão de um lado. E depois é o poder da imprensa enquanto faca de dois gumes. É que os políticos conhecem, e seria estupidez se não conhecessem, conhecem a força da imprensa. Então tem de fazer tudo para manietar ou ter a imprensa do seu lado. Um governo, um regime tem de fazer tudo para ter a imprensa do seu lado.
OI – Mas os políticos de outros países também conhecem. Obama também sabe a força da imprensa. David Cameron também sabe. Por exemplo: recentemente o congresso norte-americano publicou um relatório com mais de cinco mil páginas sobre o comportamento da CIA no tratamento que deram aos prisioneiros em Guantánamo, e nem por isso o governo norte-americano interferiu, pelo contrário, aliás, é um órgão do Estado americano que elaborou o relatório que põe em causa determinados sectores do governo americano. Eles também conhecem. Será que eles são diferentes do ponto de vista humano comparativamente connosco? O que se passa aqui? É mesmo problema civilizacional? Nesse momento nos Estados Unidos nove Estados abriram processos contra a administração Obama. Seria equivalente, por exemplo, a nove governadores provinciais de Angola a abrirem processos contra a Presidência da República porque entendem que determinado acto do presidente fere a constituição, e este processo não vai pôr em causa o poder deles. Eles não vão ser ameaçados de morte. Não vão perder o pão. O que é que se passa? Nós somos menos homens? Menos civilizados? Porquê custa agir como eles?
Pe. MC – Mas dentro dessas aberturas ou desses espaços dados por essas instituições é preciso ver os interesses políticos que há. Mesmo nos Estados Unidos entre republicanos e democratas. É preciso ver os interesses. Quem está a fazer o quê e para quê? Qual é o seu objectivo? Porque agora a tendência é denegrir a imagem do Obama.
OI – Diria que é ao contrário porque nesse momento até a lei que atribuiu poderes à CIA para torturar foi assinada por um republicano, pelo que nesse momento só afunda ainda mais a imagem dos republicanos. Nem sequer põe em causa…
Pe. MC – Mas querem mostrar que Obama não fez nada para travar isso. Mas de qualquer maneira há sempre jogos de interesse na imprensa. Infelizmente nem sempre são visíveis a olho nu. É preciso muito trabalho de investigação para a gente chegar lá. É o que dizíamos de Assange. O mesmo trabalho que ele fez há interesses também.
Dentro do nosso contexto de Angola a gente vê que a midia estatal ou a midia pública está absolutamente ao serviço do poder. E o poder nosso, aqui, em Angola, tal como temos visto a actuar, é autoritário, infelizmente. Está do lado do autoritarismo e não do desenvolvimento, da democracia. Ainda não. Para mim ainda não, infelizmente.
OI – Padre, há também um conceito que é muito levantado aqui no contexto angolano, sobretudo de personalidades que visam defender os interesses do grupo hegemónico, quando alguém acusa de não haver liberdade de expressão e de imprensa dizem assim: “Não. Há cinco, dez anos atrás nós não tínhamos o mesmo número de órgãos de comunicação social que temos hoje”. E a questão que colocamos é: tecnicamente, a liberdade de expressão e de imprensa é uma questão quantitativa ou qualitativa?
Pe. MC – É qualitativa absolutamente. Multiplicaram-se os órgãos de comunicação, por exemplo os jornais multiplicaram-se mas esses jornais se fores a ler de facto assim de fundo coisa substancial não tem nada. Tudo está a jogar a favor do poder. Então, se não há qualitativamente um avanço nesse lado, a liberdade de imprensa também continua manietada.
“A comunicação poderia facilitar a divulgação da desobediência civil…”
OI – Padre, qual é o comentário que faz, embora tenha feito referência de forma muito sub-reptícia, sobre a geopolítica e a influência da economia nas questões da comunicação? E aproveitamos dar o exemplo de que ultimamente o pessoal do poder vai controlando órgãos de comunicação social em Portugal e por isso preciso de um comentário sobre a geopolítica da comunicação.
Pe. MC –É isso mesmo que eu queria dizer, recuando um pouco na questão anterior, muitos órgãos de comunicação, bom, não são tantos, um ou outro canal televisivo, a Zimbo, depois rádios um pouco, jornais muito mais ainda, mas esses todos têm um patrão. Têm dono. E o patrão ou o dono já sabemos de que lado está. Aqui em Angola quem é que tem muito dinheiro para patrocinar esses órgãos? Não é um tipo da oposição. Não é um empresário livre, que há poucos até. É só alguém do Estado ligado ao partido. Infelizmente é assim. Então o órgão está aí, e já sabemos que esses órgãos todos que foram criados muitas vezes veiculam uma ou outra informação que sabe que parece pouco mais democrática, mais livre, talvez até mais do campo da oposição, mas estão à espera dos grandes momentos que são as eleições. Já sabemos que é isso. Estão à espera dos grandes momentos. Agora, claro há todo o interesse do Estado em estender a sua influência lá fora, e se tem o dinheiro que tem, se tem o poder económico que tem pode estender essa influência lá fora. Estender ou melhorar a sua imagem lá fora. Claro que faz tudo. É o que nós vemos.
OI – Mas à custa de falta de seringas em hospitais pode-se fazer isso?
Pe. MC –Infelizmente. É claro que não se devia fazer. Moralmente isso é condenável. Mas infelizmente é o que está a acontecer. E a tanta coisa que acontece. Nós que giramos por essa Angola, vocês não imaginam o quanto ficamos com o coração apertado de vermos o que estamos a ver enquanto o país faz isso lá para fora e aqui os próprios nacionais a comerem terra, a rastejarem. Infelizmente.
OI – Os namibianos, apesar de serem referências a nível da região austral, ainda assim procuram melhorar a sua imagem e agora instituíram o voto electrónico. Tal como se vota na Alemanha e no Brasil, a última eleição na Namíbia foi por voto electrónico.
Pe. MC – Isso é a vontade de crescer de um povo. E o povo namibiano não tem tantos meios, recursos naturais como Angola tem. Você vai para Namíbia e vê que as pessoas vivem um nível de paz, de tranquilidade, de serenidade muito maior que o nosso.
Olha Moçambique. É o mesmo partido desde a independência mas quantos presidentes já passaram? Isso também ajuda a mudar um pouco a ideia das pessoas, a visão das pessoas em relação a política, em relação a sociedade, em relação as expectativas do povo. Ajuda também a mudar. É preciso haver mudanças. Sem isso vamos continuar sempre a girar. É o mesmo disco. Já está gasto, já está roto. Sempre a girar com a mesma agulha e nunca mais vamos para frente. Pensamos que estamos a avançar, na realidade não. Já alguém me dizia que a vinda dessa quantidade exagerada, até ameaçadora de chineses para Angola, é tudo para salvaguardar a imagem da Presidência. A imagem do partido. Porque fazem coisas que daqui a alguns anos vamos pagar caro. Estamos a gastar dinheiro em investimentos que daqui a alguns anos vamos pagar caro porque não tem sustentabilidade nenhuma. Não tem solidez nenhuma, infelizmente.
OI – Há relação entre comunicação e desobediência civil?
Pe. MC – A comunicação poderia facilitar a divulgação da desobediência civil, mas já apresentamos aqui o caso de desobediência civil. Nem sei até se podemos à isso chamar de desobediência civil. Em Angola o que seria desobediência civil? Os que fazem manifestação não estão a desobedecer a nada. Está na lei constitucional. Ainda não vimos aqui caso de desobediência civil. Não sei.
OI – Mas é possível caracterizar a desobediência civil como uma forma de comunicar?
Pe. MC – Exactamente. Isso também é verdade. Uma forma de comunicar algo.
Entrevista conduzida por: Sedrick de Carvalho & Domingos da Cruz
Texto: Sedrick de Carvalho
Foto: Teófilo de Oliveira [Gentileza]. Por esta razão o OI manifesta gratidão.